|Venezuela

«Os EUA gostariam de ser donos do Essequibo», diz autarca venezuelano

Numa entrevista ao Brasil de Fato, Ángel Prado, coordenador nacional da Unión Comunera e autarca do município de Simón Planas, defendeu que a Venezuela não pode aceitar a presença de «gringos» no território.

Ángel Prado é coordenador nacional da Unión Comunera e autarca de Simón Planas, município do estado de Lara, na Venezuela 
CréditosNatxo Devicente / Brasil de Fato

O venezuelano Ángel Prado esteve recentemente no Brasil para participar na formatura da primeira turma internacionalista do Instituto Educacional Josué de Castro, de Viamão (estado do Rio Grande do Sul), com jovens da Venezuela e da Argentina.

O coordenador nacional da Unión Comunera e autarca de Simón Planas, município do estado de Lara, com 35 mil habitantes, também visitou comunidades rurais e urbanas e cozinhas solidárias.

Muito próximo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Prado conversou com o Brasil de Fato, abordando questões como a disputa com a Guiana pelas terras do Essequibo, o papel central das comunas na defesa da revolução bolivariana, a importância da educação e da consciência de classe, a solidariedade internacional dos movimentos quando a Venezuela ficou isolada e o seu «grande amor pelo MST», que ajudou a matar a fome no seu país.

Brasil de Fato – Nos explique este conflito agora envolvendo a Venezuela e a Guiana?

Ángel Prado – Entendo que o imperialismo norte-americano e as potências europeias buscam desesperadamente controlar a América Latina. Temos visto, nas últimas três décadas, o surgimento de movimentos populares e indígenas fortes que tomaram o poder, geraram mudanças e que conseguiram muita participação popular. Isto representa um perigo para os donos do poder e um grande perigo para a burguesia. E a América Latina tem as maiores reservas minerais do mundo.

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Venezuela e Guiana mostram-se dispostas a manter o diálogo

Delegações da Venezuela e da Guiana, lideradas pelos presidentes de cada país, reuniram-se esta quinta-feira na capital de São Vicente e Granadinas para abordar o contencioso sobre o Essequibo.

Irfaan Ali (esq.) e Nicolás Maduro cumprimentam-se durante o encontro mantido esta quinta-feira, 14 de Dezembro de 2023, na capital de São Vicente e Granadinas  
Créditos / Prensa Latina

O encontro cara a cara foi promovido pela Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e a Comunidade de Estados das Caraíbas (Caricom) tendo em conta aquilo que classificaram como necessidade urgente de reduzir a escalada de conflito e «instituir um diálogo apropriado» sobre a questão da região da Guiana Essequiba, que, com cerca de 160 mil quilómetros quadrados, representa 70% do território guianês e que a Venezuela reclama como seu.

Depois de um encontro que durou pouco mais de duas horas, nas instalações do Aeroporto Internacional Argyle, em Kingstown, capital de São Vicente e Granadinas, os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, cumprimentaram-se, tendo deixado expressa a vontade de dar sequência ao diálogo directo iniciado.

Antes deste encontro entre as delegações dos dois países para debater a questão do Essequibo, cada qual manteve reuniões à parte com representantes da Celac e da Caricom, lideradas pelos seus presidentes Ralph Gonsalves e Roosevelt Skerritt, respectivamente.

Segundo refere a TeleSur, Nicolás Maduro reafirmou a posição de Caracas de manter a via aberta para o diálogo no âmbito do Acordo de Genebra, de 1966, e da chamada «diplomacia da paz».

O encontro cara a cara sobre a questão da região da Guiana Essequiba foi promovido pela Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e a Comunidade de Estados das Caraíbas (Caricom) / Prensa Latina

Além disso, reiterou o posicionamento do seu país de acordo com o qual o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, «resolve casos mas não controvérsias», pelo que os conflitos ficam sempre por resolver. Tal como outros 119 países, a Venezuela não reconhece a jurisdição do TIJ.

Antes de todas estas conversações, o primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves, tinha pedido aos presidentes da Guiana e da Venezuela que recorressem «à sabedoria, à maturidade e à paciência», esperando que ambos consigam reduzir as tensões bilaterais e encontrem uma saída para a disputa territorial do Essequibo.

No encontro de Kingstown, participaram como garantes os primeiros-ministros de Dominica, Roosevelt Skerritt, de Trindade e Tobago, Keith Rowley, de Granada, Dickon Mitchell, de Santa Lúcia, Philip Joseph Pierre, de Barbados, Mia Amor Mottley, e das Bahamas, Philip Edward Davis.

Também estiveram presentes a chefe de gabinete do secretário-geral da ONU, Courtenay Rattray; o ministro dos Negócios Estrangeiros da Colômbia, Álvaro Leyva, e o assessor da Presidência do Brasil, Celso Amorim, entre outros, indicam a Prensa Latina e a TeleSur.

Via do diálogo e do reconhecimento da América Latina e Caraíbas como Zona de Paz

À chegada ao aeroporto, Nicolás Maduro disse à imprensa que viera ali mandatado pelo povo venezuelano, com uma palavra de diálogo e de paz, «mas para defender os direitos do povo e da nossa pátria».

Também sublinhou que a solução para o contencioso bilateral tem de ser encontrada por via do diálogo e no respeito do princípio do reconhecimento da América Latina e Caraíbas como Zona de Paz.

Há mais de um século que a Venezuela e a Guiana mantêm a divergência relativa ao território do Essequibo, que subiu de tom nos últimos tempos, com Caracas a denunciar que o país vizinho estava a realizar licitações a transnacionais petrolíferas em águas não delimitadas.

No passado dia 3, a Venezuela celebrou um referendo, na sequência do qual as autoridades do país bolivariano divulgaram um decreto que cria a Zona de Defesa Integral do território e o Parlamento aprovou um Projecto de Lei Orgânica para a defesa da região em disputa.

Já a Guiana encarou a celebração do plebiscito como uma «ameaça existencial», a caminho da anexação do Essequibo pela Venezuela, mostrando ainda preocupações quanto às acções seguintes de Caracas.

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O Essequibo sempre pertenceu à Venezuela ou, pelo menos, como há uma disputa, ninguém deveria estar operando ali. Ninguém poderia estar extraindo recursos dali. Os estadunidenses e os britânicos sempre foram os que lideraram esta luta ou controvérsia entre a Guiana e a Venezuela. Sempre se reservando o direito de opinar sobre o território. Desde 2015, num momento de extrema debilidade política venezuelana, começaram a extrair petróleo. Instalaram-se ali suas transnacionais e muito perto instalam as suas bases militares. Há uma divisão política na Venezuela entre a direita, supostamente nacionalista, e o governo socialista.

Há uma crise política e parece ser o momento preciso para começarem a ocupar o território (do Essequibo) porque lhes pareceu que não teríamos condições. Às portas de uma guerra civil, não teríamos condições para levantar a voz como estamos levantando. Dizendo que historicamente este território nos pertence. E, neste ano, na véspera de eleições, não somente na Venezuela, mas também nos Estados Unidos, os abusadores se atrevem. Celebramos que, em 2020 e 2021, Maduro aprofundou a reclamação sobre Essequibo e, agora, a aprofundou mais ainda.

Parece que a direita ficou entusiasmada na América Latina com a vitória de [Javier] Milei, na Argentina, e [de Daniel Noboa] no Equador. Aumentam o bloqueio contra Cuba e esperam o possível retorno de governos de direita em nossos países. E o governo títere da Guiana rende-se ao imperialismo. Chávez chamá-lo-ia cachorro do imperialismo. Vínhamos de boas relações com a Guiana e não havia confrontação. Tememos que os Estados Unidos tomem a área petrolífera do [rio] Orenoco, que é a segunda maior do mundo. Gostariam de ser os donos do Essequibo.

Criticaram a Venezuela por ter anexado o Essequibo. O que estamos fazendo é uma frente de defesa do nosso território e da nossa soberania. Não podemos ser ingénuos e crer que isto é casual. É todo um plano. E, bem, seguramente vamos ver muita confrontação. E toca-nos defendermo-nos, buscar o apoio internacional.

A Venezuela lutou por este território nos anos de 1960 e 1970. Em 2023, nos cremos em condições de enfrentar a situação. Não podemos deixar que os Estados Unidos se instalem como um estado autónomo para ter o controle total dessa zona com a cumplicidade do governo da Guiana. Dentro de algumas semanas teríamos os gringos na faixa petrolífera do Orenoco controlando todo o Sul da Venezuela.

Como é o funcionamento das comunas na Venezuela?

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Comuna no alto do morro a fazer vida contra o bloqueio gringo

A Comuna Socialista Altos de Lídice, em Caracas, fez agora um ano. Muita da sua actividade centra-se em suprir as necessidades da população, fazendo frente às dificuldades decorrentes das sanções impostas pelos EUA.

Habitantes do bairro assistem à projecção de um documentário sobre a Comuna Socialista Altos de Lídice
CréditosCarolina Cruz / Brasil de Fato

Localizada a norte do icónico Bairro 23 de Enero, a Comuna Socialista Altos de Lídice foi a primeira comuna fundada no Bairro de La Pastora e a centésima organização comunal na Grande Caracas, refere a jornalista Michele de Mello, do Brasil de Fato, que esteve no local por ocasião das comemorações do seu primeiro aniversário. Na Comuna, juntam-se 350 famílias e sete conselhos comunais.

Jesus García, de 26 anos, militante do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e um dos fundadores da Comuna, destacou ao Brasil de Fato «o orgulho e a satisfação» que sente, bem como a «vontade de conseguir o dobro» do que foi conseguido até agora, num contexto marcado por «sanções, bloqueio, burocracia e reformismo». Considerou «muito reconfortante que ainda existam pessoas que acreditam em Chávez, que promovem o Estado comunal».

As comunas, formas de organização popular, territorial e produtiva, que defendem o bem comum e a propriedade comum, foram propostas pelo ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, que criou o Ministério do Poder Popular para as Comunas e defendeu este tipo de organização como forma de aprofundamento da Revolução Bolivariana.

De acordo com o Ministério do Poder Popular para as Comunas e os Movimentos Sociais, actualmente existem quase 48 mil conselhos comunais e cerca de 3000 comunas formadas no país sul-americano.

Betty Valecillos, técnica administrativa de 26 anos e membro da comissão da Saúde da Comuna, disse ao Brasil de Fato que, antes, «havia muitas pessoas que não se integravam, e ultimamente, em qualquer actividade que fazemos, temos um bom número de participantes», o que é «gratificante» e mostra o êxito deste tipo de organização.

Suprir as necessidades das populações, lutando contra o bloqueio

Em 12 meses de existência, a comuna em Altos de Lídice conseguiu inaugurar uma farmácia, com medicamentos doados por organizações de esquerda no estrangeiro. Os medicamentos – tão difíceis de encontrar em tempos de bloqueio – são destinados aos membros da Comuna, com prioridade para idosos, crianças e gestantes.

Outra área bastante atingida pelas sanções é a alimentação. Os membros da Comuna Socialista Altos de Lídice, além de garantirem a distribuição das caixas dos Conselhos Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), têm planos para abrir um restaurante comunal, garantindo refeições à população mais necessitada da zona.

Ainda na área da alimentação, os «comuneiros» incentivam a cooperação entre comunas, de modo a garantirem alimentos mais baratos. No espaço de um mês, foram realizadas duas feiras, com produtos das comunas El Maizal, no estado de Lara, San Martín, no Bairro San Juan, na região Oeste caraquenha, e El Panal 2021, no Bairro 23 de Enero.

De acordo com o Brasil de Fato, os membros da Comuna conseguiram iniciar a plantação de milho, pimentão e pimenta na parte mais alta do morro, onde o bairro se encontra com os limites do Parque Nacional Warairarepano, em redor de Caracas.

Serviços de limpeza urbana e abastecimento de água

De modo a garantir a limpeza das ruas e o bom funcionamento de tudo o que é público, a Comuna criou uma Brigada de Manutenção do morro, que faz frente a problemas diários relacionados com a falta de água, e coordena o sistema de recolha selectiva de lixo.


O serviço de abastecimento de água ainda não funciona de forma contínua, mas a empresa estatal Hidrocapital distribuiu dezenas de caixas de água pela população, que é frequentemente abastecida com camiões cisterna.

Depois de ler uma lista com estas conquistas e outras mais, Jesus García festeja. «Estamos a celebrar o esforço e a vitória. Isso deve-se à paciência, ao esforço e à vontade de viver melhor, de viver num mundo melhor. Deve-se ao facto de que, apesar de as oligarquias históricas nos terem mandado viver aqui num rancho, em cima do morro, não significa que temos de viver mal», frisa.

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Sou um comuneiro, venho de uma comunidade localizada no centro ocidental da Venezuela. É uma organização popular que existe desde 2009. A minha comuna lança-se a partir da revolução. É formada por muitas famílias camponesas sem terra. Tem uma estrutura e personalidade jurídica. E tem conta bancária, agenda de trabalho e plano de lutas. Tem um território definido, e as decisões são submetidas à assembleia cidadã. Trabalha-se o político, o social, o económico, o cultural e também o territorial. Há um autogoverno num território que funciona sobretudo a partir da visão da comunidade.

Quantas pessoas vivem na tua comuna?

Somos 9000 habitantes. Existem programas que chegam a uma parte da população segundo o interesse das pessoas em participar. Assumem competências da necessidade comum, como a distribuição do gás, dos alimentos e dos serviços. O autogoverno do território assume parte desse trabalho. A comuna nasce como uma nova forma política de se fazer governo.

Como se dá a relação com o governo da cidade?

Há uma disputa entre os dois modelos. O modelo comunal, socialista, contra o modelo liberal burguês. O presidente Hugo Chávez foi o grande promotor que buscou construir uma nova forma de se fazer política.

A comuna começou já no primeiro governo de Chávez?

Em 2006, Chávez propõe criar governos territoriais que se chamam conselhos comunais. E comités de trabalho tocam a agricultura, o social, a saúde, as finanças. Começou a executar os projectos, planos de habitação, as missões sociais. Chávez não as executava pela via tradicional e conseguiu a participação de muita gente. O povo assumiu o poder, aprendeu a gestionar a partir da sua organização e participação. Passou a executar projectos e a dar resposta às nossas necessidades. Isto para sair do paternalismo e do assistencialismo que sempre se teve com a política representativa da Venezuela.

«O meu primeiro voto foi para Chávez. Não sabia nada de política», conta Ángel Prado // Natxo Devicente / Brasil de Fato

Em 2009, aprofundou-se o modelo comunal. A produção da comuna. Também se começa a eliminar algumas estruturas do Estado tradicional burguês, como as estruturas legislativas e paroquiais. E estamos na tarefa de construir o Estado comunal. É normal reconhecer que esta não era a nossa tradição. É um factor de vontade política do governo de seguir construindo as comunas.

Percorremos toda a Venezuela e levantamos a situação económica, a situação do bloqueio, a pandemia, os embargos. A aposta comunal segue em marcha. Hoje, muitas comunas organizadas vão-se juntando com outras que estão nascendo. Está surgindo uma poderosa organização nacional de comunas, disputando espaços no campo económico, político e, agora, disputa no campo eleitoral. O que conta com o reconhecimento e o apoio financeiro do presidente Nicolás Maduro.

Esta conquista não estamos dispostos a perdê-la. Sempre se negou a participação ao povo. A revolução bolivariana permitiu a participação popular, convocou-nos a fazer política e, bem, já temos anos nas ruas e já estamos há anos organizados.

Existe uma tarefa clara que temos: disputar o poder ao Estado tradicional burguês. Algumas estruturas não aceitam e pretendem preservar o poder. Porém, há uma consistência entre a revolução bolivariana de Maduro e a base popular. Com a intenção de concretizar o nosso projecto primeiro. O que sustenta a revolução bolivariana é um compromisso moral com o seu comandante Hugo Chávez. E é a estratégia bolivariana para realizar as mudanças necessárias.

Como se mantém o governo Maduro mesmo com os ataques da extrema-direita dentro do país? E dos Estados Unidos? Qual o papel das comunas nisso?

Sim, temos avançado nos campos ideológico, político e cultural. Nós sustentamos a revolução popular na Venezuela. Se não houvesse a organização popular, já não teríamos o que temos. Sabemos o que ocorreu noutros países, o que ocorreu no Brasil e também o que se tentou fazer contra Chávez em 2012.

Hoje, visitei o Morro da Cruz, aqui em Porto Alegre, e fiz algumas perguntas. Perguntei sobre as estruturas político-organizativas do bairro. E falaram-me de várias. É certo que, no Brasil, o movimento campesino leva muita vantagem. Está muito organizado para disputar a terra, para produzir, para educar-se, para realizar, para distribuir.

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Na Comuna El Maizal, 4500 famílias constroem um projecto socialista

«Comuna ou nada», dizia Hugo Chávez. Para o comandante, este era o caminho da revolução bolivariana e a sua palavra faz-se realidade em El Maizal, a maior experiência de propriedade comunal da Venezuela.

Com o apoio de militantes do MST, a Comuna El Maizal produz sementes nativas de milho, que distribui a nível nacional 
Créditos / Comuna El Maizal / Brasil de Fato

Em El Maizal, cerca de 4500 famílias vivem e produzem alimentos saudáveis de forma totalmente colectiva. Com base neste trabalho, só a produção anual de milho ronda as 2000 toneladas.

A jornalista Michele de Mello, do Brasil de Fato, lembra que a comuna, localizada entre os estados de Lara e Portuguesa, foi criada em 2009 como resultado de uma ocupação de terras, que garantiu uma parcela para a reforma agrária.

«Chávez promovia uma nova geometria do poder que a institucionalidade não permitia, dizia que era ilegal, mas para nós a palavra do comandante é lei e por isso aqui assumimos esse formato de comuna. E temos uma comunidade que, ao invés de estar separada por visões diferentes, está unida em torno de uma luta, de um projecto», afirma Ángel Prado, membro da comuna.

Com jornadas de trabalho de seis horas diárias, 180 comuneiros são responsáveis pela manutenção de 14 empresas de produção social fundadas pela comuna. Além de milho, café, leguminosas e hortaliças, os agricultores também processam farinha de milho e produzem leite, queijo e carne de bovino e suíno.

«A nossa história está ligada ao cultivo. As nossas primeiras sementes foram entregues pelo presidente Chávez durante uma visita. Plantámos 150 hectares de feijão e depois ele veio cá para verificar a produção. Desse cultivo, nasceu a empresa Ezequiel Zamora, que é de mecanização e cultivo. É a empresa que desde 2010 nos gera maior excedente e que nos permitiu crescer internamente, assim como cuidar socialmente das comunidades que se encontram dentro da comuna», diz a comuneira Jennifer Lamus.

Maizal significa milheiral ou milharal, que constitui a base da produção da comuna e da alimentação dos venezuelanos / Comuna El Maizal

Este ano, El Maizal cultivou 300 hectares de milho, mas em todo o país há cerca de 1100 hectares de milho cultivados com sementes nativas produzidas pela comuna com apoio dos militantes da Brigada Internacionalista Apolônio de Carvalho do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).

O objectivo principal é tornar-se um território auto-sustentável, tanto no aspecto alimentar como no económico. A Maizal deu o impulso para o surgimento de outras 11 comunas na região central da Venezuela. A proposta de Chávez era que as propriedades comunais unificassem a organização de base para uma nova «hegemonia territorial».

«Todo o trabalho que fizemos nos primeiros anos deu-nos força e, quando a economia começou a cair, a Comuna El Maizal manteve-se firme e forte. Os nossos recursos ajudaram a manter o espírito de luta da nossa gente e, sobretudo, impediram a desmobilização ou a desmoralização», diz Ángel Prado à reportagem.

Pela capacidade produtiva, a Maizal também ajuda pequenos produtores da região, distribuindo crédito em troca de produção de alimentos.

«Nós pedimos maior financiamento e damos este crédito aos produtores, que não conseguem pelas vias normais do Estado. Também fazemos troca de produtos. Muitas vezes, os produtores não têm o dinheiro para comprar um quilo de queijo. Então, podem trazer-nos um quilo de grão de café, e levam o queijo», explica Jennifer Lamus.

O trabalho voluntário em iniciativas colectivas também é uma alternativa para os membros da comuna, mas não de modo «assistencialista, antes como forma de exemplo».

«Às vezes, uma unidade de produção está com o trabalho mais atrasado; então, convocamos todos para realizar esse trabalho e acompanhar o ritmo das outras unidades produtivas. E isso não se aplica só à comuna. Se é necessário limpar uma escola, uma rua, pintar um quarteirão ou realizar qualquer outra actividade na comunidade, vamos lá e fazemos esse trabalho», explica Lamus.

Com a mecanização do cultivo, a comuna pode produzir 2000 toneladas de milho por ano / Comuna El Maizal

A Maizal contempla a preocupação com aspectos produtivos e sociais. Os membros da comuna fundaram a Escola de Formação Ideológica e Técnica, onde oferecem cursos com apoio de militantes de outros movimentos populares nacionais e internacionais. Também abriram uma escola primária para os filhos dos agricultores, adoptando o método de Paulo Freire.

«A prática e a teoria andam juntas. Uma prática sem elementos históricos de luta, sem teoria, [deixaria] as pessoas [sem] clareza sobre os objectivos do horizonte», afirma o comuneiro Wildenys Matos.

Apesar da produção de cerca de 2000 toneladas de milho por ano, a Maizal não pode estabelecer uma relação directa com o Estado para o fornecimento de farinha de milho aos cabazes distribuídos pelos Comités Locais de Abastecimento e Produção (CLAP).

«O papel que a comuna cumpre é o de mostrar uma forma diferente de fazer as coisas. Primeiro, que podemos ser auto-suficientes, produzindo. Podemos mudar o modelo rentista por um modelo produtivo e sustentável, através da economia comunal colectiva», defende Matos.

De acordo com dados oficiais, existem 3567 comunas registadas em todo o país. Os militantes da Maizal promovem a União Comuneira como um movimento nacional que procura construir um Estado comunal na Venezuela.

A Comuna El Maizal reúne 14 empresas de produção social no seu território, a maioria coordenada por jovens / Comuna El Maizal

«Dedicámos as nossas vidas a este projecto. A comuna é a nossa forma de vida. Da comuna passaríamos ao socialismo ou passaríamos a uma guerra brutal, como a guerra de independência, para defender a nossa pátria», afirma Ángel Prado.

Para continuar a avançar no controle territorial, os comuneiros vão participar nas eleições regionais de dia 21 de Novembro, sendo Ángel Prado o candidato do PSUV ao município de Simón Planas. No processo eleitoral de 2017, Prado já tinha sido eleito, mas a sua candidatura acabou por ser impugnada pelo poder eleitoral.

Se for eleito, uma das propostas de Ángel Prado é estabelecer contratos e licitações entre o município e as comunas da região, bem como aumentar o controlo comunitário sobre os serviços básicos, como a distribuição de gás e combustível.

«O nosso horizonte estratégico é o socialismo e queremos dar continuidade ao projecto nacional Simón Bolívar. A comuna como modelo político demonstrou que pode trabalhar, produzir, incidir na economia do país, industrializar os seus alimentos, pode disputar qualquer campo de batalha, governar e assumir responsabilidades políticas, no nosso caso, na Venezuela», frisou Prado.

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Porém, é certo que, na zona urbana, na Venezuela, se avançou antes e é onde está concentrada a população. Esta base popular organizada viveu uma bonança económica, a era boa do petróleo. Depois, houve as guarimbas, os protestos contra Maduro, onde vimos até a prática de queimar pessoas. Tivemos uma debacle económica. Uma situação muito dura, enfrentar uma migração forçada, logo depois da pandemia, para o Brasil. Superámos tantas coisas graças a esta base social organizada nas grandes cidades e menos nos campos e zonas rurais. É uma base que efectivamente está decidida a preservar o modelo político que hoje temos. Porém, preservar desde a Constituição, resistir dentro da Constituição.

O meu primeiro voto foi para Chávez. Não sabia nada de política. E foi tanta a participação que permitiu à juventude venezuelana formar políticos e dirigentes. Na Venezuela, antes de Chávez, os jovens da periferia chegaram a comer sapatos para suportar a fome, além de muitas outras coisas terríveis que agora não se vêem, apesar dos problemas que temos.

Somos cinco milhões de habitantes que estão em comunas e participam da estrutura política. São 42 mil conselhos comunais. Cada conselho pode ter de 100 até mil moradores. Estamos em cerca de três mil comunas pelo país. Algumas com mais avanços e outras com menos.

Trabalham dentro das comunas?

Muitos trabalham dentro das comunas, mas não são necessariamente comuneiros. Podem trabalhar para o governo, para uma empresa privada, mas, na comunidade em que vivem, há um conselho comunal, uma assembleia, um comité de trabalho e actividades comunitárias. De maneira militante.

São pessoas que nem compartilham ideologicamente a revolução, mas vivem ali e interessa-lhes que a comunidade seja organizada e por isso participam. São patriotas que se ocupam que não ocorra uma guerra civil no país. É essa base organizada que mantém o projecto da revolução bolivariana.

Como as comunas trabalham com a formação, a educação e a comunicação?

Há um modelo educativo para conscientizar a partir da informação, do estudo. Conscientizar a população e construir a participação da juventude desde o desporto, a cultura, a comunicação. Creio que as comunas que terão maiores avanços são as que fazem a disputa ideológica. As que têm maior interesse em aprofundar a mudança de modelo e transitar para a nova sociedade.

Ángel Prado foi ao Brasil para a formatura da primeira turma Internacionalista do Instituto Educacional Josué de Castro // Natxo Devicente / Brasil de Fato

Se uma comuna não tem dirigentes com propostas conscientes, se não tem clareza da luta de classes, se não tem clareza da luta anti-imperialista, não irá avançar e, facilmente, um partido político irá apropriar-se dela. Controlá-la. Há experiências que propõem a comunicação como um meio para transmitir informações. Temos periódicos comunais, existem escolas de comunicação que fazem murais, transmitem mensagens de conscientização.

Procuramos esclarecer sobre quem estamos enfrentando, mostrar quais são as causas da situação da economia do nosso país, alertar sobre a necessidade de adoptar novos meios para ter melhores resultados.

Por exemplo, na Venezuela, durante uns três anos, os pequenos agricultores não puderam plantar porque não havia sementes. Não entravam sementes no país. Tivemos que convencer a todos que devíamos produzir sementes. Num momento ficámos sem a arepa [bolo de milho], a principal comida venezuelana, e ninguém do sector privado fabricava farinha. Fizemos uma mobilização forte de gente do movimento popular que entrou no campo industrial e fabricou a farinha. Não fez falta o sector privado e isso deixou um ensinamento.

Estamos reinventando-nos, rompendo esquemas. Não estamos produzindo carros, mas estamos produzindo hortaliças. Nunca se importou hortaliças mesmo na situação mais dura da guerra económica de 2016 a 2018. Descobrimos que podíamos jogar com a arma que tinha a direita que eram os alimentos. Para nós era impossível fazer os embutidos, processar carne. Agora, podemos.

Isto se dá na parceria com o MST. Vieste aqui no Brasil para a formatura de jovens que estudaram na escola do movimento. Como se dá esta parceria?

Temos um grande amor pelo MST. Ele tem dado muita solidariedade ao nosso povo. Temos comido na Venezuela o arroz agroecológico do MST. Temos conseguido alimentar-nos com vários produtos que foram daqui, sobretudo nos momentos mais duros.

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Venezuela: após falência de empresa, camponeses assumem produção em modelo comunal

Em 2021, a Central Açucareira de Sucre fechou e deve mais de 260 mil dólares aos camponeses. A Comuna 5 Fortalezas recuperou um pequeno engenho da central e processa dez toneladas de cana por dia.

Cana-de-açúcar é o motor da economia local 
CréditosLucas Estanislau / Brasil de Fato

A 500 quilómetros da capital, Caracas, a pequena cidade de Cumanacoa tem como apelido «coração doce do Oriente», em lembrança da sua intensa produção de cana-de-açúcar. No entanto, há dois anos, os trabalhadores locais sofreram uma das piores crises da sua história, na sequência do encerramento da Central Açucareira de Sucre.

Responsável por processar a maioria da produção do estado, a empresa decretou falência em 2021, fechou as portas e deixou uma dívida de milhares de dólares aos produtores da região.

A saída encontrada pelos trabalhadores rurais foi a organização comunal, o trabalho autónomo e o compromisso político. Ao Brasil de Fato, Vanessa Pérez, porta-voz da Comuna 5 Fortalezas, explicou que o objectivo era resgatar o ânimo dos produtores e enfrentar os prejuízos.

«Começámos a juntarmo-nos e a pensar como podíamos fazer para garantir nós mesmos a produção e processar a nossa matéria-prima; já que somos nós que lavramos a terra, que semeamos, que a cuidamos, então nós mesmos queremos transformar a nossa matéria-prima para que nenhum intermediário venha prejudicar a nossa vida», disse.

Formada por cinco conselhos comunais com cerca de 470 famílias, a Comuna 5 Fortalezas colocou-se na linha de frente das acções para enfrentar a crise e, além de organizar protestos contra o calote da empresa, decidiu tomar as rédeas do processo produtivo. Os comuneros recuperaram um velho trapiche localizado numa fazenda abandonada no território da comuna, puseram-no a funcionar e começaram a moer a cana dos produtores locais, indica o Brasil de Fato.

O pequeno engenho da comuna foi recuperado por trabalhadores // Lucas Estanislau / Brasil de Fato

Assim surgiu o Bloco Produtivo Esperança, uma empresa de propriedade social gerida pelos próprios trabalhadores da comuna. Apesar das estruturas improvisadas e do baixo orçamento para investir em máquinas, o esforço colectivo já começa a dar frutos: actualmente, o pequeno engenho dá resposta não só os produtores da comuna, mas também a comunidades vizinhas.

Um projecto que não deve ficar por aqui

Carlos de Andrade é um dos produtores beneficiados pela iniciativa. Nascido e criado no povoado montanhoso de San Juan Bautista, o camponês passou 45 dos seus 54 anos de idade a trabalhar no plantio da cana-de-açúcar. Ao Brasil de Fato, explicou que a falência da Central pôs diversas comunidades em situação de vulnerabilidade, mas que a iniciativa comunal foi uma saída para continuar a produzir.

«O pouco que nos restou conseguimos recuperar graças à ligação que temos com a Comuna 5 Fortalezas. Foi assim que conseguimos resolver algumas questões da nossa economia, das nossas casas, da nossa comida. Eu já tenho os meus netos e todos eles sofrem esta consequência, percebe? Por isso estamos nesta luta constante», afirmou.

Actualmente, o trapiche comunal processa dez toneladas de cana por dia e produz cerca de uma tonelada de melaço, subproduto destinado sobretudo ao fabrico de alimentos para o gado. Apesar de ainda estar longe da capacidade de processamento da Central durante o seu período activo, de 2,5 mil toneladas diárias, o engenho comunal trouxe algum rendimento aos trabalhadores locais.

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Na Comuna El Maizal, 4500 famílias constroem um projecto socialista

«Comuna ou nada», dizia Hugo Chávez. Para o comandante, este era o caminho da revolução bolivariana e a sua palavra faz-se realidade em El Maizal, a maior experiência de propriedade comunal da Venezuela.

Com o apoio de militantes do MST, a Comuna El Maizal produz sementes nativas de milho, que distribui a nível nacional 
Créditos / Comuna El Maizal / Brasil de Fato

Em El Maizal, cerca de 4500 famílias vivem e produzem alimentos saudáveis de forma totalmente colectiva. Com base neste trabalho, só a produção anual de milho ronda as 2000 toneladas.

A jornalista Michele de Mello, do Brasil de Fato, lembra que a comuna, localizada entre os estados de Lara e Portuguesa, foi criada em 2009 como resultado de uma ocupação de terras, que garantiu uma parcela para a reforma agrária.

«Chávez promovia uma nova geometria do poder que a institucionalidade não permitia, dizia que era ilegal, mas para nós a palavra do comandante é lei e por isso aqui assumimos esse formato de comuna. E temos uma comunidade que, ao invés de estar separada por visões diferentes, está unida em torno de uma luta, de um projecto», afirma Ángel Prado, membro da comuna.

Com jornadas de trabalho de seis horas diárias, 180 comuneiros são responsáveis pela manutenção de 14 empresas de produção social fundadas pela comuna. Além de milho, café, leguminosas e hortaliças, os agricultores também processam farinha de milho e produzem leite, queijo e carne de bovino e suíno.

«A nossa história está ligada ao cultivo. As nossas primeiras sementes foram entregues pelo presidente Chávez durante uma visita. Plantámos 150 hectares de feijão e depois ele veio cá para verificar a produção. Desse cultivo, nasceu a empresa Ezequiel Zamora, que é de mecanização e cultivo. É a empresa que desde 2010 nos gera maior excedente e que nos permitiu crescer internamente, assim como cuidar socialmente das comunidades que se encontram dentro da comuna», diz a comuneira Jennifer Lamus.

Maizal significa milheiral ou milharal, que constitui a base da produção da comuna e da alimentação dos venezuelanos / Comuna El Maizal

Este ano, El Maizal cultivou 300 hectares de milho, mas em todo o país há cerca de 1100 hectares de milho cultivados com sementes nativas produzidas pela comuna com apoio dos militantes da Brigada Internacionalista Apolônio de Carvalho do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).

O objectivo principal é tornar-se um território auto-sustentável, tanto no aspecto alimentar como no económico. A Maizal deu o impulso para o surgimento de outras 11 comunas na região central da Venezuela. A proposta de Chávez era que as propriedades comunais unificassem a organização de base para uma nova «hegemonia territorial».

«Todo o trabalho que fizemos nos primeiros anos deu-nos força e, quando a economia começou a cair, a Comuna El Maizal manteve-se firme e forte. Os nossos recursos ajudaram a manter o espírito de luta da nossa gente e, sobretudo, impediram a desmobilização ou a desmoralização», diz Ángel Prado à reportagem.

Pela capacidade produtiva, a Maizal também ajuda pequenos produtores da região, distribuindo crédito em troca de produção de alimentos.

«Nós pedimos maior financiamento e damos este crédito aos produtores, que não conseguem pelas vias normais do Estado. Também fazemos troca de produtos. Muitas vezes, os produtores não têm o dinheiro para comprar um quilo de queijo. Então, podem trazer-nos um quilo de grão de café, e levam o queijo», explica Jennifer Lamus.

O trabalho voluntário em iniciativas colectivas também é uma alternativa para os membros da comuna, mas não de modo «assistencialista, antes como forma de exemplo».

«Às vezes, uma unidade de produção está com o trabalho mais atrasado; então, convocamos todos para realizar esse trabalho e acompanhar o ritmo das outras unidades produtivas. E isso não se aplica só à comuna. Se é necessário limpar uma escola, uma rua, pintar um quarteirão ou realizar qualquer outra actividade na comunidade, vamos lá e fazemos esse trabalho», explica Lamus.

Com a mecanização do cultivo, a comuna pode produzir 2000 toneladas de milho por ano / Comuna El Maizal

A Maizal contempla a preocupação com aspectos produtivos e sociais. Os membros da comuna fundaram a Escola de Formação Ideológica e Técnica, onde oferecem cursos com apoio de militantes de outros movimentos populares nacionais e internacionais. Também abriram uma escola primária para os filhos dos agricultores, adoptando o método de Paulo Freire.

«A prática e a teoria andam juntas. Uma prática sem elementos históricos de luta, sem teoria, [deixaria] as pessoas [sem] clareza sobre os objectivos do horizonte», afirma o comuneiro Wildenys Matos.

Apesar da produção de cerca de 2000 toneladas de milho por ano, a Maizal não pode estabelecer uma relação directa com o Estado para o fornecimento de farinha de milho aos cabazes distribuídos pelos Comités Locais de Abastecimento e Produção (CLAP).

«O papel que a comuna cumpre é o de mostrar uma forma diferente de fazer as coisas. Primeiro, que podemos ser auto-suficientes, produzindo. Podemos mudar o modelo rentista por um modelo produtivo e sustentável, através da economia comunal colectiva», defende Matos.

De acordo com dados oficiais, existem 3567 comunas registadas em todo o país. Os militantes da Maizal promovem a União Comuneira como um movimento nacional que procura construir um Estado comunal na Venezuela.

A Comuna El Maizal reúne 14 empresas de produção social no seu território, a maioria coordenada por jovens / Comuna El Maizal

«Dedicámos as nossas vidas a este projecto. A comuna é a nossa forma de vida. Da comuna passaríamos ao socialismo ou passaríamos a uma guerra brutal, como a guerra de independência, para defender a nossa pátria», afirma Ángel Prado.

Para continuar a avançar no controle territorial, os comuneiros vão participar nas eleições regionais de dia 21 de Novembro, sendo Ángel Prado o candidato do PSUV ao município de Simón Planas. No processo eleitoral de 2017, Prado já tinha sido eleito, mas a sua candidatura acabou por ser impugnada pelo poder eleitoral.

Se for eleito, uma das propostas de Ángel Prado é estabelecer contratos e licitações entre o município e as comunas da região, bem como aumentar o controlo comunitário sobre os serviços básicos, como a distribuição de gás e combustível.

«O nosso horizonte estratégico é o socialismo e queremos dar continuidade ao projecto nacional Simón Bolívar. A comuna como modelo político demonstrou que pode trabalhar, produzir, incidir na economia do país, industrializar os seus alimentos, pode disputar qualquer campo de batalha, governar e assumir responsabilidades políticas, no nosso caso, na Venezuela», frisou Prado.

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O projecto, no entanto, não deve ficar por aqui. A ideia dos comuneros é adquirir experiência e capital suficientes para investir em centrifugadoras e insumos necessários para a produção do açúcar, o produto mais rentável derivado da cana. Eles defendem que o trapiche, além de tudo, é uma escola de formação para que possam acumular experiência e, no futuro, reactivar a Central Açucareira, desta vez sob comando da própria comuna.

«Este trapiche vai garantir-nos uma escola. Aqui, nós vamos formar-nos em administração, em organização, adquirir conhecimento desse sector. Nós temos de garantir ao município e às entidades governamentais que as comunas e o povo organizado podem administrar uma empresa desta categoria, porque somos nós que produzimos, que colhemos e vamos garantir que também sabemos transformar e administrar a nossa produção», disse Vanessa.

Aliança com o privado antecedeu a falência da Central

A história da Central Açucareira de Sucre acompanha os movimentos da economia venezuelana. Durante o governo do ex-presidente Hugo Chávez, em 2005, a empresa foi renacionalizada, depois de ter passado anos em mãos privadas. Registaram-se aumentos consecutivos na produção até 2014, quando o país entrou em recessão.

Face às dificuldades económicas, o executivo venezuelano decidiu entregar o controlo da Central à Corposucre, empresa propriedade do governo do estado de Sucre. Em 2020, o então governador Edwin Rojas (PSUV) anunciou um acordo com a empresa privada Tecnoagro, e classificou-o como «aliança estratégica» para gerir a usina em conjunto.

«Pediram-nos uma produção muito acima da habitual, de 21 mil toneladas para a safra de 2021, além de exigirem a cana limpa, o que nos deu muito mais trabalho, mas, mesmo assim, cumprimos com as metas», afirmou Vanessa Pérez.

O valor prometido pela Central, quando esteve controlada pelo acordo entre a Corposucre e a Tecnoagro, foi cerca de 25% superior ao que tinha sido oferecido pela safra do ano anterior. Os lucros seriam divididos por metade e o pagamento seria feito em duas partes: 20% durante o processo de moagem da cana e o resto dois meses depois de concluída fim da safra.

«São esses 80% que estão em falta», argumenta Pérez. De acordo com os contas da comuna, a dívida aos mais de 270 produtores que participaram na safra de 2021 é superior a 260 mil dólares.

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Comuna no alto do morro a fazer vida contra o bloqueio gringo

A Comuna Socialista Altos de Lídice, em Caracas, fez agora um ano. Muita da sua actividade centra-se em suprir as necessidades da população, fazendo frente às dificuldades decorrentes das sanções impostas pelos EUA.

Habitantes do bairro assistem à projecção de um documentário sobre a Comuna Socialista Altos de Lídice
CréditosCarolina Cruz / Brasil de Fato

Localizada a norte do icónico Bairro 23 de Enero, a Comuna Socialista Altos de Lídice foi a primeira comuna fundada no Bairro de La Pastora e a centésima organização comunal na Grande Caracas, refere a jornalista Michele de Mello, do Brasil de Fato, que esteve no local por ocasião das comemorações do seu primeiro aniversário. Na Comuna, juntam-se 350 famílias e sete conselhos comunais.

Jesus García, de 26 anos, militante do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e um dos fundadores da Comuna, destacou ao Brasil de Fato «o orgulho e a satisfação» que sente, bem como a «vontade de conseguir o dobro» do que foi conseguido até agora, num contexto marcado por «sanções, bloqueio, burocracia e reformismo». Considerou «muito reconfortante que ainda existam pessoas que acreditam em Chávez, que promovem o Estado comunal».

As comunas, formas de organização popular, territorial e produtiva, que defendem o bem comum e a propriedade comum, foram propostas pelo ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, que criou o Ministério do Poder Popular para as Comunas e defendeu este tipo de organização como forma de aprofundamento da Revolução Bolivariana.

De acordo com o Ministério do Poder Popular para as Comunas e os Movimentos Sociais, actualmente existem quase 48 mil conselhos comunais e cerca de 3000 comunas formadas no país sul-americano.

Betty Valecillos, técnica administrativa de 26 anos e membro da comissão da Saúde da Comuna, disse ao Brasil de Fato que, antes, «havia muitas pessoas que não se integravam, e ultimamente, em qualquer actividade que fazemos, temos um bom número de participantes», o que é «gratificante» e mostra o êxito deste tipo de organização.

Suprir as necessidades das populações, lutando contra o bloqueio

Em 12 meses de existência, a comuna em Altos de Lídice conseguiu inaugurar uma farmácia, com medicamentos doados por organizações de esquerda no estrangeiro. Os medicamentos – tão difíceis de encontrar em tempos de bloqueio – são destinados aos membros da Comuna, com prioridade para idosos, crianças e gestantes.

Outra área bastante atingida pelas sanções é a alimentação. Os membros da Comuna Socialista Altos de Lídice, além de garantirem a distribuição das caixas dos Conselhos Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), têm planos para abrir um restaurante comunal, garantindo refeições à população mais necessitada da zona.

Ainda na área da alimentação, os «comuneiros» incentivam a cooperação entre comunas, de modo a garantirem alimentos mais baratos. No espaço de um mês, foram realizadas duas feiras, com produtos das comunas El Maizal, no estado de Lara, San Martín, no Bairro San Juan, na região Oeste caraquenha, e El Panal 2021, no Bairro 23 de Enero.

De acordo com o Brasil de Fato, os membros da Comuna conseguiram iniciar a plantação de milho, pimentão e pimenta na parte mais alta do morro, onde o bairro se encontra com os limites do Parque Nacional Warairarepano, em redor de Caracas.

Serviços de limpeza urbana e abastecimento de água

De modo a garantir a limpeza das ruas e o bom funcionamento de tudo o que é público, a Comuna criou uma Brigada de Manutenção do morro, que faz frente a problemas diários relacionados com a falta de água, e coordena o sistema de recolha selectiva de lixo.


O serviço de abastecimento de água ainda não funciona de forma contínua, mas a empresa estatal Hidrocapital distribuiu dezenas de caixas de água pela população, que é frequentemente abastecida com camiões cisterna.

Depois de ler uma lista com estas conquistas e outras mais, Jesus García festeja. «Estamos a celebrar o esforço e a vitória. Isso deve-se à paciência, ao esforço e à vontade de viver melhor, de viver num mundo melhor. Deve-se ao facto de que, apesar de as oligarquias históricas nos terem mandado viver aqui num rancho, em cima do morro, não significa que temos de viver mal», frisa.

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«Por exemplo, as safras de 2019 e 2020 foram boas e tivemos uma óptima relação com a Central, quando ela ainda era administrada pelo governo nacional representado pela Corporação Venezuelana de Açúcar, a CVA. Mas, em Abril de 2021, eles alegaram que a produção não foi a esperada e que teriam que decretar falência, sendo que nós vimos a quantidade de açúcar que foi produzido ali», denuncia Vanessa.

O produtor Carlos Andrade também critica a parceria feita entre Corposucre e Tecnoagro, afirmando que os resultados do acordo foram «muito duros para a comunidade». «Nesta luta, estamos a subsistir, a reclamar o nosso direito de receber os nossos pagamentos depois do golpe que nos deram aqui na Central Açucareira, com esse agente privado que trouxeram e que nos matou economicamente», disse.

Após o anúncio da falência da Central, em Maio de 2021, uma delegação da Comissão de Controladoria da Assembleia Nacional da Venezuela, presidida pelo deputado Erick Mago (PSUV-Sucre), visitou a empresa para «elucidar os problemas que existem entre os produtores de cana-de-açúcar da região e a aliança comercial entre a empresa Tecnoagro e o governo do estado de Sucre», informou o Parlamento em nota.

Desde então, os trabalhadores rurais de Cumanacoa, organizados em conselhos comunais e na Associação de Plantadores de Cana de Sucre, já promoveram diversos protestos, tanto no estado como em Caracas, além de terem recorrido para o Ministério Público. A dívida, no entanto, continua pendente e a Central está desactivada.

«É a cana-de-açúcar que faz mexer este município»

«É a cana-de-açúcar que faz mexer este município. Aqui, em Cumanacoa, não há outra indústria, nem outra fonte de emprego. A cana-de-açúcar é o que dá vida à economia, é o que move o padeiro, o mecânico, o camionista, os escritórios, os mercados, tudo. É por isso que, hoje em dia, a cidade está muito afectada, pois em dois anos não tivemos nenhuma resposta sobre este caso», disse Vanessa Pérez.

Os produtores esperam há dois anos pelo pagamento da dívida // Lucas Estanislau / Brasil de Fato

Em Março último, o actual governador de Sucre, Gilberto Pinto (PSUV), visitou a Central Açucareira acompanhado por representantes da Associação de Plantadores de Cana e da Superintendência Nacional de Gestão Agroalimentar (Sunagro), órgão responsável por fiscalizar, entre outras coisas, plantas produtivas rurais no país.

Em nota, a Sunagro afirmou que a visita ocorreu «com o propósito de avançar na reactivação» da Central Açucareira e que os responsáveis do órgão ouviram as reivindicações dos trabalhadores locais. «Realizámos uma assembleia com os trabalhadores e plantadores de cana, na qual a Sunagro ouviu as solicitações e inquietações, enfatizando que irá trabalhar para buscar soluções em benefício da comunidade, de mãos dadas com o povo e com a classe trabalhadora», disse.

O Brasil de Fato tentou entrar em contacto com a Tecnoagro, mas não conseguiu falar com nenhum representante da empresa. Da mesma forma, também enviou questões ao governo do estado de Sucre, que não obtiveram resposta até ao momento.

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Quando os governos do mundo nos deixaram sozinhos. Quando Nicolás Maduro saía pelo mundo buscando quem se animava a vender comida para a Venezuela, entre os que se atreveram estava o MST. É gente que se organizou como comuna numa grande nação, uma potência económica.

Agora tive a oportunidade de conhecer experiências com companheiros e companheiras da minha comuna e da minha organização, a Unión Comunera. Somos povos que nos abraçamos, que nos completamos. Somos povos anti-imperialistas. Cremos no socialismo. O que ocorre entre as pessoas de uma comunidade no meu país é como uma prática socialista. Sentir a dor do companheiro, das famílias, dedicar-se voluntariamente, sem remuneração, fazer um trabalho, sobretudo as mulheres.

Foram anos duros, os governos deixaram-nos sozinhos, mas os povos sempre creram em nosso futuro. Cubanos, gente da Nicarágua, brasileiros do MST e do MPA [Movimento dos Pequenos Agricultores], argentinos, companheiros da Colômbia, companheiras do País Basco. Estou seguro de que a Venezuela sairá dessa, apesar da quantidade de coisas negativas nos meios de comunicação de massa de 150 países.

Sentimos a necessidade de ensinar os nossos filhos sobre os programas de educação popular, de educação técnica. Entramos no debate em torno do modelo agrícola, que trata de fazer o possível para se afastar do modelo tradicional explorador que acaba com o meio ambiente. E isso aproxima-nos muito do MST e andamos por esta terra procurando ideias para implementar no nosso país.

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