Dia 7 de Novembro de 2022 cumpriram-se 105 anos da Revolução de Outubro. Os Bolcheviques conquistaram o poder. Lembremos a imagem icónica da tomada do Palácio de Inverno e a forma como o cineasta Eisenstein, dez anos depois, em 1927, recriou este episódio, com a entrada de outros corpos e outros sujeitos políticos no espaço do poder e dos czares, que até então se entendia como restrito, fechado.
A Revolução de Outubro, cujo aniversário hoje se assinala, marcou o século XX e a luta dos trabalhadores e dos povos, concretizando a aspiração secular do homem - a sua libertação social e humana. Após as experiências como a Comuna de Paris, onde durante 72 dias a bandeira vermelha da classe operária flutuou hasteada no município de Paris num primeiro exercício do poder pelo proletariado, a que se seguiu a Revolução russa de 1905, a primeira grande revolução popular com a intervenção organizada da classe operária e dos trabalhadores, surgiu a Revolução de Fevereiro de 1917, que marcou o fim do poder czarista na Rússia. Mas o século XX viria a ficar marcado pela Revolução de Outubro, cujo 101.º aniversário hoje se assinala, pelo poder político dos trabalhadores e pela construção duradoura de uma sociedade sem exploradores nem explorados, concretizando a aspiração secular do homem – a sua libertação social e humana. É o tempo em que o sonho e a utopia dão lugar a um projecto político e de transformação social, no sentido da eliminação de todas as formas de exploração e opressão. De uma Rússia semi-feudal, dominada pelo poder repressivo dos czares e da mais alta nobreza, e fustigada pela exploração, a repressão, a pobreza, a fome e o analfabetismo, nascia a 7 de Novembro de 1917 a Revolução de Outubro, com o proletariado russo, liderado pelo Partido Bolchevique, a liderar o seu destino. Era o princípio da construção de uma nova sociedade onde, a par de grandes dificuldades e obstáculos, se deram avanços históricos, nomeadamente ao nível dos direitos dos trabalhadores e dos povos em geral. Passaram a ser assegurados os direitos à habitação e ao ensino, com instrução geral e politécnica gratuita e obrigatória até aos 16 anos. Conquistaram-se direitos à jornada de trabalho de oito horas de trabalho e a férias pagas, mas também à assistência médica e a um sistema de segurança social universal e gratuitos. O direito, de facto, das mulheres à igualdade, com importantes conquistas: o direito e protecção na maternidade, incluindo a licença de oito semanas antes e oito semanas depois do parto paga com salário normal; a instalação, em todas as fábricas e outras empresas que empregassem mulheres, de creches para lactantes e locais para a sua alimentação, devendo toda a operária que amamentasse o filho dispor de pelo menos meia hora em intervalos não ultrapassando três horas e o direito a não trabalhar mais de seis horas por dia. Estes e outros direitos e conquistas demoraram largos anos a chegar a outros países, como aconteceu em Portugal, onde surgiram cerca de meio século depois. Os grandes progressos verificados a nível mundial – políticas sociais, derrota do nazi-fascismo e libertação de países do jugo colonial – são inseparáveis da Revolução de Outubro, dos seus ideais e valores, da solidariedade política, diplomática, económica e militar da União Soviética para com a luta dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo. Com o desaparecimento da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e do socialismo como sistema mundial, o capitalismo tornou mais evidente a sua natureza com os brutais retrocessos na vida de milhões de seres humanos e o mundo mais exposto às tentativas de imposição de uma nova ordem ao serviço das potências imperialistas, não olhando a meios para atingir os seus objectivos. No entanto, por mais que a ideologia dominante procure impor o pensamento único e proclame o contrário, este não é o tempo do anunciado fim da história, mas sim o tempo de continuar a luta pela liberdade, a democracia e o socialismo! Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Editorial|
101 anos depois: a luta continua
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Proclamava-se, então: Viva a revolução dos operários, soldados e camponeses!
Há dias assim. Raros, mas há dias assim. Dias que abalaram o mundo – em rigor, podemos perguntar se não continuam a questionar o mundo. Que criam uma cesura no quotidiano, que rompem o dia-a-dia. Que iniciam um tempo novo. A construção do novo. Processos coletivos, partilhados. Dias que marcaram a História do século XX. E qual a sua importância neste século XXI?
Há que usar a palavra: Revolução.
Da Rússia, naquele ano de 1917, quando ainda se lutava na Primeira Guerra Mundial, em tempos de fome e de dificuldades, em tempos de guerra e de morte, chegaram notícias extraordinárias. Inusitadas – não era o local onde se previa que ocorresse a revolução. Raras. Em certo sentido, singulares.
Para muitos, abria-se um tempo de esperança e de novas possibilidades. Era possível. De Petrogrado, defendia-se que teriam o apoio da maioria dos trabalhadores e dos oprimidos – os da Rússia e os do mundo. Afinal, a sua causa, argumentavam, era a causa da justiça. Em Portugal, se os republicanos que tinham tomado o poder em 1910 manifestaram a sua simpatia pela Revolução de Fevereiro, foi Outubro que causou entusiasmo entre os trabalhadores. De facto, pensando apenas no território europeu, podemos surpreender a ofensiva revolucionária do pós-guerra. Mais tarde, esmagada, é certo, mas existente, importante e significativa. Convoquemos o caso da Alemanha ou ainda o da Hungria. Ou o Biennio Roso, em Itália.
«A forma como refletimos sobre a revolução, sabemo-lo, não está relacionada apenas com o passado. Provavelmente, nem sobretudo com o passado. Antes com o presente e com as formas de imaginar o futuro.»
Mas, para outros, a revolução russa significava a subversão, quase um mundo às avessas e tal não deixou de constituir um acontecimento e um processo preocupantes. Mais do que isso, existia receio, medo que essa onda vermelha, uma espécie de incêndio, se difundisse e engolisse o mundo da forma que conheciam e queriam manter.
Em Portugal, também a esperança e o medo. Podemos relembrar a greve geral de novembro de 1918 (dinamizada por uma sensibilidade política afeta ao sindicalismo e ao anarco-sindicalismo) durante o consulado de Sidónio Pais (1917-1918). Também aqui, a opinião pública conservadora e o campo político de direita temiam a ameaça vermelha, identificada de uma forma genérica, e o sidonismo não se fez rogado na tentativa de mobilização de um campo contra a greve que também estivesse na rua.
Esta evocação dos acontecimentos do passado, desse ano de 1917, é um pretexto. Para relembrar a forma como dividiu e continua a dividir as opiniões. Mas, para trazer outras questões.
Há que pensar sobre a palavra: Revolução.
Enzo Traverso, em obra recente (Revolution: an intellectual History, 2021), leva-nos a pensar criticamente as revoluções. E analisar o conceito de revolução como chave interpretativa da história moderna.
Há que pensar sobre a palavra e sobre os sentidos que encerra. Sobre as diferentes formas de a entender. Porque, afinal, a forma como refletimos sobre a revolução, sabemo-lo, não está relacionada apenas com o passado. Provavelmente, nem sobretudo com o passado. Antes com o presente e com as formas de imaginar o futuro.
Slavoj Žižek, um dos maiores nomes da filosofia contemporânea, dá uma entrevista ao AbrilAbril sobre a forma como os 150 anos da Comuna de Paris podem inspirar novas revoltas lógicas. Em 2009, o pensador esloveno organizou, com o seu camarada de pensamento Alain Badiou, um encontro no qual participaram 15 nomes da Filosofia contemporânea sobre «A Ideia do Comunismo». O conceito do evento baseava-se no nome de comunismo que continuava a ser o mais indicado para, usando a expressão do Marx sobre a experiência da Comuna de Paris, tomar os céus de assalto. Esta conversa tem como pretexto a primeira tentativa de os explorados tomarem o poder, mas não fica no passado. A discussão é sobre os combates do presente e as suas ligações a esta corrente da História e das lutas. O aniversário da Comuna de Paris é uma recordação de uma outra época perdida ou é uma data que ainda ecoa nos dias de hoje? Penso que é uma data muito importante, mas ambígua nos dias de hoje. Em primeiro lugar, não nos podemos esquecer, se somos comunistas, que apesar de haver a propensão para apresentar a Comuna de Paris como um desenvolvimento das ideias de Marx em relação às revoluções, nos communards havia muitas tendências: anarquistas, federalistas, blanquistas e dentro deles os membros da primeira Internacional, fundada por Marx e Engels. Os marxistas estavam em minoria. No entanto, o significado especial da Comuna de Paris é ser a primeira vez que as classes trabalhadoras tentam conquistar o poder e criam uma verdadeira zona libertada. Apesar da sua duração efémera, não podemos subestimar o que significou como referência para revoluções posteriores. Não sei se as pessoas conhecem este episódio real passado com Lenine, depois da Revolução de Outubro, quando os bolcheviques conseguiram manter-se no poder mais de 73 dias, ultrapassando o número de dias que a Comuna de Paris sobreviveu. Lenine, isto está provado, ficou tão feliz que começou a dançar no meio da neve. Era algo completamente incrível. Lenine tinha dois modelos - os jacobinos e a Comuna de Paris. Temos de celebrar estes 150 anos, claro. O problema é como pode ser lido o que aconteceu e quais as implicações nos dias de hoje. O que caracteriza agora a situação nos países ditos desenvolvidos é uma insatisfação crescente das pessoas com os sistemas de representação democrática que temos, que não conseguem captar a vontade das gentes. Ambicionam mais democracia, mas assistimos a uma espécie de revolta, dessas mesmas pessoas, contra a forma como funciona o sistema democrático. «Quando os bolcheviques conseguiram manter-se no poder mais de 73 dias, ultrapassando o número de dias que a Comuna de Paris sobreviveu Lenine ficou tão feliz que começou a dançar no meio da neve.» Veja-se o caso das manifestações do «coletes amarelos» em França, onde no início não havia nenhuma comunicação entre os representantes eleitos do povo e os manifestantes. Isto mostra a crise da democracia parlamentar. É claro que ela já não funciona no capitalismo. Precisa de ser suplementada pelos dois lados: pela base, com a auto-organização das pessoas, mas também pelo topo. Necessitamos de governos com projectos a longo prazo. Não sou simpatizante da forma como a China está a ser governada hoje. Mas falei há pouco tempo com um chinês que me disse algo muito interessante: que o problema no Ocidente é que os governos apenas pensam como podem sobreviver nas próximas eleições. Na China não há esse problema, já se sabe quem estará no governo. A questão põe-se como é que a China se vai tornar na primeira potência mundial em 2050, ou até antes. Eles conseguem pensar a longo prazo. A Comuna tinha essa outra forma de pensar como mudar o poder e as suas preocupações? É por isso que a Comuna de Paris é actual. Na Comuna de Paris houve uma revolta daquilo que era precário, dos pequenos artesãos, dos elementos mais frágeis da pequena burguesia, mobilizaram-se as classes trabalhadoras, que ainda não eram aquilo a que chamaríamos de classe operária clássica. Isso é muito actual, todo o descontentamento que vemos hoje não fica esgotado na tradicional classe operária. Existem precários, mulheres com trabalhos não remunerados, empregados e até pessoas que são exploradas mesmo sem terem trabalho. Veja-se o caso de um país da América Latina como o Equador. Até se pode não ser explorado por multinacionais que operam lá, mas essas empresas arruínam o ambiente. Não se é explorado na forma clássica, mas é-se «explorado» em termos da própria vida, porque o ambiente e a própria existência são destruídas por essas empresas. Isso acontece na Índia, na América Latina, em África e em muitos sítios do planeta. A Comuna de Paris pode dar-nos ensinamentos sobre o campo de luta. O problema é que hoje, na situação actual, o modelo da democracia local – pessoas auto-organizarem-se em conselhos - tem certos limites. Temos de ter capacidade de construir redes mais globais. Hoje, se quisermos lidar não só com a pandemia mas até com as catástrofes ecológicas tem de haver uma forte cooperação internacional. A democracia local não chega para resolver os problemas do presente. Temos que reinventar outras formas mais globais. Não acredito num governo mundial, mas é preciso chegar a um outro nível. Vejamos o caso da energia e no que temos de fazer para conseguir electricidade e energia suficientes. Isto não é possível a nível local, muitas vezes nem a nível nacional, precisamos de uma espécie de larga cooperação internacional. Por isso, o meu pessimismo. A Comuna de Paris falhou, por que é que se mantém no nosso imaginário? Penso que a Comuna de Paris estava destinada a falhar. Estou convencido que mesmo a maioria dos franceses, por manipulação e preconceitos ideológicos, se opunha à Comuna. Foi um acontecimento muito circunscrito, mas algo de extraordinário se passou, algo que transcendeu rebeliões anteriores, como a dos escravos espartaquistas, em que pretendia-se um regresso a alguma situação imaginada de um passado, como um regresso à comunidade de origem. «Foi um acontecimento muito circunscrito, mas algo de extraordinário se passou, algo que transcendeu rebeliões anteriores, como a dos escravos espartaquistas, em que pretendia-se um regresso a alguma situação imaginada de um passado, como um regresso à comunidade de origem. Na Comuna, pela primeira vez, desejou-se um mundo novo, algo não existente» Na Comuna, pela primeira vez, desejou-se um mundo novo, algo não existente. Olhar para a Comuna de Paris permite-nos repensar algumas ideias do marxismo. Temos de conseguir incorporar no «proletariado» de hoje, não apenas os trabalhadores clássicos, mas muitas pessoas e camadas em luta, como as populações indígenas, os trabalhadores precários, e muitos outros dos atuais explorados. A Comuna de Paris não é passado, é um momento da História em que, pela primeira vez, se pensou em mudar tudo. Citou várias vezes, nos seus livros, uma passagem de Fredric Jameson na qual dizia que o maior problema é que as pessoas imaginam como mais possível uma invasão de extraterrestres do que o fim do capitalismo. Este não é o problema de teses que se ficam por uma maior democracia sem pôr na ordem do dia o fim do capitalismo? Sim, tem sido difícil imaginar sociedades para além do capitalismo mas, ao mesmo tempo, o próprio capitalismo está a mudar, está a entrar numa nova fase em que há possibilidades de luta contra ele, emancipatórias. Veja-se como, no meio desta crise, o que até políticos conservadores são obrigados a fazer. Biden está a «dar» 1,9 biliões de dólares, sobretudo às empresas mas também às pessoas para a enfrentarem. Isto é quase uma espécie de rendimento básico incondicional para quem trabalha. Quando olhamos para a pandemia e a crise ecológica percebe-se que o mercado global capitalista não consegue responder a estas questões. É necessária uma economia cada vez mais socializada. Os mercados podem ser competitivos localmente para motivarem as pessoas pela concorrência, mas globalmente a economia de mercado capitalista não funciona. O que é fascinante com esta situação de pandemia – não acredito que nos leve ao comunismo – é que se alguém tivesse proposto há dois anos políticas que hoje os conservadores são obrigados a fazer como dar dinheiro a pessoas comuns, dizer que é preciso serviços nacionais de saúde universais, admitir que o aquecimento global é um problema, ninguém acreditaria que fosse possível que tudo isso apareça na agenda política da actualidade. São problemas que não podem ser resolvidos no campo do capitalismo. O paradoxo é que a sucessão de crises compelem-nos a pensar fora do quadro do capitalismo. Voltando a Biden, que é tudo menos socialista, ele entregou 1,9 biliões de dólares. É uma acção completamente louca dentro do capitalismo de mercado. Muitos amigos meus dizem que o capitalismo faz sempre isso quando há uma guerra ou uma crise generalizada e que depois tudo voltará ao «normal». Eu acho que simplesmente não haverá nenhum retorno possível ao normal. Com a pandemia, a crise vai agravar-se e vai haver novas e grandes explosões sociais. O irónico é que apesar da maioria das pessoas ainda não ser capaz de imaginar um mundo sem capitalismo, mesmo os que estão no poder são obrigados a fazer políticas fora do quadro do capitalismo. É um ponto de não retorno? Estamos num momento incrível. O capitalismo, como o conhecíamos, está sob fogo. Por isso tentam inventar um novo capitalismo. Temos Trump, Bolsonaro e o momento bárbaro, deixem as pessoas morrer e os lucros e os mercados funcionarão por si; temos, por outro lado, o capitalismo tecnocrático de Bill Gates, Zuckerberg e companhia - um capitalismo digital de vigilância. Até os capitalistas sabem que tudo está a mudar e que não se vai regressar ao velho capitalismo. Não subestimem o que está a provocar a pandemia. Vejo potencialidades emancipatórias para depois da pandemia. São apenas possibilidades, pode até acontecer que tudo piore e caminhemos para sociedades ainda mais autoritárias. Não estamos apenas numa crise sanitária, em que se tem de esquecer a política e tratar de sobreviver, as sociedades estão a mudar radicalmente. Estou de acordo com aqueles que dizem que esta classe de capitalistas muito ricos, como Bill Gates, Jeff Besos, Zuckerberg e outros, fazem o capitalismo tornar-se semifeudal. A exploração mudou. Não só existe apropriação do trabalho que produz mercadorias, como a nossa própria comunicação com os outros e até o tempo da nossa vida é privatizada. Se queremos comunicar temos de lhes pagar uma renda. É esta a alteração radical do capitalismo. Em vez de filosofar e dizer que não temos um modelo do que pode ser a sociedade para além do capitalismo, eu, como bom marxista, diria: vejam o que está a suceder com o próprio capitalismo. O capitalismo sobreviveu a várias crises, as crises são muitas vezes a forma de funcionar do próprio capitalismo. Voltando à Comuna de Paris, não é preciso inventar instituições diferentes das capitalistas. Para além das explosões de manifestações cíclicas, não se tem de inventar outras formas novas de poder? Concordo, mas penso que a pandemia e a crise abrem uma brecha no capitalismo. Mesmo quando pensamos nos momentos simpáticos, como o «Occupy Wall Street» nos EUA, onde milhares de manifestantes, na maioria jovens de classe média, tinham reivindicações muito limitadas; se virmos os «coletes amarelos», em França, que simplesmente não tinham a capacidade de traduzir o seu descontentamento numa nova forma social de organização. O mesmo se passou com os indignados e a formação do Podemos em Espanha que hoje não passam de uma parte pequena da social-democracia. Mas concordo que o preço que estamos a pagar por isso é a erupção de um novo populismo de extrema-direita. Quando se diz que não há alternativa ao capitalismo, eu afirmo que o capitalismo está numa crise profunda e a prova é o aparecimento do populismo de extrema-direita. Como dizia Walter Benjamin, «cada fascismo é um sinal de uma revolução falhada». Hoje, o emergir do populismo de extrema-direita é um sinal de insatisfação que a esquerda não conseguiu canalizar. Por isso sou optimista a longo prazo. Bernie Sanders disse uma coisa extraordinária. Afirmou que o Partido Democrático não se devia preocupar com a classe média alta, e que os seus votantes são muitos daqueles que votaram no Donald Trump, que estão insatisfeitos com a liberalização económica e que ficarão insatisfeitos com as soluções de mais neoliberalismo de Trump. Devemos apresentar-lhes outras soluções. Não dou como adquirido que o capitalismo não se consiga reinventar. É possível. Mas vejamos no que o capitalismo se está a tornar. Os países capitalistas com mais sucesso são os modelos autoritários de capitalismo que juntam modelos de crescimento dos lucros com o nacionalismo ditatorial. O problema, regressando a Benjamin, é que existe uma crise do capitalismo e o aparecimento da extrema-direita, mas, ao contrário dos anos 30, não existe um forte movimento operário, comunista, revolucionário mundial, nem a União Soviética, para se oporem ao ascenso do nazismo. O grande desafio é como reinventar a esquerda. Podemos ser eficientes na luta contra a Covid-19 e no controlo das alterações climáticas sem cair num modelo autoritário chinês de controlo social. Muita gente elogia a forma como a China conseguiu controlar a Covid-19. Mas esse não pode ser o único critério. Em Taiwan, que nada tem a ver com o comunismo, conseguiram controlar, de maneira autoritária, ainda melhor do que na China continental. Precisamos de novas formas de solidariedade e de sociedade. Mas, a este respeito, não sou optimista a curto prazo. O meu optimismo alimenta-se do meu pessimismo. Esta crise vai aprofundar-se e obrigar mais gente a bater-se por socializar as coisas e colocar cada vez mais a economia em comum. Terá de haver um controle social de combate às pandemias, de produção das energias e de como combatemos a degradação ecológica. Nesse sentido, sim, sou optimista. Não acho que esta crise seja resolvida com as vacinas. As pandemias vão-se suceder e para as combater é preciso novas formas de resposta social fora do capitalismo. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Entrevista a Žižek. Tomar os céus de assalto vale bem uma dança
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É ainda Traverso que, explicando porque não tem um capítulo neste seu longo ensaio dedicado à questão da violência, aponta algumas posições historiográficas. Assim, relembra os historiadores conservadores que estigmatizam, frequentemente, as revoluções como a fonte do totalitarismo moderno.
A ideia de revolução, mas também as imagens dos revolucionários e das revolucionárias, são apresentadas de outra forma. Estes homens e estas mulheres, os seus combates, passaram a ser vistos, por uma parte do campo político, com suspeita, de forma crítica, muitas vezes acentuando apenas a violência destes processos e tantas vezes obliterando a violência e a opressão dos contextos que foram parte das suas causas. Mas afinal, não são violentas as margens que oprimem esse rio? para voltar a Brecht. Não se pode retirar a agência dos homens e das mulheres que se constituíram como sujeitos políticos, subsumindo-os a massas controladas por líderes. Ou a forma como, em certos casos, a revolução e os processos revolucionários são entendidos como incómodos, as interrupções de processos que iam chegar a bom porto – eventualmente. Chegariam? Parecem dizer-nos que há repertórios de ação que não são legítimos. Afinal, o que se pode fazer?
Não se pode ter como objetivo político a ruptura, a transformação?
Também em torno da ideia de Revolução há batalhas a serem travadas. Em torno da possibilidade de mudar o mundo. Afinal, não continuam a existir Palácios de Inverno?
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