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Relatório Draghi: mais do mesmo!

A tão aguardada encíclica do «cardeal» Draghi não acrescenta nada ao credo neoliberal, apesar dos elogios de várias eminências social-democratas, que vão ao ponto de vislumbrar no relatório o fim da austeridade.

CréditosOlivier Hoslet / EPA

Mario Draghi, antigo presidente do Banco Central Europeu (BCE) e antigo primeiro-ministro italiano, apresentou na semana passada à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o tão aguardado «relatório sobre o futuro da competitividade da UE». Este relatório foi escrito a pedido da presidente, durante o seu discurso sobre o Estado da União em 2023. A tão aguardada encíclica do «cardeal» Draghi não acrescenta nada ao credo neoliberal, apesar dos elogios de várias eminências social-democratas, que vão ao ponto de vislumbrar no relatório o fim da austeridade. Usando a estagnação da produtividade da União Europeia (UE) como pano de fundo, o relatório preconiza um gigantesco empréstimo junto da banca internacional para financiar grupos industriais privados considerados chaves para a sobrevivência do projeto Europeu, para alem de um quadro protecionista que nos proteja da China, que passa a ser o inimigo de serviço.

Mario Draghi é filho de banqueiros e foi «polido» no MIT (Estados Unidos) para uma carreira fulgurante com passagens na academia, no incontornável Goldman Sachs (onde foi vice-presidente para a Europa), no Banco de Itália e no Banco Central Europeu, entre 2011 e 2019. Foi empossado em 2021 como primeiro-ministro de Itália, com o apoio da extrema-direita fascista. O seu relatório centra-se em três áreas de ação necessárias para impulsionar a competitividade da UE e relançar o crescimento sustentável. A primeira e principal área diz respeito ao esforço coletivo que a UE deve fazer para colmatar o fosso de inovação com os Estados Unidos e a China em termos de inovação, particularmente na área das tecnologias avançadas. A segunda área de atuação diz respeito à necessidade de um plano comum de descarbonização e competitividade reduzindo os elevados preços da energia e garantir que a economia se torna neutra em carbono e circular (tudo com fundos públicos está-se mesmo a ver…). A terceira e última área diz respeito à necessidade de reforçar a indústria de defesa e reduzir a nossa dependência nesta área.

O tom roça a ameaça, mas procura ao mesmo tempo a adesão do cidadão trabalhador. Se nada for feito, é a sobrevivência da União Europeia que está em causa e sem esta, está claro, não haverá quem financie o Estado Social. Um «desafio existencial», como é dito no relatório. Para relançar a competitividade europeia face aos Estados Unidos e à China, o antigo presidente do Banco Central Europeu propõe um plano de investimento faraónico de 800 mil milhões de euros por ano para financiar a inovação, a transição verde e a defesa, até 2030 (entre 4.4 e 4.7% do PIB da UE).

«O tom roça a ameaça, mas procura ao mesmo tempo a adesão do cidadão trabalhador. Se nada for feito, é a sobrevivência da União Europeia que está em causa e sem esta, está claro, não haverá quem financie o Estado Social. Um "desafio existencial", como é dito no relatório.»

Para se ter uma ideia da dimensão da proposta, o Plano Marshall representou a preços de hoje uma soma total de 130 mil milhões de euros. Este montante seria obtido através de mais um empréstimo em nome da UE no sistema financeiro, no qual todos os países seriam igualmente solidários. Entre muitas medidas, Mario Draghi recomenda o desenvolvimento de uma «estratégia comum de investigação», o desenvolvimento de mercados bolsistas europeus para facilitar as entradas em bolsas de empresas inovadoras, a criação de uma «União da Energia», apoios direcionados à produção de determinadas tecnologias limpas, um plano de ação para a indústria automóvel, ou ainda uma maior cooperação na inovação de armamento. Aqui, claro está, não cabe o «Estado social» com os seus serviços públicos…

Para conseguir todos estes desígnios, para além do endividamento, encontramos os habituais apelos à agilização e simplificação da produção legislativa, bem como a revisão dos mecanismos decisórios que entravam a integração europeia. O fim do princípio da unanimidade é novamente colocado no topo das prioridades. A democracia é aqui inimiga do crescimento… Este relatório tem o mérito de revelar a existência de uma crise profunda nesta integração neoliberal, federalista e militarista da União Europeia. Contudo, a fuga para a frente que é preconizada apenas irá prolongar esta crise. O que precisamos não é mais do mesmo. O que precisamos é de uma outra Europa dos povos e dos trabalhadores, construída sobre um outro modelo de integração assente na solidariedade, na valorização do trabalho e no respeito pela soberania de todos.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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