O massacre de Tumaco, como ficou conhecido o ataque recente aos camponeses neste município colombiano, trouxe à tona várias questões, a principal das quais tem a ver com a persistência da pobreza e do cultivo de coca por muitas famílias de agricultores, e o modo como o governo de Juan Manuel Santos continua a lidar com a questão: eliminado à força o cultivo de ilícitos sem implementar planos de substituição.
Esta questão foi contemplada nos acordos celebrados em Havana (Cuba) entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo (FARC-EP), que, entretanto, deram lugar a um partido político.
No ponto 4 do acordo, defende-se a «substituição voluntária» do cultivo como elemento central para a questão das drogas ilícitas, assim como uma «nova visão», que implica tratar de forma diferenciada «o cultivo de uso ilícito» e «a criminalidade associada ao narcotráfico», lembra a TeleSur.
«Nos acordos de Havana, defende-se uma "nova visão" sobre o cultivo de uso ilícito, diferenciando-o da criminalidade associada ao narcotráfico»
Neste contexto, os camponeses que cultivam coca são encarados como «o elo mais frágil do narcotráfico», e o acordo gira em torno da criação de um Programa Nacional Integral de Substituição de Cultivos – através do qual o governo deixaria de recorrer à eliminação do cultivo pela força e que se basearia na «construção conjunta, entre as comunidades e as autoridades», de compromissos com vista à substituição voluntária.
De acordo com o documento, é o Estado colombiano a quem cabe pôr em marcha o programa. Mas a tónica tem sido outra. Os dados do Ministério da Defesa do país sul-americano relativos a 2017 apontam para a eliminação de 30 mil hectares, sendo que em apenas 5000 se procedeu à substituição de cultivos. O procedimento é, por norma, coercivo, ao contrário do estabelecido dos acordos.
Pobreza e cultivo de coca
Jesús Santrich, ex-guerrilheiro das FARC-EP e actual membro do partido Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC), explica que a questão dos cultivos ilícitos vem de longe, de quando «a oligarquia colombiana se apoderou dos vales» e obrigou os camponeses a irem para regiões remotas.
A persistência do cultivos de ilícitos no seio da agricultura colombiana está ligada a um contexto de marginalização, pobreza, falta de ajudas do Estado, bem como ao acosso das forças policiais e organizações paramilitares e ligadas ao narcotráfico.
Foi neste contexto que a ex-senadora Piedad Córdoba, membro da Marcha Patriótica, chamou aos camponeses assassinados em Tumaco «condenados da terra».
Para os agricultores colombianos, um plano que parte da «erradicação total do cultivo de coca» para dar lugar a um programa de substituição com início em 2019 – através do qual o governo pretende investir 10 milhões de pesos por família em projectos – não é viável e leva-os à miséria. Até lá, têm de fazer frente às suas necessidades, das suas famílias.
«a questão dos cultivos ilícitos vem de longe, de quando "a oligarquia colombiana se apoderou dos vales" e obrigou os camponeses a irem para regiões remotas»
Entretanto, o governo de Santos prossegue com a eliminação dos cultivos de coca à força, sendo que as comunidades agrícolas de vários departamentos têm denunciado acções violentas tanto por parte das forças do Estado como dos paramilitares.
O que aconteceu em Tumaco, no dia 5 – e nos dias seguintes, com mais repressão policial sobre organizações humanitárias e jornalistas –, dá conta da violência que os camponeses enfrentam na Colômbia. Apesar do que está escrito nos acordos de Havana.
Greve para exigir cumprimento do acordo
No dia 17, a FARC emitiu um comunicado a dar conta de que, dois dias antes, seis ex-combatentes das FARC-EP foram assassinados no Espaço Territorial «Aldemar Galán», na localidade de Isupí (município de El Charco, departamento de Nariño).
Ainda em Nariño, na localidade de Tumaco, foi assassinado na terça-feira o líder social José Jair Cortés, e ontem soube-se que dois indígenas foram mortos na mesma zona.
Neste contexto, representantes de 12 departamentos colombianos e de várias organizações sociais e agrárias que integram a Marcha Patriótica decidiram mobilizar-se para reivindicar a «plena implementação dos acordos de paz de Havana», tendo em conta os reiterados «impedimentos» à sua concretização.
Por seu lado, o presidente da República, Juan Manuel Santos, convocou para hoje o Conselho Nacional de Garantias de Segurança, face ao agravamento do contexto sócio-político com os vários assassinatos ocorridos nos últimos dias, refere a Prensa Latina.
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