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O negócio do lítio e a defesa do interior

De estratagema em estratagema, o negócio do lítio assume contornos e faz uso de instrumentos que visam explorar e alimentar um certo tipo de crescimento, com pouca consideração pelas necessidades ambientais e sociais.

Serra da Argemela, freguesia de Barco, Fundão.
CréditosDiamantino Gonçalves

A extração de lítio em Portugal é uma matéria controversa. Há aqueles que são adeptos entusiastas, vendo neste recurso todas as vantagens de um grande negócio e até de futuro para as regiões do interior do país. Depois, há outros que nem querem ouvir falar das minas a céu aberto e de todos os impactos ambientais associados à sua extração. Entre uns e outros, há os que não excluem a sua exploração, desde que a mesma seja suportada em estudos de impacto ambientais sérios e rigorosos. Mas, se a discussão se aprofundar talvez se revelem outros argumentos que ajudem a definir posicionamentos mais sustentados.

É consensual que a utilização do lítio tem impactos positivos na diminuição das emissões de CO2. E, que sendo Portugal um dos países europeus mais ricos neste recurso, não deve deixar de conhecer o seu valor e de estudar a sua viabilidade económica. É mais do que legitimo que um país faça uso dos seus recursos para criar riqueza. Só que esse objetivo tem de ser articulado com muitos outros, no quadro de uma verdadeira análise custo-benefício.

Também é sabido que Portugal tem um número significativo de ocorrências de lítio, mas como são compostos naturais, e não carbonatos de lítio, necessitam de ser transformados para virem a ser utilizados pela indústria. Desta forma, o valor efetivo do lítio em Portugal é muito mais baixo do aquele que se extrai a céu aberto dos salares, como acontece no Chile, Bolívia e Argentina. Em termos comparativos os custos de extração são na proporção de 5:2, com evidente vantagem para a América Latina.

Decorrente da natureza da ocorrência de lítio em Portugal são necessários avultados investimentos e disponibilidade de tecnologia que tornem a sua exploração viável, o que tem impacto na balança comercial do país e implica a existência de grandes filões e longos prazos de exploração. Em contrapartida, o salar de Uyuni, na Bolívia, ainda por explorar, é o maior depósito do mundo e os custos estimados de extração são comparativamente baixos: 12 mil Km2 e 100 milhões de toneladas de lítio. Perante esta realidade, a posição de Portugal neste negócio global é frágil e muito incerta.

Face a uma crescente procura e sem conhecimento rigoroso das jazidas existentes, o governo português tem procurado um lugar no negócio do lítio. No Relatório do Lítio propõe a criação de um cluster de empresas, universidades e laboratórios do Estado, com financiamento público e comunitário, para valorizar os seus minerais até à fase metalúrgica. Porém, esta intervenção facilitadora do Estado, sem participação direta na prospeção e exploração, abre o caminho às grandes companhias mineiras que controlam o mercado global.

De acordo com dois relatórios internacionais a oferta mundial12 concentra-se (92%) em 4 países (Chile 38%, Austrália 31%, Argentina 13% e China 10%) e em quatro empresas (Talison 35%, SQM 26%, Rockwood 12% e FMC 7%). O resultado é explicitado nos seguintes termos:

«Ao mercado global do lítio falta transparência. Esta é a razão porque os produtores de baterias e acumuladores como a Panasonic e os principais fabricantes de carros elétricos, sobretudo a Tesla Motors, estão procurando contratos a longo prazo com companhias relativamente pequenas, cuja produção não estará no mercado antes de 2020. Assim, com esta produção em regime de oligopólio, o lítio não é atualmente negociado no mercado e os preços reais de negociação são estritamente confidenciais».

Afinal, a geoestratégia global do lítio encontra-se em plena fase de acumulação e concentração de capital, ratificado pelas aquisições, fusões e joint ventures de diversas empresas do ramo. E, parece que Portugal está orientado para seguir esse exemplo. Como já ouvi dizer: «é evidente um movimento concertado para convencer a Tesla, um dos principais fabricantes de veículos elétricos, a instalar a sua próxima fábrica europeia em Portugal: o sol, já se sabe, abunda para as suas instalações solares, e o lítio compunha o ramalhete». Acontece que em junho de 2018 Elon Musk, CEO da Tesla, deu a conhecer que estava mais inclinado para a Alemanha como local para a sua «gigafábrica»…

Que o negócio do lítio anda a par dos grandes interesses da indústria da mobilidade elétrica é uma evidência. Daí que a curto e médio prazo, a exploração e o processamento do lítio possam ser reféns do facto de as baterias de íon-lítio continuarem a ser a tecnologia líder de armazenamento de energia para automóveis, smartphones e outros dispositivos móveis. Porém, há quem avise que o armazenamento de energia para veículos elétricos é uma tecnologia que precisa de evoluir, sendo até possível que surjam tecnologias mais eficientes, ou com melhor relação custo-benefício, do que aquela que se baseia no lítio.

E, se assim for?

As prospeções continuarão, os estudos de impacto ambiental, encomendados pelos próprios interessados, serão enviesadas, o cluster industrial não se criará, o mineral será arrancado à terra por meia-dúzia de trabalhadores e pesadas máquinas, os inertes ficarão, a serra ficará de ventre aberto e o anunciado turismo uma triste miragem.

Talvez haja quem julgue que o se acabou de afirmar seja alarmista e contrário aos interesses do desenvolvimento, designadamente das regiões desertificadas do interior do pais. Mas se atentarmos ao caso da Argemela (Covilhã-Fundão) a conclusão será outra.


Já é muito velho o conhecimento da existência de jazidas de minério, bem como da sua exploração na Serra da Argemela. Porém, bastará recuar aos anos de 2011 para aí assinalar a primeira concessão de uma exploração mineira. Esventrada a serra e parcialmente destruído o castro, em 2017 tivemos conhecimento de um novo pedido de atribuição de concessão. Resumidamente, do que se tratava era de uma mina a céu aberto: 45,2 hectares; Deposição de rejeitados: 20,46 hectares: Lavaria: 7,69 hectares: Escombreira (Este): 38,57 hectares: Escombreira (Oeste): 30,5 hectares: Escombreira (Sudoeste): 75,69 hectares e outras áreas (acessos à exploração e outros): 185,61 hectares sendo o total: 403,71 hectares.

Porém, face à reação e luta das populações locais, os deputados da república não puderam ficar indiferentes e o governo foi obrigado a garantir que ouviria as autarquias locais, antes de tomar uma decisão. Em Março de 2018, a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, uma recomendação ao Governo para que suspenda o processo para a celebração de contrato de exploração mineira na Serra de Argemela (Castelo Branco), antes de avaliados todos os impactos.

Reagindo à contrariedade pública a reação da empresa não se fez esperar: um novo pedido de exploração mineira referente a uma área mais reduzida (7,8 hectares) que curiosamente não implica a realização prévia de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

De estratagema em estratagema, o negócio do lítio assume contornos e faz uso de instrumentos que visam explorar e alimentar um certo tipo de crescimento, com pouca consideração pelas necessidades ambientais e sociais. Embrulhado numa grande falta de transparência, sem que as populações implicadas tenho direito de acesso e conhecimento dos dossiers completos dos pedidos de licenciamento, o «segredo do negócio» ampara a promessa de um el dorado. E, nós, aqui perdidos no nosso interior temos de continuar a resistir para não sermos os vencidos, dos velhos padrões da exploração capitalista dos recursos naturais e da divisão internacional do trabalho.

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