Numa acção de campanha, ontem, na Marinha Grande, Catarina Martins anunciou-se «absolutamente chocada com o silêncio das autarquias durante anos e anos enquanto as suas populações viam ser degradados os serviços que lhes dão apoio». Uma afirmação forte numa campanha para as eleições que vão eleger os representantes do povo no Poder Local e, simultaneamente, um ataque aos próprios órgãos autárquicos eleitos nas últimas quatro décadas.
Apesar da investida da dirigente de um partido com uma presença residual autárquica – com algumas posições em minoria, não preside a qualquer junta de freguesia ou câmara municipal –, a realidade local desmente a investida sobre uma das conquistas de Abril, o Poder Local Democrático.
«Esse silêncio foi um silêncio cúmplice da destruição dos serviços públicos e é também para mudar este estado de coisas que o BE se apresenta às eleições autárquicas», disse, ontem, Catarina Martins. No entanto, no concelho de Mora (onde o BE não apresenta qualquer lista, como já sucedeu há quatro anos), a Câmara Municipal, em conjunto com os pais, anunciou para sexta-feira um protesto contra o encerramento de uma sala com 20 alunos na Escola Básica de Pavia.
Os eleitos autárquicos, as lutas das populações e a participação do BE
Os exemplos de lutas das populações, com o apoio dos seus eleitos autárquicos, não se esgotam no exemplo de Pavia. Nem mesmo aqueles que sucedem onde o BE não tem eleitos nem apresenta listas. Apenas no distrito de Évora, há casos em Malarranha e Brotas (concelho de Mora), Silveiras (Montemor-o-Novo) e Bombel (Vendas Novas). Em São Pedro da Gafanhoeira (freguesia de Arraiolos), apesar de este ano o BE apresentar listas aos órgãos municipais, a luta contra o encerramento da escola fez-se sem que o partido tivesse algum eleito. Na verdade, no concelho de Arraiolos, não apresentou qualquer lista a qualquer dos sete órgãos autárquicos nas eleições de 2013.
Subindo no mapa até Peniche (onde o BE nunca teve qualquer eleito e este ano se apresenta à boleia do «Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche»), desde 2007 que a Câmara Municipal vem tomando posições públicas contra o encerramento do hospital local. No entanto, a intervenção da autarquia penichense não se esgotou em tomadas de posição e, só no actual mandato, há registo de, pelo menos, duas acções de protesto: a entrega de uma carta aberta no Ministério da Saúde, em Julho de 2014; uma «Marcha de indignação em defesa dos serviços públicos de Saúde» do concelho, em Junho de 2015.
De Almeida a Santiago do Cacém
Aquando do anúncio de encerramento de balcões da Caixa Geral de Depósitos, já neste ano, os eleitos em várias autarquias tomaram partido contra a imposição da administração do banco público. Há exemplos nas freguesias de Almeida (distrito da Guarda) e do Sado (distrito de Setúbal), onde o BE não tem qualquer eleito, ou da Sobreda (concelho de Almada) e do Lavradio (concelho do Barreiro), onde o BE tem um eleito entre 19 e 13, respectivamente.
Também o encerramento de tribunais contou com a oposição pública dos eleitos locais. Nos concelhos do Barreiro (onde o BE não tem qualquer vereador eleito) e da Moita (onde tem um em nove), as autarquias colocaram-se ao lado das ordens dos advogados locais em protesto.
No plano da mobilidade, as autarquias de Alcácer do Sal, Grândola e Santiago do Cacém (onde o BE tem três em 236 eleitos) assumiram a participação em marchas lentas e concentrações pela requalificação do IC1, que atravessa aqueles concelhos.
Nem todos são iguais
Desde a génese do Poder Local Democrático, há inúmeros exemplos de lutas das populações em que participaram eleitos autárquicos e em que a acção dos órgãos municipais e das freguesias foram determinantes na manutenção e reforço dos serviços públicos dependentes do Poder Central. É certo que essa realidade tem uma distribuição desigual no território nacional, particularmente marcada pela composição das respectivas autarquias.
As opções políticas dos governos dos últimos 40 anos e os seus protagonistas não são separáveis. A intervenção dos eleitos locais na defesa dos serviços públicos e a sua filiação partidária também não se podem desligar das assimetrias no que toca à sua participação nas lutas das populações que os elegeram.
As generalizações são arriscadas e quase nunca acertam. A frase fácil da líder do BE, procurando atingir todos por igual e o Poder Local enquanto espaço de democracia, não só esbarra na realidade como é inaceitável e incompreensível à luz da história de intervenção de milhares de homens e mulheres nas autarquias locais.
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