A afirmação é do deputado Bruno Dias, que integra a Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão da TAP (CPI), durante uma conferência de imprensa sobre o processo que levou à criação da CPI, considerando que «já foram apurados factos substanciais: a indemnização paga a Alexandra Reis é ilegal e vai ter de ser devolvida»; quem a pagou foram os presidentes do Conselho de Administração e da Comissão Executiva, ambos demitidos; quem a autorizou foram o ministro Pedro Nuno dos Santos e o seu secretário de Estado, que se demitiram.
Enquanto uns caçam Galambas e outros continuam a caçar a TAP, a verdade sobre o criminoso processo de ataque à companhia aérea vai jorrando da comissão de inquérito perante a quase indiferença mediática. Como já foi alertado, o centro do debate mediático sobre a TAP nunca é a TAP. Esta sexta-feira, o debate centrou-se nas notas que terão sido tiradas numa reunião, que o ministro das Infraestruturas garante não existirem e o adjunto despedido jura terem sido tiradas. Assim, enquanto uns caçam Galambas e outros continuam a caçar a TAP e a enterrar uma grande companhia nacional, a verdade sobre o criminoso processo de ataque à TAP vai jorrando da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP perante a quase indiferença mediática. O facto mais grave ocorrido nos dois últimos dias passou praticamente sem críticas ou mesmo registo. É que, na quinta-feira, o Governo anunciou o início do quarto processo de privatização da TAP, depois de os três primeiros lhe terem provocado mais de mil milhões de euros de prejuízo. Particularmente o primeiro, a venda à Swissair, que faliu antes de concretizar a compra, e o último, a venda a David Neeleman, cuja dimensão do estrago se vai conhecendo melhor com a actual CPI. No mesmo dia, continuaram as audições às organizações dos trabalhadores, que «enterraram» completamente o processo de reestruturação, imposto pela Comissão Europeia, ilustrando com casos concretos: os cortes no número de trabalhadores destruíram a capacidade de retoma da operação da TAP; os cortes salariais que, além de prejudicarem a vida dos trabalhadores que os sofrem, afastam todos os dias trabalhadores especializados da TAP, que encontram noutras empresas – particularmente no estrangeiro – melhores remunerações e condições de trabalho; o encerramento do infantário cria um problema aos trabalhadores com crianças menores, particularmente àqueles que entram nos primeiros horários (5h, 6h) e àqueles que saem nos últimos turnos; o recurso sistemático a aviões com tripulações que não falam português prejudica a companhia. Tudo isto, imposto pela Comissão Europeia, aceite pelo Governo português e ferreamente implementado pelas administrações. Aliás, não exactamente tudo. Os cortes salariais terão sido uma opção do Governo português. Pelo menos é isso que transparece de um documento da Comissão Europeia entregue à CPI pelo Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC). O que é impressionante é a capacidade de a Comissão Europeia ter percebido que a pandemia lhe criara a oportunidade de conseguir, pelos mais ínvios caminhos, concretizar o seu projecto de mais de 20 anos: integrar a TAP num dos três grupos monopolistas que «devem» restar na Europa (Lufthansa, Air France/KLM ou British/Ibéria). Contando, como sempre, com a subserviência do Governo e da oposição neoliberal. A audição da Comissão de Trabalhadores serviu ainda para lembrar uma outra realidade; que existem leis de primeira e de segunda. É que, como lembrou o deputado Bruno Dias, as comissões de trabalhadores têm o direito de participar nos processos de reestruturação, de conhecer as propostas e dar opinião sobre elas. Está na lei. Mas nada disso aconteceu na reestruturação da TAP. Foram entregues documentos truncados à margem da lei. Foram negadas informações ao abrigo de um segredo que pode ser exigido (se justificado) mas não pode servir de desculpa para negar informação. E esse tipo de ilegalidades contribui para tornar opaca a gestão – seja nas empresas públicas seja nas empresas privadas. O problema está no retrocesso democrático da gestão das empresas (e não apenas das públicas). É esse retrocesso democrático que alimenta a corrupção, o nepotismo, e todas as formas de abuso. Entretanto, habituados a fazer o mal e a caramunha, os partidos que apoiaram a privatização da ANA, que permitiram que esta cancelasse a construção do Novo Aeroporto de Lisboa, há oito anos que apoiaram a liberalização do handling, que aceitaram o direito de a Comissão Europeia impor uma reestruturação à TAP e despedir dois mil trabalhadores que fazem falta – o PS e o PSD quando no poder, mas com o apoio ideológico da IL – falam agora do perigo de um Verão caótico no Aeroporto de Lisboa. Que seguramente o será. Mas porque as privatizações e o neoliberalismo andam a enterrar este país. Enquanto se discute se numa determinada reunião se tomaram notas e se há direito de exigir vê-las, ou de escondê-las ou de mentir sobre a sua existência. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
TAP. Enquanto se caçam notas, uma grande empresa nacional é destruída
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Na perspectiva do deputado comunista, o facto de já terem sido apurados factos substanciais talvez seja a razão para «o foco do tratamento mediático da CPI ter-se deslocado para questões laterais, muitas vezes empoladas, contribuindo em larga medida, não apenas para desvalorizar a TAP e atacar a existência de empresas públicas, mas também para corroer as instituições e o regime democrático», num ambiente tóxico em que o PCP afirma não se rever.
Os comunistas consideram importante falar da TAP, considerando a sua importância para a economia nacional, não para a vender «depressa e a qualquer preço», mas para a defender e desenvolver, quer «dos ataques aos salários e aos direitos dos trabalhadores», quer «trabalhando em conjunto com mais de 1000 empresas portuguesas que para ela vendem serviços, transportando – como mais nenhuma outra companhia – passageiros para Portugal, ou entre o Brasil e a Europa». Aliás, Bruno Dias sublinha que «os dados enviados pela Segurança Social, que demonstram que a TAP entregou, nos últimos 10 anos, 1400 milhões de euros à Segurança Social, enquanto no mesmo período, a Ryanair apenas entregou 41 milhões, ilustram bem o quão diferente é termos uma empresa portuguesa a operar ou comprarmos os mesmos serviços a uma multinacional. Uma diferença que também se verifica no IRS pago».
A CPI, segundo Bruno Dias, já permitiu retirar importantes conclusões sobre o processo de privatização de 2015, nomeadamente que David Neeleman comprou a TAP com dinheiro da própria empresa e com a cumplicidade do então governo PSD/CDS, e que o processo de reestruturação foi imposto pela UE e pelo Governo PS como antecâmara da privatização.
Apesar de BE e PS terem impedido (cada vez se percebe menos porquê) de levar a Comissão de Inquérito à TAP até à privatização de 2015, os trabalhos têm contribuído decisivamente para se perceber os contornos desse negócio. Sem uma bola de cristal, não é possível provar intenções. Nunca saberemos se Pires de Lima e Sérgio Monteiro foram enganados por Neeleman ou cúmplices da sua fraude. Eles preferem fingir acreditar que enganaram o empresário americano que ganhou milhões com a operação TAP. Também não é possível provar o que teria acontecido se não se tivesse declarado uma pandemia. Nunca saberemos se o plano de Neeleman era simplesmente inchar a sua operação, retirar tudo o que pudesse e depois desaparecer, ou se a teria levado até uma operação bolsista. O que sabemos é que a estratégia – de alto risco para a TAP e zero risco para ele – adoptada pelo empresário americano tropeça na Covid e arrasta a TAP para o precipício. E que, no final, Neeleman e as suas empresas ganharam muitos milhões com a operação TAP e deixaram-na com um buraco de mais mil milhões de euros do que o que existia antes da sua chegada, para nós pagarmos. No mundo capitalista, um investidor nunca arrisca mais que os capitais que coloca numa determinada empresa. Ora, David Neeleman não colocou qualquer capital na TAP. Ele viu a oportunidade de tomar o controlo da empresa através de um mecanismo muito simples: Negociou com a Airbus a compra de 53 aviões (uma compra de cerca de 3,6 mil milhões de euros) e recebeu desta uma comissão antecipada de 230 milhões de euros; Com esses 230 milhões ele comprou a TAP (que foi vendida por 10 milhões) e usa o resto para fazer a capitalização com prestações acessórias (que mais à frente ainda lhe garantiriam o controlo total e efectivo da empresa, sem ter que simular uma sociedade com Humberto Pedrosa); Ele transfere para a TAP a obrigação de compra dos 53 aviões, aceitando esta pagar uma multa de 230 milhões se não comprasse os aviões (no fundo, assegurando a devolução da comissão recebida por Neeleman se a TAP não comprasse todos ou parte dos aviões). Foi este o negócio que o governo PSD/CDS fez, foi este o negócio que esconderam do povo português. Em bom português, é com dinheiros da TAP, que a empresa está hoje a pagar, com dinheiros que tiveram que ser financiados pelo Estado português, que David Neeleman compra a TAP. O risco patrimonial do «empresário» foi zero. Tomado o controlo da companhia, David Neeleman aproveita para concretizar um conjunto de outras operações que lhe irão trazer uma grande vantagem patrimonial. Três delas decorrem ainda durante a própria operação de compra com a Airbus, onde é fácil identificar os custos para a TAP. A primeira é a desistência da opção de compra dos 10 A350, que a TAP tinha assegurado a um bom preço por ter participado no processo de desenvolvimento do mesmo. Essa desistência da opção de compra está avaliada em 140 milhões, e implicou o abandono de uma linha de crescimento da operação – para a Ásia, nomeadamente para a China – que estava por detrás da compra desse tipo de aviões. Esta abrupta mudança de planos fica ainda mais estranha se pensarmos que o administrador da TAP que planeou a compra dos A350 (Fernando Pinto) foi o mesmo que foi contratado pela administração privada como consultor, com uma remuneração de 130 mil euros mensais. A segundo será o preço dos aviões que Neeleman negociou, que vários avalistas consideram estar inflacionado, com potenciais perdas para a TAP de 200 milhões. O que pode significar que a TAP, comprando ou não os aviões, devolveria sempre a comissão que a Airbus entregou a David Neeleman. Há ainda uma terceira vertente deste processo, ainda mais difícil de provar sem uma investigação criminal internacional: na mesma altura, Neeleman terá negociado outras aquisições de aviões com a Airbus para empresas de que é ainda hoje proprietário. Durante os quatro anos de gestão privada, a TAP vai ter com a Azul (de David Neeleman) uma relação subserviente e onde é prejudicada. Vai pagar à Azul para utilizar os seus ATR na ponte aérea, o que rentabilizou uma parte da frota da Azul que não era rentável, mas fez a TAP «optar» por uma má solução, cara e pouco fiável. Vai libertar o aeroporto de Campinas (São Paulo) para que a Azul faça o seu hub de ligação a Portugal, e ainda vai fazer uma operação de code-share para facilitar a difusão destes passageiros pela Europa, colocando em risco a mais rentável das operações TAP, a ligação ao Brasil, em favor do crescimento da Azul nesse mesmo mercado. Vai receber dois aviões muito degradados da Azul, recuperá-los como se fossem seus, e devolvê-los à Azul, uma operação com um custo de largos milhões de euros. A forma como os administradores privados vão ser remunerados no período de gestão privada é outro elemento que nos mostra os privados a irem ao pote. Além dos 130 mil por mês a Fernando Pinto, temos os milhões pagos a Max Urbanh e a Antonoaldo Neves, e os prémios pagos mesmo com prejuízos anuais superiores a 100 milhões. Com a entrada de Neeleman na companhia, a TAP é colocada a inchar. Desde logo porque tal é fundamental para absorver e justificar a compra dos 53 novos aviões. É certamente discutível qual a intenção com que esse crescimento foi feito, mas é indiscutível, agora que se conhece o mecanismo de compra da empresa, que esse crescimento era necessário, antes de mais nada, para que Neeleman pudesse ter comprado a TAP. Reconheça-se que os novos aviões trazem vantagens competitivas importantes à TAP. Gastam menos combustível e são mais ecológicos. Aumentaram a dívida e os compromissos da companhia, mas desde que o crescimento da operação continuasse, não era impossível que a operação se equilibrasse e começasse a dar lucros. E há elementos, apurados pela CPI, que fazem crer que pelo menos alguns dos envolvidos acreditavam nesse cenário (por exemplo, Fernando Pinto recebia um conjunto de opções de compra de acções da TAP numa futura capitalização em bolsa que nessa altura valeriam 7 milhões de euros). Não faz sentido receber, num contrato secreto, opções de compra, se não se acredita que a empresa vai ser colocada em bolsa. É verdade que os esquemas de Ponzi também funcionam assim (só sobrevivem enquanto se cresce). É verdade que os dois últimos anos de gestão privada pré-pandemia, foram o período de maiores prejuízos da história da TAP (mais de 300 milhões de Euros). É pois lícito especular que o plano de alguns sempre foi tirar o máximo possível e depois afastar-se com os ganhos. Mas, admitamos que não era esse. Nesse caso, o crescimento acelerado (o maior do mundo naquele período) era só um risco calculado, um risco para a TAP, claro, dado que David Neeleman nada arriscava. Se corresse bem, traria lucros de centenas de milhões a David Neeleman (cerca de 400 milhões), se corresse mal, adeus TAP. Mas o que é que podia correr mal? E depois veio o Covid. Importa pouco ter a certeza se a pandemia interrompeu um esquema de Ponzi ou uma arriscada jogada do empresário norte-americano. O que é seguro é que a TAP é mais severamente atingida pela pandemia devido às opções impostas por David Neeleman, desde o processo de compra até aos 4 anos de gestão privada da companhia. Tendo arriscado zero em todo este processo, David Neeleman está inicialmente disponível para receber (não ele, para não ficar com quaisquer responsabilidades individuais, mas a TAP) todo o tipo de apoios do Estado. Mas recusa-se a capitalizar a TAP. Estamos perante o investidor moderno, que só aceita investir o dinheiro dos outros. Quando o Governo PS exige que parte do apoio público implique capitalização, David Neeleman começa a preparar a saída. Vai negociar a sua saída por uma indemnização de 55 milhões de euros. Um maná, para quem nada de seu colocou na TAP, conseguido quando o valor financeiro da empresa era de zero. E que se foi juntar a tudo o que já tinha sido retirado. Perante este cenário, o deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, já defendeu por diversas vezes na Comissão Parlamentar de Inquérito que a solução seria emprestar o capital necessário à TAP (os 3,2 mil milhões de euros), continuando David Neeleman com o controlo efectivo da empresa. Que fácil é ser capitalista no mundo destes alucinados. Um mundo onde salvar uma grande e estratégica empresa pública é um crime, mas onde existe sempre disponibilidade para enviar dinheiro às pazadas para o bolso de capitalistas e especuladores. Ora, a conclusão que salta à vista é outra: a TAP não pode continuar a ser sangrada por este tipo de gente, não pode continuar a pagar os lucros que outros fazem com a TAP. É tempo de deixar de ter como única prioridade de gestão da TAP a sua privatização, a quarta tentativa neste caso. É tempo de uma gestão pública capaz e orientada para a defesa do interesse nacional. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
TAP. O negócio Neeleman de 2015
Risco Zero: os capitais usados são da própria TAP
Ao assalto da TAP
A TAP a inchar
A pandemia
Concluindo
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Isto é, «a TAP está a ser sobrecapitalizada para permitir que o futuro comprador privado a possa adquirir a preço de saldo. Dos muito badalados 3,2 mil milhões de euros de apoios públicos disponibilizados, 640,5 milhões são para compensar das perdas provocadas pela pandemia. E o restante, cerca de 1,5 mil milhões de euros, para tapar dois buracos: o da Manutenção Brasil e o que foi aberto por quatro anos de gestão privada. Sobram cerca de 1000 milhões de euros que servem de especial atrativo para queira comprar a companhia».
Por outro lado, «os trabalhos da CPI também já mostraram que um dos problemas da TAP é ter sido gerida – mesmo quando era uma empresa pública – como se fosse uma empresa privada», considerando não só que os salários, os prémios e as indemnizações aos gestores são incompatíveis com o Regime Jurídico do Sector Público, «mas também pela forma como se substitui o saber acumulado pela criação de oportunidades de negócio para escritórios de advogados e grandes multinacionais de consultoria que ganharam milhões à conta da TAP».
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