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A CP não vai a Espanha, mas quer operar em Espanha?

O campeonato do disparate começou com o ministro Pinto Luz e as atoardas a que nos vai habituando: «Para nós há algo que é óbvio: se a RENFE se prepara para operar em Portugal, a CP também tem de se preparar para operar em Espanha. É assim num mercado aberto, é assim numa CP com ambição

CréditosAntónio Pedro Santos / Agência Lusa

Foi com tiradas deste género que sucessivos governos destruíram o aparelho produtivo nacional e o colocaram nas mãos das multinacionais. Foi assim com a Sorefame, que ia vender comboios no mundo inteiro até ser encerrada pela multinacional que a comprou e que continua a vender comboios no mundo inteiro incluindo em Portugal; foi assim com a PT, que ia fazer a operação do Brasil e acabou francesa e à venda; foi assim com os bancos, que acabaram todos sem excepção com nomes portugueses e capital estrangeiro, com as cimenteiras, com a EDP, etc. Porque, no tal mercado aberto, Portugal não tem escala e o resto é, literalmente, conversa. Desde o século XIX se sabe que a concorrência conduz ao monopólio, e que essa concorrência nunca se realiza em condições de igualdade. A imposição da liberalização é a forma soft que o grande capital tem usado na União Europeia (UE) para se apropriar de sectores inteiros, os concentrar e centralizar.

Olhemos para a CP. Neste momento não tem comboios suficientes nem para operar em Portugal. Deixou mesmo de realizar serviços internacionais que funcionaram durante anos a fio.

«Foi com tiradas deste género que sucessivos governos destruíram o aparelho produtivo nacional e o colocaram nas mãos das multinacionais.»

Tudo por responsabilidade dos sucessivos governos e a sua submissão às directivas vindas da UE. Em vez de declarações sonoras, o que o Governo tinha de fazer é muito simples: desbloquear os concursos públicos de material circulante decretando o interesse público dos mesmos e iniciando imediatamente a construção dos comboios necessários à CP; permitir à CP a aquisição urgente do material circulante para a Alta Velocidade, única forma de esta estar equipada quando a Linha começar a operar; apoiar a CP no restabelecimento das ligações ferroviárias nocturnas a Madrid e a Hendaya (nomeadamente no plano diplomático pois a parte espanhola não tem revelado interesse em contribuir para retirar Portugal do isolamento ferroviário em que se encontra); criar as condições para que a operação diurna Lisboa-Madrid em Alta Velocidade se inicie assim que a conclusão das obras de modernização da rede o permitam, e que seja uma operação conjunta CP-Renfe.

Mas o que faz o Governo? Para os eleitores, multiplica as promessas, sempre amplificadas pela comunicação social dominada. Quando, na realidade, aperta o cerco à CP, nomeadamente financeiramente, como está a acontecer com o novo passe: o Governo anunciou o passe, impôs o mesmo à CP, desorganizando-lhe completamente a política comercial (única empresa do mundo onde o passe mensal passou a ser mais barato que um bilhete) e sem lhe assegurar minimamente que seria ressarcida das verbas perdidas, pelo contrário, colocando um tecto máximo rídiculo; ou seja, continua o duplo tratamento, se se trata de uma empresa privada, o Estado garante tudo, paga tudo, assegura tudo, e se houver um azar ainda lhes oferece a hipótese de irem a um Tribunal Arbitral buscar uma compensação para o «equilíbrio financeiro», se se tratar de uma empresa pública, o Estado passa para a empresa o custo das suas decisões, obriga-a a endividar-se, atrasa-lhe o investimento com uma verdadeira sabotagem burocrática, dificulta-lhe a contratação de pessoal.

«O Governo anunciou o passe, impôs o mesmo à CP, desorganizando-lhe completamente a política comercial (única empresa do mundo onde o passe mensal passou a ser mais barato que um bilhete) e sem lhe assegurar minimamente que seria ressarcida das verbas perdidas, pelo contrário, colocando um tecto máximo rídiculo»

E em vez de proteger o mercado nacional da concorrência desleal que a liberalização vai trazer, o Governo assume a inevitabilidade da entrada em Portugal dessa concorrência desleal e responde com uma bravata, como se o Governo, que não apoia a CP para comprar os comboios necessários para operar em Portugal, fosse apoiar a CP para comprar comboios para operar em Espanha, em concorrência com a Renfe. Com a Renfe, que recebe milhares de milhões de euros de apoios públicos. 

E não se trata de um problema de falta de ambição. Trata-se de não nos deixarmos enganar por um discurso falso que levará à destruição de mais uma empresa nacional, e à entrega às multinacionais de mais um sector estratégico. De não nos deixarmos enganar por governantes herdeiros de uma rica tradição em Portugal, inaugurada por todos aqueles portugueses que no século XIV o povo português derrotou em Aljubarrota.

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