Francisco relançou um acutilante repto à Europa: será que ainda será capaz de «trazer, para o cenário internacional, a sua originalidade específica»? Terá a Europa mestria para fazer com que, do crisol dos conflitos mundiais, «faça saltar a centelha da reconciliação, tornando verdadeiro o sonho de se construir o amanhã juntamente com o inimigo de ontem»?
Haverá lugar nas Jornadas para a numerosa multidão de jovens vítimas da exploração? Ou esta Jornada Mundial da Juventude passará ao lado de tão profundas crises? Nos próximos dias acontece em Lisboa a Jornada Mundial da Juventude num quadro de profundas crises: da crise estrutural do capitalismo; numa aguda crise migratória, com massiva expressão também na Europa; de crise do ethos da sociedade, onde emergem novas modalidades de domínio, opressão ou violência entre os povos; de crise da cultura da paz, quando os atuais senhorios procuram ditar a lógica guerreira e da inevitabilidade da matança, como se não houvesse alternativa; num contexto de crise ética nas sociedades, de relativismo dos valores éticos e de vulnerabilidade moral, que afeta superiormente a credibilidade da Igreja Católica; no âmbito da crise das democracias e numa intensa crise da centralidade do interesse público e do poder transformador das políticas públicas; no andamento da crise climática, num novo processo de crise da justiça social e ambiental, em dias de ansiedade na busca de soluções para o planeta; quando se discute a mercantilização da vida e a defesa dos bens comuns; quando é tão ardilosa a comunicabilidade, o acolhimento do outro, e é extremamente complexa a reflexão sobre como os códigos simbólicos podem nos aproximar do outro, do diferente de mim, de nós, da vivência e de uma aprendizagem da alteridade; no quadro de uma funda crise da esperança, em face do absurdo de múltiplas situações da história, no meio de tantos medos, com a brutal cultura do medo que se propagandeia, entre tanta fragilidade, miséria e desolação, que espaço poderá haver, sobretudo entre a juventude, para referenciais de confiança dirigida ao futuro? «Em face do crescimento da pobreza e das desigualdades, com o alastrar de novas formas de precariedade no trabalho, ante os profundos bloqueios no acesso a direitos fundamentais, como o da habitação, onde se fortalecerá uma radical confiança?» Esta é a primeira Jornada Mundial da Juventude vivida depois da pandemia do COVID-19, num tempo de desconfianças e de cisão, em que mais dificilmente brota a possibilidade do mútuo entendimento, num contexto em que a guerra se prolonga na Europa, no conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Depois de um tempo de incertezas e de exacerbação de uma cultura de medos exponencialmente agudizados pela pandemia, como poderá ser dita a esperança? Que espaço haverá para que possa ser afirmada a esperança? Num quadro de agravamento da escalada da guerra, no meio dos perigos extremos de uma nova guerra mundial ou de elevada ameaça de recurso a armas de grande poder de extermínio, ante as incertezas quanto ao futuro, será possível uma rutura que dê lugar à reconciliação e à paz? Quando vão medrando processos de afirmação dos projetos populistas e com o agigantar de partidos de extrema direita em diversos países, de que modo as razões da esperança poderão contribuir para uma nova morfologia do mundo? Em face do crescimento da pobreza e das desigualdades, com o alastrar de novas formas de precariedade no trabalho, ante os profundos bloqueios no acesso a direitos fundamentais, como o da habitação, onde se fortalecerá uma radical confiança? De que forma estarão presentes nesta Jornada estas, como outras, questões de fundo que nos inquietam e que condicionam a vida de tantas camadas da juventude? De que forma estarão ali presentes os jovens das ultraperiferias sociais? Especialmente aqueles que são forçados a migrar. Também os que sofrem as consequências da delinquência, das toxicodependências, da falta de recursos, das variadas e brutais formas de violência? Haverá lugar nas Jornadas para a numerosa multidão de jovens vítimas da exploração? Ou esta Jornada Mundial da Juventude passará ao lado de tão profundas crises? Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Jornada Mundial da Juventude à margem das crises?
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Conseguirá ainda ou não a Europa «uma diplomacia da paz que extinga os conflitos e acalme as tensões»?
O Papa Francisco requereu respostas que os governantes de cada um dos países da União Europa são agora impelidos a dar ao mundo: «Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?». Estarão disponíveis os governantes, aqueles que escutaram o Papa, para a edificação dessa Europa, de «uma Europa que inclua povos e pessoas, sem correr atrás de teorias e colonizações ideológicas»? Consideram os governantes que a União Europeia «tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos»?
Em lugar da palavra que apavora, em contraposição aos alarmismos, o Papa Francisco desenhou a exigência das perguntas. Onde fedem as pestilências da cultura da morte, escavou uma saída. Até onde chega a noite, lançou um fio de esperança. Ante a terra devastada, projetou um movimento de vida, uma espécie de caudal. Apontou os conflitos que desfiguram o mundo e fez ecoar súplicas e um clamor de paz, como se fosse uma exigência, uma urgência para o agir.
Os radares assinalam na Europa vozes alucinadas, de intolerâncias. Sentimos o perigo, o frio, o declive, a cegueira em nossas ruas, «o declínio da vontade de viver». Na desordem das injustiças e na solidão sem causa, no caminho às cegas, o vento interroga os monólogos sobre o futuro. Francisco abre fendas nas cidades cheias de medo, de desesperança. Propõe uma União Europeia a salvo dos especuladores, a Europa salva-vidas, capaz de abrigar, mestra no acolher, lugar de amparo e de ousadas formas de tecer laços de humanismo, e na arte de persuadir o mundo para a paz.
O Papa Francisco protagoniza uma outra Europa capaz de ser a portadora do azimute para «rotas corajosas para a paz», não só «para extinguir focos de guerra», mas com o papel «construtor de pontes e de pacificador». Neste sentido usa o seu engenho para «acender luzes de esperança».
É a utopia de Francisco?
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