O Decreto-Lei n.º 55/2018 é, sem dúvida, tendo em conta as bases que deram suporte à sua concepção, um documento importante. Potencialmente será uma aplicação adequada dos princípios mais generosos da Lei de Bases do Sistema Educativo, no que à autonomia das escolas e da gestão do currículo diz respeito.
Contudo, é errado pensar-se que bastaria às escolas e às equipas educativas (que não existem, de facto) passar gerir autonomamente o currículo para que se ultrapassem as inadequações do sistema educativo.
Questionados sobre o melhor e o pior da experiência que decorreu no ano lectivo que agora finda, os professores não deixam margem para dúvidas. O melhor é o reforço do desenvolvimento de competências fundamentais para as aprendizagens dos alunos; maior preocupação com as aprendizagens, em resultado, certamente, da adopção de práticas colaborativas que cruzam informação e permitem reforçá-las em determinadas áreas e em relação a cada um dos alunos; a centralidade dos alunos, objecto de maior atenção das equipas que unem esforços para a obtenção de melhores resultados. Já o pior do modelo, que o diploma publicado, de certa forma, corrige, mantém, no entanto, toda a indefinição sobre o que o governo pretenderá fazer relativamente à falta de condições de trabalho nas escolas.
Por norma, as pessoas tendem a incorrer no erro de que quando se fala de falta de condições de trabalho para professores e alunos estaremos a falar de edifícios antiquados e a precisar de recuperação, de infiltrações de água, de frio insuportável, da inexistência de equipamentos diversos como computadores ou outros suportes informáticos, quadros interactivos, materiais pedagógicos inovadores, inexistência de material e de equipamentos desportivos, impossibilidade de práticas laboratoriais por falta de materiais, etc…
Se é verdade que numa escola que se pretende moderna e capaz de responder às solicitações que lhe são dirigidas estes são aspectos a considerar, neste caso, nem será isso o mais importante.
De entre os aspectos negativos apontados pelos professores estão o elevado número de alunos, a inexistência de crédito horário para se investir no trabalho colaborativo e na articulação entre os professores das diversas disciplinas em cada turma, a extensão dos currículos e a própria falta de motivação dos professores.
O primeiro e último aspecto deveriam ser matéria prioritária da acção do governo e do Ministério da Educação. O número de alunos tem uma enorme influência na qualidade das aprendizagens e as medidas tomadas pelo actual governo não terão qualquer efeito no resultado final, pois não correspondem a uma mudança de paradigma. A também recente publicação do decreto-lei que revê o regime de apoio a alunos com deficiência ou com necessidades especiais reforça a preocupação. O novo diploma ignora a situação actual, não preparou as escolas para o seu desenvolvimento e, infelizmente, na prática, irá deixar tudo na mesma. O tudo na mesma, neste caso, é continuarmos a ter professores especializados que não dão conta do recado, pois o número de alunos a apoiar, por professor, é exagerado, e continuarmos a ter turmas que não têm medidas excepcionais relativamente ao número de alunos, que permitam uma verdadeira inclusão. O que se preconiza no novo diploma, só a avaliação, que certamente será feita no final do ano, nos poderá dizer se é ajustável à situação nacional.
46h
por semana, em média,
trabalham os professores
Já o último tópico colocado pelos professores deixa clara a avaliação hoje feita relativamente ao seu desgaste profissional, designadamente por inexistência de gestão democrática nas escolas e pela falta de consideração pelo trabalho dos professores, o que leva à sua desmotivação.
Deixo, ainda, uma última nota para algo que quase de certeza irá acontecer. A carga horária dos professores em flexibilidade curricular aumentou muito no ano de experiência e somou mais horas à já sobrecarga anteriormente existente (num estudo alargado realizado também pela FENPROF foi possível perceber que os professores trabalhariam em média acima das 461 horas). Um agravamento que chegou, nalguns casos, a atingir as 3 a 6 horas semanais, sendo que, desse tempo, 50% terá sido passado na escola. O que fez o governo no momento da generalização do novo regime de autonomia e flexibilidade curricular? Nada. Tudo ficou na mesma o que leva a concluir que a situação irá piorar significativamente. Consequências haverá que são imprevisíveis, mas que se reflectirão, uma vez mais na capacidade de resposta do corpo docente.
- 1. Por lapso, inicialmente o artigo foi publicado com 63 horas, facto pelo qual apresentamos desculpas aos nossos leitores
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