Há muito que deixou de haver uma política de desenvolvimento agrário no nosso país. Com a entrada de Portugal na União Europeia, os sucessivos governos limitaram-se a aplicar de forma acrítica as orientações da Política Agrícola Comum (PAC), desbravando terreno para as grandes multinacionais do agronegócio que viram crescer os seus mercados e os seus lucros. Ninguém compreende como é que Portugal, tendo recebido tantos milhares de milhões de euros da PAC, perdeu grande parte da sua soberania alimentar, tornando-se completamente dependente de outros para garantir necessidades básicas da sua população. Num momento em que termina o prazo de aplicação do Plano de Desenvolvimento Rural (PDR2020) que corresponde ao Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2014-2020 (cuja execução se prolonga sempre, pelos menos mais três anos), chegámos a uma situação insólita. Já sabíamos que o governo aplica mal os fundos da PAC, não atendendo às reais necessidades do país e dos territórios. Acresce agora que nem sequer foi capaz de aplicar a totalidade dos fundos agrícolas. Quando estamos à beira de completar 10 anos sobre o início da vigência do PDR2020, permanecem por gastar cerca de mil milhões de euros que tanta falta fazem aos nossos agricultores.
«Com a entrada de Portugal na União Europeia, os sucessivos governos limitaram-se a aplicar de forma acrítica as orientações da Política Agrícola Comum (PAC), desbravando terreno para as grandes multinacionais do agronegócio que viram crescer os seus mercados e os seus lucros.»
A PAC desdobra-se em dois Pilares. O primeiro pilar consiste nos pagamentos diretos. É aplicado pelo Ministério da Agricultura e supervisionado pela Comissão Europeia. O segundo pilar financia programas de desenvolvimento rural (PDR) elaborados a nível nacional ou regional e adaptados às necessidades específicas de cada país ou região. O PDR2020 de Portugal entrou em vigor em 2014. Segundo os dados do programa atualizados a 30 de junho de 2023, a taxa de execução situava-se nos 82%, valor aparentemente elevado, mas que demonstra graves dificuldades na sua aplicação tendo em conta que nos encontramos na sua reta final.
FEADER | |||
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Programação | Pagamentos | Execução | |
PDR2020 (Total) | 4 786 287,03 € | 3 929 306,62 € | 82,10% |
INOVAÇÃO E CONHECIMENTO | 44 533,71 € | 39 698,97 € | 89,14% |
COMPETITIVIDADE E ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO | 1 595 417,01 € | 1 170 514,70 € | 73,37% |
AMBIENTE, EFICIÊNCIA NO USO DE RECURSOS E CLIMA | 2 745 870,36 € | 2 457 987,08€ | 89,52% |
DESENVOLVIMENTO LOCAL | 233 158,18 | € 137 690,56 € | 59,05% |
Fonte: PDR2020 em números
De acordo com números do Ministério da Agricultura, estão ainda por aplicar quase 857 milhões de euros do FEADER [ Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural] atribuídos a Portugal. Contudo, se considerarmos a comparticipação nacional, são cerca de 1050 milhões de euros que já deveriam ter sido aplicados no terreno, apesar de as necessidades serem gritantes em tantas regiões do nosso país. Repare-se que as áreas de intervenção onde as taxas de execução são mais baixas são justamente aquelas relacionadas com a produção e com o desenvolvimento local. Com efeito, a área da Competitividade e Organização da Produção engloba rubricas absolutamente estratégicas que vão das ajudas à instalação de jovens agricultores ao investimento na transformação e comercialização de produtos agrícolas, passando pelo apoio às organizações de produtores e pelo desenvolvimento da floresta. O desenvolvimento local representa outra área fundamental, que envolve o desenvolvimento das cadeias curtas e dos mercados locais, absolutamente decisivos para a sobrevivência da pequena e média agricultura.
Ao mesmo tempo que termina o PDR2020, iniciou-se este ano um novo ciclo da PAC associado ao QFP 2021-2027. De acordo com todas as informações que nos chegam do terreno, à inoperância do governo em gastar as verbas do quadro anterior, soma-se o caos com as novas regras do chamado Plano Estratégico da PAC. A confusão é tanta que o prazo de candidaturas, habitualmente em maio, foi sucessivamente adiado, até 31 de julho. Tal não augura nada de bom para os próximos anos. A exigência de uma outra política para o setor agrícola emerge com renovada atualidade!
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