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«Isto não foi planeamento fiscal agressivo»

Miguel Stilwell, chefe executivo da EDP (declaração proferida na comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território da Assembleia da República).

A Traição das Imagens, René Magritte, 1929
«Isto não é um cachimbo», afirma o célebre quadro «A Traição da Imagem» (1929), do pintor surrealista belga René Magritte (1898-1967)CréditosRené Magritte

Em 2021 a EDP decidiu vender ao grupo francês Engie um conjunto de 6 barragens todas elas localizadas no Alto Douro. Recentemente, a Câmara de Miranda do Douro, que nunca se conformou com o negócio, avançou com um processo contra a EDP, a Agência Portuguesa do Ambiente e a Autoridade Tributária, exigindo ser ressarcida com os impostos devidos, mas também a responsabilização civil e criminal dos dirigentes envolvidos. Esta negociata é exemplar e merece ficar no quadro de honra da política de direita que desgoverna o país desde o 25 de novembro. E como tal, deve ser recordada, sobretudo para aqueles que persistem em manter a cabeça na areia como fazem as avestruzes.

A privatização da EDP, à semelhança de outros ativos estratégicos, foi uma enorme machadada na nossa soberania e um verdadeiro festim para o grande capital. Se dúvidas houvesse, atente-se para este regabofe que rendeu à EDP e aos seus acionistas privados 2,2 mil milhões de euros pela venda de seis barragens no Douro — Miranda, Bemposta, Picote, Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro, património de todos nós. O negócio, como não podia deixar de ser, mereceu logo a aprovação em coro do Ministério do Ambiente, do Governo português e da Comissão Europeia. Mas o capital é insaciável e não gosta de pagar impostos. Para isto servem os gabinetes de consultadoria que logo trataram de conceber um ardil para permitir à empresa fugir às suas responsabilidades fiscais.

O esquema é tão simples que qualquer criança entende. A nossa Autoridade Tributária, tão lesta em cair em cima do pequeno, fingiu não ver o que estava à vista de todos. Em vez de vender diretamente à Engie as seis barragens, o que, só por si, deveria constituir um crime de lesa-pátria, a EDP, em clara coligação com a sua congénere francesa, transformou uma venda num processo de reestruturação (cisão/aquisição) para poder beneficiar de uma isenção fiscal prevista no orçamento de estado de 2020. Contas feitas, a empresa conseguiu uma poupança fiscal de 110 milhões euros. Depois admirem-se de que não haja dinheiros para melhorar o serviço público!

 

A cláusula anti-abuso prevista na nossa lei geral tributária determina que determinadas montagens, embora formalmente lícitas, devam ser consideradas ilegais, na medida em que fique provado a artificialidade do recurso a determinadas prerrogativas da lei assim usadas como mero expediente de elisão fiscal. Mas isto pouco ou nada interessa quando é o próprio governo e a Comissão Europeia a abençoar o embuste. Ainda assim, o ministério público já colocou em causa a legalidade do negócio pelo que o caso não está ainda encerrado. Contudo, ainda que venham a ser provados factos ilícitos, é pouco provável que a questão venha a ser discutida com profundidade, tocando naquilo que é essencial. A privatização da EDP, assim como a de outras empresas e setores estratégicos, foi um desastre para o nosso país e o governo, patrocinando este negócio, não só lesou mais uma vez o erário pública com uma enorme borla fiscal, como perdeu uma oportunidade de retomar o controlo público sobre o setor elétrico nacional.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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