A reportagem do Público saiu esta segunda-feira. Uma jovem imigrante, residente em Portugal desde 2017, «sozinha num país diferente do seu, sem apoio familiar, sem trabalho e em isolamento obrigatório em virtude da pandemia por covid-19», foi condenada por fazer um aborto às oito semanas de gravidez.
Apesar de o aborto ter sido realizado no período legal, a jovem foi condenada «a uma pena de dez meses de prisão, com execução suspensa pelo período de um ano», em virtude de ter abortado fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Em reacção, o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) defende que «as mulheres não precisam de mais condenações» e critica as «inúmeras barreiras e desigualdades», que, 16 anos após a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG), continuam a interferir no acesso a cuidados e protecção da saúde, incluído sexual e reprodutiva, no âmbito do SNS. Em particular, denuncia, «mulheres em situação de vulnerabilidade económica, mulheres migrantes e as que vivem no interior e regiões autónomas».
No dia em que se assinala o Dia Internacional do Aborto Seguro, o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) manifesta solidariedade com as lutas das mulheres por todo o mundo. O MDM afirma que todos os Estados devem garantir o acesso ao aborto legal e seguro como uma questão de direitos humanos. Neste sentido, recorda informação tecida por especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019, de que, sendo «essencial para a saúde reprodutiva de mulheres e meninas, o acesso ao aborto legal e seguro é chave para garantir seu direito fundamental à autonomia, igualdade e saúde física e mental». Não obstante, o aborto ilegal e clandestino subsiste como uma das maiores causas de mortalidade materna no mundo e, sublinha o MDM, 26 anos depois da Conferência Internacional da População e Desenvolvimento do Cairo, «em muitos Estados, o aborto ainda é criminalizado ou não é acessível na prática, mesmo onde ele é legal». Na América do Sul há mulheres que enfrentam a prisão pela decisão de interromper uma gravidez, mesmo quando a sua própria saúde está em risco. Porém, o MDM recorda que, de acordo com as normas internacionais de direitos humanos, os Estados têm a obrigação de abster-se do uso da lei criminal para punir as mulheres por interromper a gravidez, mas também de revogar leis e políticas restritivas «que colocam em risco a saúde, a segurança e a vida de mulheres e meninas». «A situação das mulheres, num mundo cada vez mais injusto, desigual, instável e violento conhece obstáculos e retrocessos nos direitos das mulheres, particularmente na saúde sexual e reprodutiva», refere a organização num comunicado, salientando que, apesar de algumas excepções, «este é um traço dominante em diferentes países e regiões no mundo, com maior ou menor grau de desenvolvimento». A ONU estima que 25 milhões de abortos inseguros são realizados a cada ano, causando a morte evitável de aproximadamente 22 mil mulheres, particularmente em países em desenvolvimento, e que sete milhões de mulheres e meninas sofrem lesões que resultam em incapacidade e infertilidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 270 milhões de mulheres não têm possibilidade de acesso a métodos modernos de contracepção. Sendo que as mulheres pobres, com deficiência, migrantes e indígenas, de minorias étnicas, ou as que vivem em zonas de conflito ou refugiadas continuam a ser as mais afectadas também no acesso aos cuidados médicos. «Mesmo nos países onde o aborto é legal, como a França, EUA, Polónia, há restrições dos serviços [...] ao mesmo tempo que ganham força perigosas movimentações de sectores políticos para fazer retroceder a lei», lê-se no texto. Por cá, o MDM lembra que persistem lacunas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que conduzem a «situações de desigualdades e assimetrias regionais inaceitáveis e que importa corrigir». Segundo o Movimento, a par de melhorar a capacidade de resposta no acesso à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), o SNS necessita de reforçar o número de profissionais de saúde, nos cuidados primários e na rede hospitalar, para diagnóstico e intervenção precoce. E investir nas campanhas de sensibilização e informação junto das camadas mais jovens, «a fim de melhorar o acesso gratuito à contracepção de emergência e ao planeamento familiar». Simultaneamente, o MDM alerta o Governo para a necessidade de investir na Educação Sexual nas escolas, tendo em conta «a sua importância no esclarecimento, sensibilização e informação junto das jovens», bem como na prevenção da gravidez na adolescência. Destacam-se progressos no nosso país desde que a lei da IVG por decisão da mulher foi aprovada, em 2007. Portugal continua a situar-se abaixo da média europeia no que respeita ao número de interrupções da gravidez por 1000 nados vivos e confirma-se um decréscimo consistente do seu número, ano após ano. Desde então, diminuiu o número de atendimentos por complicações abortivas e não houve mortes maternas associadas à interrupção da gravidez. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
MDM saúda mulheres pelo acesso ao aborto seguro e legal
Mais investimento no SNS
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Sobre o caso da jovem, admite que, «a ser verdade», revela uma «total ausência» de compreensão, empatia e respeito pelos direitos das mulheres, ao mesmo tempo que «desconsidera» as «barreiras factuais no acesso à IVG, que têm início logo na dificuldade de acesso a uma consulta no centro de saúde». Apesar de cumprir o requisito de gravidez inferior a dez semanas e de ter reflectido sobre a situação em que se encontrava, «o seu contexto de isolamento, confinamento e desconhecimento terão sido desconsiderados face à (suposta) não certificação emitida por um médico que confirmasse o período de reflexão e tempo de gravidez», critica o MDM.
O Movimento, que já solicitou uma reunião à Direcção-Geral da Saúde (DGS) a fim de analisar procedimentos, informação e condições de acesso à IVG em todo o território nacional, admite que esta situação ilustra o «longo caminho a fazer no que respeita à informação e esclarecimento das mulheres sobre os seus direitos, nomeadamente em matéria da saúde sexual e reprodutiva». Sublinha que o SNS e «o trabalho empenhado dos seus profissionais» foram determinantes para que, «após uma luta prolongada», o direito à IVG fosse respeitado. E acrescenta que, depois deste «avanço civilizacional», as mulheres recusam voltar a um passado de perseguições policiais e julgamentos em tribunais, entre outras humilhações.
Para tal, o MDM insiste na necessidade de um SNS «que não limite, desvirtue ou iniba a aplicação da lei da IVG» e dê «resposta universal à saúde das mulheres em todos os ciclos de vida». Entre outras medidas, reclama o reforço do SNS, em particular dos cuidados de saúde primários, a criação ou reforço de especialidades, como ginecologia e saúde mental, e o desenvolvimento de campanhas de informação e esclarecimento sobre a IVG, nomeadamente os direitos previstos na lei e os procedimentos «para o seu pleno acesso».
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