|25 de Abril

Nacionalização da banca

«O poder de um banqueiro que o deixou de ser, é o poder de um mero cidadão»

Em vésperas da data da Revolução, o AbrilAbril entrevistou Anselmo Dias, presidente do Sindicato dos Bancários de Lisboa por altura da nacionalização da banca em 1975. Ele explica-nos como foi e os reflexos que teve para o País a nacionalização e opina sobre a situação actual da banca.

Manifestação a exigir a nacionalização da banca, 1975
Créditos

Bancário de profissão, Anselmo Dias destacou-se na luta pela democratização do Sindicato dos Bancários de Lisboa, após o governo de Marcelo Caetano o ter encerrado e indigitado uma comissão administrativa da sua confiança, que se manteve de Julho de 1971 a Maio de 1972.

Depois da reabertura do sindicato democratizado, Anselmo Dias foi designado seu presidente, cargo que assumiu de 1972 a 1975, estando envolvido em todo o processo de luta dos bancários pela nacionalização da banca, que acabaria por se consumar em 1975.

É militante comunista desde 1974.

Que implicações teve a nacionalização da banca, em 1975, para o País e para a população?

Embora no passado, no contexto da Revolução de 1383/85 e, posteriormente, no século XIX, no âmbito da extinção das ordens religiosas, tenha, num e noutro caso, havido grandes transferências de propriedade, a verdade é que as mesmas não foram feitas pelos próprios trabalhadores, em nome do povo e para o povo. Em 1975, sim.

A nacionalização dos 20 bancos comerciais, oficialmente decretada pelo Conselho da Revolução na madrugada de 14 de Março de 1975 (em Setembro de 1974, no âmbito da desejada independência das colónias, já haviam sido nacionalizados os três bancos emissores: Banco de Portugal, Banco de Angola e Banco Nacional Ultramarino), tal nacionalização, dizia, fez reverter para o Estado (para todos nós) enormes recursos, quer por via directa, quer por via indirecta, dado que, cada um daqueles bancos era, à custa do dinheiro dos depositantes, o vértice de uma pirâmide empresarial envolvendo inúmeras empresas que, no seu conjunto, abarcava uma parte significativa da cadeia produtiva do País, desde a agricultura, às pescas, à indústria extractiva, à indústria transformadora, aos transportes, à energia, à comunicação social, aos serviços, etc, etc.

É por esta razão, potenciada pelas restantes nacionalizações dos sectores estratégicos da nossa economia, que o Sector Empresarial do Estado passou a gerir mais de mil empresas que, no seu conjunto, representava cerca de 29,5% do Valor Acrescentado Bruto e cerca de 54,4% da Formação Bruta de Capital Fixo.

Eis, para a nossa imensa alegria, termos levado a cabo uma das maiores revoluções da história contemporânea da qual, simultaneamente, entre outros, resultaram os seguintes efeitos:

- os portugueses deitaram no caixote do lixo o poder dos monopólios então vigentes em Portugal;

- os portugueses ao apropriarem-se dos principais meios de produção estavam, também, por esse facto, a retirar à oligarquia o poder político que tinha pelo dinheiro que geria, parte do qual destinava-se às forças repressivas, incluindo o financiamento à PIDE;

- os portugueses estavam a construir a base material para, como refere o preâmbulo da nossa Constituição «...abrir caminho para uma sociedade socialista...».

Pode dizer-se que este processo de nacionalização teve um carácter revolucionário?

As nacionalizações, como a história demonstra, podem  –  ou não –, ter um carácter revolucionário.

Quem, a este propósito, não se lembra que a direita, por esse mundo fora, também levou a cabo nacionalizações?

Quem as decidiu? Como foram decididas? E quais os destinatários de tais decisões?

E em Portugal, como responder a tais interrogações? Comecemos pelo fim.

Não obstante o 11 de Março de 1975 marcar o início de um tempo novo, a verdade é que a decisão histórica do Conselho da Revolução ao assinar o decreto da nacionalização da banca, no plano da luta dos trabalhadores bancários, não deixou de constituir um epílogo. Epílogo de quê?

De uma dura e persistente luta daqueles trabalhadores, luta graduada pelo tempo e pela persistência em função da consciência de classe de cada um dos intervenientes.

A necessidade da nacionalização da banca por parte de um bancário comunista tinha uma premência diferente de um bancário politicamente menos esclarecido.

Não obstante a existência de ritmos diferentes, a verdade é que houve uma fraterna caminhada conjunta cujos pontos agregadores a uns e outros começaram no plano laboral.

Refiro a postura histórica dos banqueiros (1968/1974), no decurso de direcções sindicais progressistas, no boicote à negociação do contrato colectivo de trabalho (CCT).

Recordo que na última revisão do CCT, a proposta sindical foi entregue em Maio de 1972 e a decisão final, em Tribunal Arbitral, só foi tomada em Julho de 1973, lapso de tempo em que os trabalhadores tiveram de levar a cabo imensas lutas, incluindo manifestações de rua e, aí, enfrentando as bastonadas da PSP e, em certos casos, a repressão da própria PIDE, a que acresce a proibição de reuniões e assembleias gerais por parte do governo de Marcello Caetano.

É, pois, nesta acção simultânea do governo fascista, das suas forças repressivas e dos banqueiros, que muitos trabalhadores vão, progressivamente, transformando a acção reivindicativa em acção política.

Com o 25 de Abril e com os acontecimentos posteriores, designadamente a nacionalização dos bancos emissores a 10 de Setembro de 1974, o 28 de Setembro e a manifestação da «maioria silenciosa» associada a Spínola, o financiamento da extrema-direita por parte da banca, a sabotagem económica, o desvio de dinheiro para o estrangeiro  –  tudo isso cimentou uma vontade colectiva que se expressou numa assembleia geral realizada no dia 3 de Janeiro de 1975, no Pavilhão do Atlético Clube de Portugal, na Tapadinha. O que aconteceu nessa iniciativa?

Aconteceu que a Direcção do Sindicato dos Bancários de Lisboa, face aos perigos resultantes de uma banca apostada no regresso ao 24 de Abril, apresentou uma moção no sentido da respectiva nacionalização, ou seja, estamos a falar, com uma antecedência de dois meses, do 11 de Março.

Essa moção, aprovada por cerca de 5000 trabalhadores, foi entregue pessoalmente a Vasco Gonçalves no dia 10 de Janeiro.

Passados dois meses dá-se o golpe do 11 de Março. Nesse mesmo dia, a partir das 14 horas, de acordo com o seu sindicato, os trabalhadores bancários encerram os bancos, expulsam as administrações, organizam piquetes 24 horas por dia e exigem que a reabertura da banca só tivesse lugar após a sua nacionalização. E foi o que aconteceu.

Eis, na sua plenitude, o carácter revolucionário da nacionalização da banca, levada a cabo pelos trabalhadores na luta que os mesmos travavam contra os detentores do capital.

Enquanto participante activo nesta nacionalização, como vê a banca nos dias de hoje, por um lado em relação aos processos em que tem estado envolvida e, por outro, no que se refere à situação dos trabalhadores bancários?

Por aquilo que, nos dias de hoje, tem vindo a lume na comunicação social e por aquilo que foi sabido através da gestão dos banqueiros no decurso do fascismo e nos primeiros meses a seguir ao 25 de Abril, a ideia que tenho coincide com uma expressão popular  – «O criminoso volta sempre ao lugar do crime».

Os crimes cometidos, entre outros, no BPN, no Banif, no BES e, em certa medida, no BCP, tudo isso constitui uma cópia daquilo que era a prática da banca antes da nacionalização.

Há quem, por falta de melhor argumento, diga que o descalabro da banca resultou de deficiência ética por parte de «certos banqueiros».

Mas também há quem refira que a melhor maneira de assaltar um banco é criar um banco, expressão similar a uma atribuída a Bertold Brecht, com a qual eu concordo e que a vida evidencia.

Pois bem, aquando da feitura do livro que escrevi  –  Da Resistência Antifascista À Nacionalização da Banca  –  tive de consultar os Arquivos do Banco de Portugal e do Ministério das Finanças. O que lá vi é o que está acontecer no actual sistema financeiro, com uma pequena excepção.

No tempo do fascismo havia maior concorrência bancária, os bancos eram mais pequenos e, reflexamente, os negócios, comparativamente aos dias de hoje, tinham menor expressão.

A questão que se coloca tem pouco a ver com «ética» e tudo a ver com a natureza do sistema.

Há excepções? Há. A Caixa Geral de Depósitos utilizada para financiar jogos de poder no BCP e para financiar empréstimos sem as adequadas garantias é algo que não deve existir e, tendo existido, que se chame a polícia, se convoquem os tribunais e, havendo comprovadamente crime, que os seus autores sejam presos.

Em que medida é que faz hoje sentido a nacionalização da banca?

Faz sentido por múltiplas razões, das quais destaco três aspectos: a segurança dos clientes, a racionalidade económica e a questão do poder.

Antes de mais quero salientar o seguinte: a banca exerce uma importante função social. A sua principal actividade relaciona-se com a captação da poupança das famílias e das empresas (cerca de 136 mil milhões de euros nos dias que correm) e a sua posterior transformação em crédito.

Pois bem, tais depósitos (embora privados) constituem uma massa monetária que deve, no plano da gestão, ter o estatuto de um bem público, por forma a que o mesmo compatibilize esses depósitos  –  que devem ser criteriosamente remunerados  –, com as necessidades reais do País.

Não havendo, como não há na actualidade, o exercício patriótico de tal actividade, o que é que acontece? Acontece que os banqueiros (o capital próprio dos accionistas é infinitivamente menor que o valor dos depósitos) dispõem predominantemente de dinheiro que não lhes pertence em negócios adequados aos seus próprios interesses.

O que no tempo do fascismo e nos cerca de 10 meses após o 25 de Abril aconteceu, entre outros e a título de exemplo, no Banco Intercontinental Português, no Banco Borges & Irmão, no Banco Pinto de Magalhães, no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa e o que, recentemente, se passou com BPN (vulgarmente conhecido como o banco laranja), com o Banif e com o BES, constitui a prova provada de que o dinheiro dos depositantes não pode, nem deve, ser entregue a quem não o usa ao serviço do País.

Tais bancos foram meros interfaces para a constituição de grandes grupos económicos à custa do dinheiro dos depositantes, cujo desfecho associado a gestão danosa e a empréstimos armadilhados deu no que deu: um enorme sacrifício aos cerca de 10 milhões de portugueses que, ao que tudo indica, assumiram uma dívida de cerca de 10% do PIB, cerca de 18 mil milhões de euros.


Há, por outro lado, uma questão crucial, tão importante com a atrás referida, ou seja, a questão do poder.

Como já referi, o capital próprio dos accionistas do sistema financeiro é residual comparativamente à dimensão do capital alheio. Pois bem, vejamos esta contradição.

Os banqueiros investem num banco um valor reduzido. Maximizam os seus recursos à custa dos depósitos e de outros activos dos seus clientes, angariando, como já atrás referi, uma enorme massa financeira.

Com essa massa financeira, os mais poderosos colocam ministros nos governos, deputados na Assembleia da República, sustentam meios de comunicação formatados aos seus interesses, contratam fiscalistas para, com engenho e arte, fugirem aos impostos, subornam contabilistas para fasearam as contas, pagam generosamente a escritórios de advogados para descobrirem as vírgulas colocadas estrategicamente nas leis para transformar os crimes económicos em meros «procedimentos administrativos» e, sempre que o desejaram, tiveram permanentemente abertas as portas dos palácios de S. Bento e de Belém.

E tudo isto com o dinheiro dos depositantes!

Eis uma das muitas razões que justificam a nacionalização da banca. O poder de um banqueiro que o deixou de ser, é o poder de um mero cidadão.  

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