O primeiro-ministro promoveu esta quinta-feira no Palácio de São Bento uma cerimónia de homenagem ao VII Governo Constitucional, o segundo da Aliança Democrática (AD), constituída pelo PPD (hoje PSD), CDS, Partido da Terra e PPM, liderado por Francisco Pinto Balsemão, que haveria de governar o País até Junho de 1983.
A sessão, segundo informação oficial enviada antecipadamente, seguiu o protocolo da realizada em 2016 para homenagear o primeiro governo de Mário Soares, tentando passar assim uma imagem de normalidade: homenagear os primeiros a governar o País depois de quase meio século de ditadura. E, realmente, a estranheza seria maior, não fosse o comportamento divisionista e a colaboração com a direita a que o PS sempre nos habituou.
De resto, foi precisamente do acordo entre Francisco Pinto Balsemão e Mário Soares que resultaram duas das medidas que ajudaram a comprometer o futuro do País: a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), hoje União Europeia (UE), e a revisão constitucional de 1982, que Balsemão admitiu recentemente numa entrevista como uma das suas maiores vitórias. De resto, também a adesão de Portugal à CEE era descrita no programa do VII Governo Constitucional como «primeira prioridade».
O militante número 1 do PSD, que por estes dias publicou o seu livro de memórias, tornou-se primeiro-ministro pela AD a 9 de Janeiro de 1981, depois da morte de Francisco Sá Carneiro em Dezembro de 1980, liderando também o VIII Governo Constitucional até 9 de Junho de 1983. Pelo meio, os trabalhadores e o País começaram a perceber o aprofundamento das ameaças ao caminho auspicioso que a Revolução dos Cravos tinha possibilitado.
A 11 de Fevereiro de 1982 realiza-se a primeira greve geral no Portugal democrático. Depois do primeiro golpe dos contratos a prazo, dado por Mário Soares, os trabalhadores lutavam nas empresas contra a imposição dos tectos salariais, a discussão do primeiro pacote laboral e a alteração à lei dos despedimentos. A acção de luta promovida pela CGTP-IN teve, segundo a organização, um grande sucesso, mas o executivo de Pinto Balsemão optou por desacreditar os níveis de adesão, prática que ainda hoje se mantém.
Foi também em 1982 que a morte voltou a sair à rua, desta vez no Porto. «O Primeiro de Maio da Polícia de Intervenção, Dois mortos e cem feridos para fazer cumprir "decisão" do Governo Civil do Porto...» foi a manchete do Diário de Lisboa. O governo da AD «lança a polícia na rua, deixa que agentes enfurecidos persigam gente desarmada», lia-se no editorial do semanário O Jornal.
Os métodos repressivos, tão característicos da ditadura, haviam voltado para carimbar a jornada de luta de milhares e milhares de trabalhadores contra o governo de Pinto Balsemão/Freitas do Amaral, depois da provocação da UGT, que marcou a sua iniciativa para o local onde estava marcada a da CGTP-IN, com o aval do Governo Civil do Porto.
A ofensiva contra o movimento sindical unitário acabaria por ter seguimento, com o governo da AD a mover um processo judicial contra cada um dos dirigentes do Secretariado Nacional da CGTP-IN.
O «inimigo» passou por lá
Na cerimónia desta tarde, que abriu com a reprodução do discurso de tomada de posse de Francisco Pinto Balsemão, em 1981, o patrão da Impresa, dona da SIC e do Expresso, fez um discurso em que procurou credibilizar os órgãos de comunicação social, nomeadamente os seus, perante a existência de plataformas de divulgação de notícias falsas (fake news).
Balsemão salientou o «papel relevante que desempenham nesta sociedade de desinformação», escamoteando, todavia, o facto de também os meios de comunicação social reproduzirem parte dessas fake news ou de muitas vezes construírem a realidade à luz dos critérios editoriais (e dos interesses dos accionistas) por que se regem.
Criou-se um clima nebuloso onde a verdade e a mentira se confundem deliberadamente para que surja, como único farol clarificador, a versão legítima e absoluta veiculada pelos meios mainstream. Notícias falsas existem há muito. Formam um dos pilares, juntamente com a propaganda política enganosa, em que assenta o sistema global que nos governa, na sua vertente indispensável da manipulação de opiniões – a da violência cultural, do terrorismo psicológico. Agora há as «fake news». Se fizermos a tradução à letra o resultado é «notícias falsas», portanto algo que nos é familiar embora nem sempre dêmos por elas, por muito prevenidos que estejamos. Indo além da letra da tradução, para entender as «fake news» no contexto em que entraram no léxico imposto pelo neoliberalismo económico-político-cultural, encontramos um pouco mais do mesmo em termos de manipulação, porém com um grau superior e bastante mais abrangente de agressão, não apenas formatando opiniões mas procurando também esmagar o princípio democrático do contraditório. Um gigantesco ardil. «A operação "fake news" impõe, de facto, as verdades oficiais do sistema dominante transmitidas precisamente através dos meios que sempre produziram as falsas notícias, os chamados mainstream» As «fake news», tal como entraram muito recentemente nas nossas vidas, trazem no bojo uma ambição de censura não institucionalizada mas muito mais eficaz. A operação «fake news» impõe, de facto, as verdades oficiais do sistema dominante transmitidas precisamente através dos meios que sempre produziram as falsas notícias, os chamados mainstream. Ou seja, a comunicação social de grande consumo não apenas continua a limitar o acesso dos seus frequentadores – seguramente mais de 90 por cento da população mundial – à realidade em que vivem como aponta o dedo inquisitorial aos que lutam por desvendar e divulgar essa mesma realidade, transformados assim em criminosos fazedores de «fake news». Por isso, a operação «fake news» não apenas reforça o juízo moral, político e económico, que pretende ser absoluto, como tenta asfixiar a contestação fundamentada desse juízo. A operação «fake news», no limite, quer inviabilizar os efeitos dos mecanismos através dos quais se divulgam realidades diferentes, factos contraditórios, opiniões contrárias – desacreditando-os, perseguindo-os, caluniando-os. Os propagadores do conceito de «fake news» tal como ele entrou no pacote de consumo quotidiano, transitando dos meios de comunicação para as conversas comuns, profundas ou superficiais, poucas vezes se ocupam em dar suporte às suas acusações, pois tal não é exigido pelo absolutismo das suas verdades. No lado contrário, os acusados da prática de «fake news» dispõem de uma rica panóplia de exemplos capazes de desmistificar algumas das grandes verdades oficiais, circunstância que permite perceber muito bem as razões que determinaram o lançamento da operação de descredibilização. A situação exemplar clássica é a dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 em Nova York, que está na génese, aliás, de muitas das grandes mentiras oficiais que nos envolvem e fizeram doutrina. «a fábula das "fake news" brandidas pelos difusores habituais das notícias falsas que enchem as nossas vidas [...] culmina na viciação do ambiente informativo, propícia à confusão absoluta entre verdade e mentira» O problema não é tanto o de saber se a mirabolante versão oficial dos atentados é mentira ou não; muito mais grave é o facto de todas as outras versões que põem factualmente em causa a tese única imposta serem silenciadas, ocultadas, até ridicularizadas como “teorias da conspiração”. As informações que revelam não apenas a impossibilidade de os acontecimentos terem decorrido segundo a explicação oficial, como demonstram factos que as contradizem, são resumidas a «fake news» pela comunicação mainstream. Por isso, os trabalhos de prestigiados engenheiros norte-americanos e de outras nacionalidades demonstrando que as torres do World Trade Center ruíram por implosão provocada provavelmente por explosivos colocados nos seus pilares, e não devido ao embate dos aviões terroristas – um caso que, finalmente, chegou às mãos de um Grande Júri de Nova York para ser apreciado –, são reduzidos a lixo provocatório. O que as investigações científicas apuraram é que os danos produzidos nos edifícios pelo embate dos aviões não foram suficientes para provocar o seu desabamento, pelo menos da maneira que aconteceu. Haveria matéria para reabrir os processos e diversificar investigações, mas isso poderia tocar em intocáveis, logo reduz-se a «fake news». Não menos clássica é a mentira que serviu de rampa de lançamento à invasão e destruição do Iraque em 2003 – a da existência das celebérrimas «armas de destruição massiva» em poder do regime de Saddam Hussein. Década e meia e centenas de milhares de vítimas mortais depois os arsenais «mostrados» na ONU pelo secretário de Estado norte-americano não apareceram; e abundam os exemplos de que as fontes de tais elementos estavam inquinadas. Porém, não houve o cuidado de esclarecer a vasta opinião pública que, afinal, tudo não passou de um embuste sangrento. E a mentira continua a fazer o seu caminho. Posto isto, dizer que não existiram as «insurreições populares» na Líbia e na Síria que serviram de justificações para as invasões dos dois países é «fake news»; informar que Muammar Khaddafi foi assassinado na sequência de um processo conduzido pelos serviços secretos franceses é «fake news»; demonstrar que países como os Estados Unidos, a França e o Reino Unido recorrem ao terrorismo fundamentalista islâmico para concretizarem estratégias próprias no Médio Oriente é «fake news»; recordar que o golpe de Estado para estabelecer a «democracia» na Ucrânia deu asas às organizações nazis para dominarem o país é «fake news»; revelar provas de que o avião civil malaio que fazia o voo MH-17 pode não ter sido abatido por um míssil da Rússia é «fake news»; todos os exemplos comprovativos de que a NATO se comporta como uma aliança agressiva são «fake news». Qualquer um dos leitores sabe que a lista é muito mais extensa e poderá dar o seu contributo para preenchê-la. Mas não será necessário. Percebe-se perfeitamente até onde nos conduz a fábula das «fake news» brandidas pelos difusores habituais das notícias falsas que enchem as nossas vidas. O alcance dos efeitos de toda esta operação é, porém, bastante mais longo e culmina na viciação do ambiente informativo, propícia à confusão absoluta entre verdade e mentira. «os tradicionais e controlados fazedores de notícias falsas tentam minar tudo o que está para além deles, de modo a que a sua estratégia se afirme plenamente e sem obstáculos» Nesse ambiente proliferam e surtem efeitos alguns processos que jamais serão devidamente esclarecidos como o do envenenamento da família Skripal, o suposto uso de armas químicas em vários lugares, a alegada democratização do Afeganistão, as intrigantes intervenções da Rússia nas eleições norte-americanas, no referendo britânico ou até mexendo os cordelinhos que guiam os coletes amarelos em França e na Bélgica, como recentemente «descobriu» o presidente Macron. Criou-se assim um clima nebuloso onde a verdade e a mentira se confundem deliberadamente para que surja, como único farol clarificador, a versão legítima e absoluta veiculada pelos meios mainstream, fora dos quais reinam a falsidade, a manipulação, a falta de escrúpulos. É desigual o combate. Mas uma maneira eficaz de o travar é ter bem presente a noção de que os tradicionais e controlados fazedores de notícias falsas tentam minar tudo o que está para além deles, de modo a que a sua estratégia se afirme plenamente e sem obstáculos. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Operação «fake news», instrumento de censura
Exemplos abundam
Do Iraque à Ucrânia
Efeito ainda mais perverso
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O discurso de encerramento da homenagem coube ao primeiro-ministro, que teceu loas aos governos de Francisco Pinto Balsemão, apesar do que representaram a nível do processo contra-revolucionário. António Costa foi mais longe e enalteceu momentos como o da revisão constitucional liderada por Balsemão, que abriu caminho ao guloso processo das privatizações.
«Foi seguramente um pequeno período na sua vida, mas foi um período decisivo para Portugal, visto que presidiu aos últimos governos que asseguraram a transição da Revolução para a plena consolidação da nossa democracia, com a extinção do então Conselho da Revolução», disse o primeiro-ministro.
Entre os convidados da cerimónia desta tarde estiveram membros do actual Governo e do VII e VIII governos constitucionais, líderes partidários, nomeadamente Rui Rio, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve com o homenageado numa sala da residência oficial do primeiro-ministro, mas saiu no início da sessão.
A surpresa da presença do Presidente da República sobrepõe-se à da realização da cerimónia. Afinal de contas, são várias as farpas divulgadas sem pudor por Francisco Pinto Balsemão e que o próprio inscreveu no livro de memórias.
Os dois trabalharam no Expresso, fundado por Francisco Pinto Balsemão em 1973, e depois no governo, para assim evitar que Marcelo, que chegou a escrever «Balsemão é lelé da cuca», deixasse de ser tão «acintosamente contra o Governo», revela Balsemão.
Diz o actual conselheiro de Estado sobre Marcelo Rebelo de Sousa, então seu ministro-adjunto, que «correspondeu às expectativas no que respeita ao lado "escorpião"», montando «intrigas desnecessárias entre ministros e/ou secretários de Estado», entre outros aspectos.
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