«O objectivo de médio prazo (OMP), estabelecido pela Comissão Europeia em 0,25% do PIB potencial, será atingido em 2020 (...), um ano antes do previsto no anterior Programa de Estabilidade. Para este objectivo, contribui uma estratégia orçamental assente na procura do equilíbrio óptimo entre contas públicas saudáveis e sustentáveis, a garantia de serviços públicos de qualidade e um reforço do investimento público e do seu contributo para o seu desempenho económico» (Programa de Estabilidade 2018-2022, página 13).
Esta é a visão cor-de-rosa do Programa de Estabilidade 2018-2022 (PE), apresentado no passado dia 13 de Abril. De acordo com o Programa, tudo seria conciliável: as exigências da Comissão Europeia, estribadas nas regras do Pacto de Estabilidade e de Crescimento e do Tratado Orçamental; serviços públicos de qualidade; o reforço do investimento público.
Já o Relatório sobre Portugal 2018 da Comissão Europeia, embora reconhecendo a melhoria da situação económica, afirma permanecerem importantes problemas («desafios»), incluindo a dívida pública, o endividamento privado e o sector financeiro. O caminho apontado para a estratégia orçamental é a «permanente disciplina orçamental» cujos alvos são o Sector Empresarial do Estado, a saúde e as pensões. A despesa social é particularmente visada: na saúde, invoca-se que a sustentabilidade de curto-prazo não está assegurada e que a despesa irá alcançar 8,3% do PIB (em 2070!); na segurança social, refere-se que as medidas recentemente tomadas (nelas incluindo o aumento das pensões mais baixas) podem afectar a sustentabilidade do sistema de pensões a médio e longo prazo e afirma-se que a segunda fase da revisão das pensões antecipadas, prevista para 2018, foi suspensa.
Para o Governo tudo se concilia com crescimento económico acima de 2%, com a redução da despesa com juros (ainda que se admita a sua subida em 2021-2022) e com a constituição de gigantescos saldos primários (saldo orçamental sem a despesa com juros). O saldo primário foi de 3% do PIB em 2017 (representando mais de 5,7 mil milhões de euros), sendo «um dos maiores da União Europeia» (PE, p. 9); apesar disso, prevê-se o seu aumento atingindo um pico de 4,5% do PIB em 2021 (um valor que podemos comparar à despesa com educação: 4,9% em 2016).
As regras europeias não constituem o único constrangimento das contas públicas. Os apoios ao sector financeiro absorveram 17,5 mil milhões de euros entre 2010 e 2017 (o que representa 9,1% do PIB de 2017). Tudo indica que continuarão a pesar: já este ano, com o Novo Banco; pagamento de indemnizações; dilatação do prazo de pagamento da dívida dos bancos ao Fundo de Resolução; etc. (E tudo isto tem ocorrido num processo em que parte da banca nacional tem sido vendida a preços de saldo ou doada a bancos estrangeiros, incluindo a fundos abutres como o Lone Star).
O PE salienta os riscos associados a Parcerias Público-Privadas devido a processos em que a parte privada reclama elevadas verbas para reposição do equilíbrio financeiro dos contratos de concessão/subconcessão. Os mais relevantes respeitam ao sector rodoviário (661 milhões de €) e ao ferroviário.
Será a estratégia orçamental definida compatível com o reforço do investimento público e o desenvolvimento de serviços públicos de qualidade? O Governo responde que haverá mais investimento público, o que é verdade quando se compara com 2016 – mas este foi um ano de mínimo histórico. Em termos relativos, o investimento previsto será de menos de metade do nível do início da década.
A despesa com prestações desce no período do PE de 0,7 pontos percentuais do PIB, face a 2017, o que apenas em parte é explicado pela menor despesa com prestações de desemprego. A questão está em saber se haverá dinheiro para dar resposta às necessidades de reforço dos serviços públicos, os quais foram depauperados desde o início da década. A questão não se limita ao Serviço Nacional de Saúde (que tem estado em foco, sobretudo por más razões) mas aos serviços públicos em geral (educação, proteção social, transportes colectivos, justiça e cultura, entre outros).
A despesa pública primária – um indicador do esforço colectivo com serviços públicos e transferências sociais – reduz-se: passa de 39,9% do PIB em 2017 para 38,1% em 2022. Haverá meios para cumprir um «objectivo essencial» do Programa do Governo, «a defesa do Estado Social e dos serviços públicos, a segurança social, na educação e na saúde, para um combate sério à pobreza e às desigualdades»?
Por sua vez, o aumento da despesa com o pessoal entre 2018 a 2020, inclusive, parece apenas decorrer do descongelamento das carreiras (um pouco acima de mil milhões de €), evoluindo em seguida ao ritmo da inflação (1,7%). No entanto, o Primeiro-ministro admitiu não excluir a actualização geral dos salários (congelados desde 2010) em 2019.
Em síntese, é muito importante o debate em curso sobre a política orçamental. Sem ir mais longe, basta lembrarmos que 0,1% do PIB equivale a 200 milhões de euros; não é pois indiferente ter um défice público de 1,1% do PIB (Orçamento de Estado para 2018) ou de 0,8% (PE).
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