Desde o passado dia 10 de Março que abunda pelo espaço mediático uma agenda própria de um mundo velho, onde anunciam que muitos dos direitos conquistados podem estar em perigo. Um tempo destes precisa de mais força para somar aos conquistados os direitos necessários para a vida digna que a maior parte dos trabalhadores não sente.
O sobressalto regressou, esta segunda-feira, numa livraria, em Lisboa. Não é todos os dias que um lançamento de um livro é transmitido em directo pelas televisões. Sejamos honestos, nunca o é. Aconteceu, ontem, porque coube a Pedro Passos Coelho, que alicerçou a sua política no empobrecimento dos que menos têm, a apresentação da obra do chamado Movimento Acção Ética, direccionada para o seu entendimento de família, com autores que nos prometem um regresso ao passado de onde muitos homens e mulheres lutaram para sair.
Paulo Otero, conhecido por ter feito a ignóbil comparação do casamento entre pessoas do mesmo sexo a uma união entre pessoas e animais, e João César das Neves, que na dita obra duvida da opressão a que as mulheres foram (e continuam a ser) subjugadas ao longo dos tempos, são alguns dos autores que, como ficou implícito na participação de Otero, num debate televisivo após o lançamento, gostariam de reverter as conquistas civilizacionais que já alcançámos e que preservam direitos humanos.
O sobressalto resultante da apresentação desta colectânea de textos reside na agenda que esconde, no extremismo encapotado na romantização de um certo «ideal de família». Para esta direita católica e ultra-conservadora (em análise, o Papa é um progressista), o problema não reside no «ataque» aos direitos dessa família tradicional – pai, mãe e filhos, com os respectivos sacramentos religiosos. Reside no que é diferente, nomeadamente na abertura a outras possibilidades de amor e de relacionamento, e de parentalidade, de quem decide ser mãe ou pai solteiro, como Passos Coelho mal se comparou. Tal como reside nos direitos que as mulheres já conquistaram e que, regressando a Otero, deviam ser valorizadas no seu estatuto de «donas de casa».
Conhecendo-se os números dos casamentos homosexuais no nosso país – só em 2022 registou-se um total de 36 952 casamentos, dos quais 801 foram entre pessoas do mesmo sexo, não pode o famigerado ex-primeiro-ministro vir falar das ameaças à sustentabilidade demográfica – argumento de resto muito usado pela extrema-direita.
O que periga a vida das famílias e muito tem contribuído certamente para o inverno demográfico é a falta de salários dignos, a precariedade, a dificuldade de acesso à habitação, a inexistência de uma rede pública de creches e horários laborais desregulados. É o crescimento das desigualdades, como reconheceu este fim-de-semana a Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos de Portugal. O responsável por cortar o abono de família, salários, pensões, feriados e incentivar a emigração (o rol é muito mais extenso) lamentava ontem que a família «nem sempre é considerada pelas políticas públicas». Mas as que Passos almeja ver praticadas cheiram a bafio.
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