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Gestão algorítmica: afinal o taylorismo «é p’ra meninos»!

Hoje, como sempre, o uso da tecnologia depende de quem o dirige – se ela estiver na mão de quem tenha como único objectivo o lucro, pode servir para explorar e invadir a privacidade dos trabalhadores.

CréditosGeralt (Pixabay) / needpix free

Nos últimos anos, a discussão sobre o «futuro do trabalho» tem ganho particular relevância. Visões apocalípticas e visões idílicas confrontam-se, ora demonizando, ora fazendo a apologia dos méritos que a robotização generalizada do trabalho humano pode comportar.

Não desvalorizando a importância desse debate e a necessidade de o fazer de forma racional e informada (ao contrário do que acontece muitas vezes), a sua relevância e hipermediatização tem contribuído – suspeito que não inocentemente – para ofuscar uma vertente da digitalização do trabalho que é tão ou mais importante do que a primeira: a gestão algorítmica.

De forma simples e tão rigorosa quanto possível pode dizer-se que se trata de uma nova forma de gestão do trabalho marcada por duas alterações fundamentais face ao passado. Por um lado, com recurso a novas tecnologias que permitem capturar os chamados dados biométricos dos trabalhadores, a panóplia de indicadores tida em conta no processo de gestão torna-se muito maior e muito mais invasiva. Por outro, todos esses dados são sistematizados e organizados por avançados sistemas digitais (os agora famosos algoritmos) que, de forma despersonalizada, tomam todas as decisões que permitem aumentar a eficácia do processo laboral: estas podem ir da escolha de uma rota para entrega de uma encomenda, até à indicação de que trabalhadores contratar ou despedir, baseado na forma como cada um lida com a ansiedade que o trabalho lhe traz.

Quatro exemplos não-exaustivos para ilustrar aquilo de que falamos:

1. Um call-center em que, no computador de cada trabalhador está instalado um software que permite registar de forma sistemática todas as operações que ele faz, e onde há – no topo de cada monitor – um dispositivo que reconhece e interpreta as expressões faciais dos trabalhadores, registando as emoções (ansiedade, alegria, tristeza, raiva) que lhe estão subjacentes.

2. Um mega armazém em que, quer ao longo dos múltiplos corredores, quer nas próprias embalagens, não há letras, nem números, apenas códigos QR1. Aos trabalhadores pede-se que usem óculos especiais (chamados «de realidade aumentada») que, por sua vez, estão sincronizados com tablets onde as instruções do trabalho a realizar são recebidas, e com pulseiras com capacidade de emitir vibrações que, em conjugação com os óculos, permitem guiar o trabalhador pelo armazém para que se dirija da forma mais rápida possível a cada uma das embalagens que deve recolher. Todas as informações relativas à forma como o trabalho é executado ficam registadas – desde a velocidade a que se fez, passando pelo respeito pelas instruções, sem esquecer o ritmo cardíaco dos trabalhadores em cada momento.

3. Um restaurante de fast food onde, a cada momento, um computador central prevê o volume de comida a cozinhar em função da expectativa do volume de vendas (calculado com base no histórico recente) e atribui tarefas a cada um dos trabalhadores presentes na cozinha de acordo com o seu desempenho em cada uma das tarefas (fritar batatas, empratar hamburguers, etc...) – que é obtido através do registo dos tempos da execução dessas tarefas, de cada vez que um trabalhador as realiza.

4. Uma plataforma de distribuição de comida ao domícilio que permite a cada trabalhador trabalhar (e, por conseguinte, ter rendimentos) em função de um cálculo onde se inclui: qual o número de horas em que a empresa precisava que ele trabalhasse e ele, de facto, trabalhou; qual a avaliação que, tanto restaurantes que produziram a comida, como os clientes que a receberam, fizeram da prestação do trabalhador; quantas vezes daquelas em que o trabalhador se mostrou disponível para trabalhar, o esteve realmente; a quantos pedidos, em termos absolutos, já respondeu com o seu trabalho.

Embora haja já vários autores a dedicar-se a trazer a público a forma como estas tecnologias se vão expandindo e as consequências que podem ter na vida dos trabalhadores2, esta é uma área que precisa de muito mais estudo – até porque está em constante evolução – e atenção de vários pontos de vista, incluindo o legislativo.

Olhando para trás, quando, há cerca de século e meio, Frederick Taylor deu os primeiros passos na construção de uma doutrina que fazia a apologia da eficácia laboral e da produtividade – o taylorismo –, o que estava verdadeiramente em causa era a expansão vertiginosa dos índices de exploração. Hoje, não é diferente.

Tal como nesse tempo, também hoje a tecnologia não é animada por uma força intrínseca: por mais complexo que seja um algoritmo, ele terá sempre por trás alguém que o concebeu3. Hoje, como sempre, o uso da tecnologia depende de quem o dirige – se ela estiver na mão de quem tenha como único objectivo o lucro, pode servir para explorar e invadir a privacidade dos trabalhadores; mas se estiver na mão de quem quer fazer do trabalho um processo de emancipação e realização individual e colectiva, pode contribuir para que tenhamos vidas melhores.

Dito de outra forma: tal como o passado e o presente, também o futuro do Trabalho continuará a ser marcado pela luta de classes – qualquer que seja a forma que esta venha a assumir!

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