|Gravidez

Partos em casa aumentam em 2020

Organizações e especialistas apontam como principal factor a pandemia, mas há também quem procure ver nestes números o início de uma alteração de paradigma, por via da promoção do parto no domicílio.

Créditos / Exame

No ano passado, o Instituto Nacional de Estatística (INE) registou o nascimento de 83 784 bebés, 1101 dos quais no domicílio. Este número corresponde a 1,3% do total de nados-vivos, e é perto do dobro do valor do ano anterior. Em 2019 tinha havido apenas 634 partos em casa e, em 2018, foram 614.

A pandemia afectou de forma particular as mulheres grávidas, com a aplicação de restrições severas aos seus direitos. Recorde-se que, na sequência das decisões tomadas com o objectivo de limitar as infecções, foram decididas medidas de acordo com o «princípio da prevenção», como explicava em Março de 2020, a Direcção-Geral da Saúde (DGS). É neste contexto que foi assumida a privação do direito ao acompanhamento em consultas, actos médicos e no parto, mas também ainda a interdição de visitas, designadamente do pai, ao recém-nascido.

|

Há um ano sem acompanhamento nos partos

O direito das mulheres ao acompanhamento no parto foi posto em causa pela pandemia e, mesmo depois de orientações da DGS para garantir este direito, há estabelecimentos que não as estão a cumprir.

CréditosPaolo Aguilar / EFE

A Entidade Reguladora da Saúde determinou que os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde que exijam testes à Covid-19 aos acompanhantes de partos, devem assegurar a realização «tempestiva» dos mesmos.

Esta decisão surge na sequência de múltiplas reclamações de utentes que denunciam «constrangimentos» aos seus direitos, por força da imposição de «realização prévia» do teste à Covid-19 ao acompanhante. O regulador lembra ainda que este não é um requisito obrigatório para efeitos de exercício do direito ao acompanhamento no parto, mas sim «uma medida de prevenção a considerar pelos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde».

Este é o mais recente episódio nesta matéria. Recorde-se que, desde o início da pandemia, este direito fundamental ao acompanhamento no parto ficou suspenso em inúmeros nascimentos, inicialmente por desconhecimento do comportamento do vírus, mas também por falta de meios e equipamentos de protecção individual nos estabelecimentos de saúde.

Isto levou a Provedora de Justiça a emitir um parecer, em Abril do ano passado, onde exigia a criação de condições para o exercício deste direito fundamental e recomendava que fossem «repensadas as medidas extraordinárias tomadas, com adequação das soluções oferecidas na realização de partos, […] com a presença de acompanhante».

No mesmo documento, a Provedora salientava ainda a importância de se encontrarem soluções equilibradas, que não suspendessem os direitos das mulheres grávidas e dos recém-nascidos, nomeadamente quanto ao acompanhamento no parto.

O parecer da Provedoria de Justiça foi emitido após inúmeras queixas e relatos de utentes a quem este direito foi negado, uma vez que a primeira recomendação da Direcção-Geral de Saúde (DGS), que surgiu no fim de Março de 2020, deixava às instituições o critério de permitir o acompanhamento no parto.

Entretanto, a DGS, em Junho de 2020, veio emitir nova recomendação, onde clarificava as circunstâncias em que cada instituição poderia introduzir restrições na política de visitantes, para além de,  no caso de não existir suspeita de infecção, a realização de partos dever decorrer nos moldes habituais. Em Outubro passado, a DGS veio reforçar o direito legalmente reconhecido de as grávidas terem acompanhante no parto.

A humanização do parto é uma luta de várias décadas, na qual se insere o direito ao acompanhamento enquanto conquista civilizacional, sendo, aliás, uma das recomendações da Organização Mundial da Saúde para «uma experiência positiva no nascimento», considerando este como um momento único e irrepetível.

No entanto, há ainda diversas questões associadas a esta que estão por resolver, e que têm estado em permanente debate, nomeadamente as restrições ao acompanhamento nas consultas e exames médicos durante a gravidez ou a limitação ao direito de o acompanhante permanecer junto do recém-nascido. 

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

A par da escassez de materiais de protecção individual (como máscaras, luvas, gel desinfectante, entre outros), o SNS enfrentou o início da pandemia com uma grande debilidade de recursos humanos disponíveis, com carências apontadas há décadas.

Para além disso, a informação científica específica relativa a grávidas infectadas evoluía diariamente, e foram assumidas orientações pela DGS e direcções hospitalares que recomendavam a separação da mãe infectada do bebé por períodos de tempo indefinidos, e a não amamentação em caso de infecção da mãe. Estas recomendações vigoraram no País, mesmo quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) tinha já publicado orientações, com base na mesma evidência, segundo as quais recomendava a amamentação, com todos os cuidados de higiene conhecidos, como a máscara e a lavagem de mãos, tendo em conta que o risco de infecção era menor do que os benefícios reconhecidos à amamentação.

Foram também feitas neste período, com particular expressão nas redes sociais, várias denúncias de que alguns estabelecimentos hospitalares propunham induções antes do tempo em que a ciência os aconselha. Situação que as denunciantes apontavam ao facto de os hospitais e maternidades viverem um período difícil de falta de profissionais e meios técnicos.

Só em Junho de 2020, a DGS clarificou que, no caso de não existir suspeita de infecção, a realização de partos deveria ocorrer nos moldes habituais. E, passado um ano, esta entidade já teve de reforçar estas orientações, mas continuam a existir relatos de restrições ao exercício de alguns direitos nesta matéria.

Agir para a consagração de um parto humanizado

«Muitos hospitais parecem ter cristalizado as restrições relativamente à presença de acompanhantes», defende Sara do Vale, da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto em declarações ao Público, que aponta a recusa, por muitas mulheres, de um parto com procedimentos cada vez mais sentidos como potenciadores da chamada «violência obstétrica».

De facto, o aumento do número de partos em casa pode decorrer de uma conjugação de factores, em que, a par pandemia, que contribuiu para o afastamento dos estabelecimentos de saúde, também se vive uma intensificação, nos últimos anos, de um debate que tem polarizado posições, que podem levar algumas mulheres a sentirem-se mais protegidas em casa.

|

Graça Mexia, uma vida dedicada ao parto mais humanizado

Quando passam dez anos da publicação da sua obra 45 anos e 38 000 grávidas depois, o AbrilAbril entrevistou a mulher cujo trabalho e vida contribuíram para a implementação no País do método psicoprofilático de preparação para o parto.

Graça Mexia, em entrevista ao AbrilAbril
CréditosHelena Amador / AbrilAbril

O AbrilAbril foi à conversa com Graça Mexia, mulher dinâmica, alegre e confiante que dedicou a sua vida às mulheres e aos casais para que usufruíssem da gravidez e do parto de forma mais descomplicada e feliz. Diplomada em Fisioterapia Obstétrica e licenciada em Psicologia Clínica, trabalhou desde 1962 como preparadora de partos pelo Método Psicoprofilático.

Graça, conhecendo um pouco do teu percurso, deste muito da tua vida ao trabalho junto das grávidas, para alterar e melhorar a forma como vivem este momento da sua vida. Gostaríamos de saber como tudo começou.

Bom, isto não é exactamente como tudo começou. Mas passou pela minha própria experiência, com o parto da minha filha, cuja preparação fiz com o Dr. Pedro Monjardino. Pode dizer-se que entrei logo «no máximo» com o Dr. Monjardino, de quem me lembrarei sempre como um marco profissional e como amigo. Fiquei fascinada, não só pela forma como tudo foi feito, mas porque o parto foi belíssimo. Daí em diante, pensei «é isto que quero fazer, porque não hei-de fazer isto com outras pessoas? Por que é que hei-de ser só eu a ter esta experiência? Isto tem de se estender a outras pessoas». Começou aí realmente esta ideia. Lembro-me perfeitamente de pensar: isto nunca mais pode ser de outra maneira. É para começar e continuar.

Inspirada e com apoios do Dr. Pedro Monjardino e de outros profissionais, nomeadamente também da Dra. Cesina Bermudes, como sentes que este trabalho contribuiu para chegar a mais gente?

Foram apoios enormes. Eram dois médicos muito conhecidos, muito importantes e o facto de a minha intervenção poder passar pelo trabalho com eles, foi uma porta aberta a tudo o resto. Tive muito mais experiência com o Dr. Monjardino do que com a Dra. Cesina Bermudes e ele foi, de facto, fundamental para que este método avançasse. Era uma pessoa muito dinâmica, muito aberta; tudo o que ele fazia era muito bem recebido. Foi muito bom trabalhar com ele.

«[O método psicoprofilático] contribui para um parto mais rápido, mais eficiente, mais desejado. E permite ainda identificar e prevenir situações de risco.»

Em que consiste o método psicoprofilático?

Consiste alterar o comportamento da grávida, da mãe, em relação ao parto. Para que esse momento não seja um momento violento, mas, muito pelo contrário, seja uma experiência e com uma participação positiva e colaboradora da mãe. Com a meta de equilibrar toda a vivência da gravidez, a qual deve ser encarada como um meio importante de poder chegar lá, de ter um bebé.

Essa importância é tanto na preparação como na recuperação do parto.

Claro, é um todo, porque uma coisa está ligada à outra. São raras as mulheres que fazem preparação e não fazem recuperação.

Este trabalho é sobretudo orientado para a mulher...

Sim. E para o casal. Eu gostava sempre de envolver o casal dentro da medida do possível, para que participasse nas sessões e estivesse presente. Sempre achei isto muito importante. E cada vez mais se tornou possível. Ao princípio não tanto, mas a pouco e pouco alterou-se. Acho que não passa pela cabeça de um casal jovem, hoje em dia, que não participem os dois. Tornou-se um facto.

Era difícil desconstruir preconceitos culturais e históricos?

Foi sendo cada vez menos. À medida que o tempo passava, havia cada menos problemas culturais. Foi uma história que se ia desvanecendo à medida que o tempo avançava.


No teu livro demonstras, com recurso a dados estatísticos, inúmeros benefícios do método psicoprofilático.

Absolutamente. Em termos de redução da ansiedade da mãe. Mas também na forma como as mães encaram toda esta fase da vida, e até da relação com o bebé. Reforça os laços entre os casais e combate o isolamento das mães e dos casais neste momento das suas vidas. Contribui para um parto mais rápido, mais eficiente, mais desejado. E permite ainda identificar e prevenir situações de risco. São detectadas situações que, se não se estivesse a fazer preparação com este método, não se detectavam. E podem-se mesmo evitar alguns riscos e até evitar-se cesarianas, contribuindo para uma recuperação do parto melhor e mais rápida.

Como é que foi promover este trabalho em plena ditadura fascista?

Como tantas outras coisas, foi tudo difícil, como é evidente. Mas de qualquer maneira, não acho que tenha sido uma barreira. A pouco e pouco, o método psicoprofilático ficou muito conhecido, a ser visto como muito útil, as pessoas começaram a exigir fazê-lo e, em pleno fascismo, avançou-se. Às vezes até se dizia que pelo menos em relação ao parto que façamos as coisas de forma avançada, para a frente.

Li que te recusaste assinar aquela declaração da ditadura fascista que proibia os funcionários públicos de militarem ou fazer parte de associações democráticas ou comunistas.

Sim e realmente nunca isso me opôs a coisa nenhuma, nunca deixei que isso fosse um travão de maneira nenhuma. Porque ser uma militante comunista estende-se a tudo.

Depois do 25 de Abril, com as profundas transformações na sociedade, o que sentiste no teu trabalho?

Procurava-se muito mais pela preparação para o parto e também houve mais partos. O que é um facto muito importante. Havia gente que antes não pensava ter filhos e passou, depois da Revolução, a querer.

Ainda hoje continua a batalha por um parto mais humanizado. Em que por um lado respeite as condições de segurança da mãe e do bebé, mas que não deixe de ter em conta a grávida como agente activa no parto. Como olhas para esta batalha que continua?

Continuará sempre esta batalha. Dependerá das grávidas e dos tempos, e o caminho terá de ser em sentido positivo e de avanço.

Infelizmente persistem ainda relatos de situações de partos em que esta realidade do parto mais humanizado não se verifica.

Aquelas parteiras mais antigas, ainda muito ligadas à ideia da mulher não participar, deixaram de trabalhar. Vão-se reformando. E, nos novos tempos, não deveria passar pela cabeça das pessoas novas tais coisas. Eu penso que, com os tempos modernos, os novos médicos obstetras devem estar mais abertos à participação do casal e à preparação do parto. Espero que sejam dados adquiridos.

Têm também ressurgido ideias tidas como inovadoras de, por exemplo, voltar ao parto em casa.

São duas coisas que se chocam. Porque um parto em casa exige evidentemente um grande acompanhamento de que não se pode descurar. Não pode ser uma balda. Pelo contrário, é uma situação que exige acompanhamento técnico e muito eficiente.

«[Este método] torna tudo mais bonito, mais agradável, permite reduzir a ansiedade face a toda a gravidez e ao momento do parto. A preparação incentiva as mulheres a terem vontade de experimentar, de fazer, é tudo muito mais positivo.»

Como vês as debilidades, nomeadamente nos casos em que alguns centros de saúde não promovem cursos de preparação para o parto?

Isso é um problema e têm também de ser os profissionais que têm de se impor e fazer esse trabalho. Os profissionais têm de se impor.

Realizaste um trabalho com dezenas de milhares de grávidas e suas famílias. Sentes que este trabalho deixou sementes para o futuro?

Eu acho que sim, porque normalmente este trabalho é completamente contagioso. É uma experiência que, pela sua natureza positiva, é difundida pelas próprias pessoas que o fazem, porque, quando alguém faz esta preparação para o parto, acaba por passar a informação para os filhos, sobrinhos, irmãos, etc., e depois também eles querem fazer a preparação para o parto.

Também foi importante a formação que deste a outros profissionais...

Não era muito fácil. Havia alguma retracção de alguns profissionais, de alguns obstetras. Havia alguma dificuldade de entrar, não era tão fácil como se possa imaginar. Era pela prática, era pela experiência e por verem como tudo se passava, que se conseguia que este método contaminasse, no sentido positivo, os profissionais.

Que mensagem gostarias de deixar a profissionais e pessoas que possam beneficiar disto?

As vantagens são sempre tão maiores em relação a tudo o que era o antigamente, que deve caminhar-se no sentido de haver cada mais preparação, cada vez mais casais preparados, cada vez mais obstetras a considerar que isto é importante, uma ligação muito grande entre o obstetra e o casal. É fundamental que essa ligação seja feita pelas pessoas e pelo método psicoprofilático. Eu acho que as pessoas que fazem preparação, não lhes passa pela cabeça passar por um parto de outra maneira. Torna tudo mais bonito, mais agradável, permite reduzir a ansiedade face a toda a gravidez e ao momento do parto. A preparação incentiva as mulheres a terem vontade de experimentar, de fazer, é tudo muito mais positivo. E a recuperação do parto permite também contribuir para a mãe ganhar confiança para si, para tratar do bebé e para prosseguir a vida. Quanto à prática deste método, é preciso avançar, não andar para trás, não retroceder!

Tipo de Artigo: 
Entrevista
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Todavia, o que esta questão impõe é a necessidade de se aprofundar o debate e a consagração, na prática, da humanização do parto. Recorde-se que há uma panóplia de direitos que são conquista da democracia e do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

É nesse sentido que Tânia Mateus, dirigente do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), refere que «a universalização do acompanhamento pré-natal e do parto em ambiente hospitalar, com unidades de elevado grau de excelência, são factores que explicam a significativa melhoria dos cuidados pré-natais e a redução das taxas de mortalidade materna e infantil, bem como a melhoria dos cuidados das crianças nascidas com a devida vigilância médica e a detecção precoce de necessidades de cuidados adicionais ou de problemas de saúde». E a dirigente acrescenta ainda um outro elemento para a ocorrência de mais partos em casa: «o encerramento de maternidades e outras unidades hospitalares», que obrigam as grávidas a deslocações, por vezes, de 100 km.

«O MDM acompanhou as denúncias de fortes constrangimentos e até mesmo impedimento do acompanhamento de grávidas, durante consultas, exames e até mesmo no parto, no período da pandemia. Aliás, solicitou uma reunião com a DGS no sentido de obter esclarecimentos sobre esta situação», recorda Tânia Mateus, que refere que a organização acompanha «as preocupações manifestadas» para ocorrências que tendem a uma «desumanização no processo de gravidez e de parto», realidade que exige um «urgente e prioritário reforço do SNS», para a consagração da protecção da mulher grávida.

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui