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Obrigado, Ryanair, pela chantagem bem à vista de todos

Nos últimos dias, o dono da Ryanair lançou uma operação de chantagem pública contra o Estado português, deixando claro o que tal gente faria se o apanhasse dependente das companhias estrangeiras para assegurar as suas ligações aéreas.

CEO da Ryanair, Michael O'Leary
A chantagem do dono da Ryanair pende sobre o Estado mas também sobre os empresários de hotelaria e turismoCréditosChema Moya / EPA

Sem qualquer pejo, numa carta aberta ao primeiro-ministro, o fulano afirmou com clareza: ou lhe entregam o que ele quer (desta vez, várias «slots» no aeroporto de Lisboa) ou ele retira uma parte da frota que hoje opera em Lisboa, despedindo 150 pessoas e fechando 20 rotas em pleno Verão para provocar quebras na indústria do turismo de centenas de milhões de euros.

Esta frota, que o fulano desloca de aeroporto para aeroporto a seu bel-prazer, ao sabor das suas jogadas para obter as melhores taxas de lucro para si próprio, já hoje opera em Portugal, o que significa que já possui «slots» para o fazer. Aliás, há uns meses, todos fomos informados das novas rotas criadas com os três novos aviões (que agora ameaça retirar), dos 300 novos postos de trabalho criados (que agora passaram a 150), e todos lemos a promessa de centenas de postos de trabalho novos e milhões de euros de riqueza a distribuir se lhe entregassem as mais de 200 «slots» que pretendia em Lisboa. A carta agora enviada marca a passagem da fase de prometer mundos e fundos para a fase de ameaçar e chantagear o país.

E, no entanto, todos devemos estar gratos ao fulano. É que ao fazer a chantagem assim ao vivo e a cores, num momento em que Portugal ainda tem um instrumento como a TAP, deixa mais claro o que tal gente faria se apanhasse o Estado português dependente das companhias estrangeiras para assegurar as suas ligações aéreas.

Tal como já aconteceu noutras paragens, seria a chantagem para lhe serem reduzidas as tarifas «ou retiro os aviões», para lhe reduzirem os custos operacionais «ou retiro os aviões», para lhe autorizarem as práticas laborais medievais «ou retiro os aviões», para lhe pagarem um belo estímulo à operação «ou retiro os aviões». E não seria apenas o Estado que seria chantageado. Os próprios empresários da hotelaria do Algarve e a respectiva Região de Turismo teriam de chegar-se à frente «ou retiro os aviões», o mesmo na Madeira «ou retiro os aviões», etc.

Também devemos agradecer que, depois de uma chantagem tão grosseira, o fulano ainda tenha o descaramento de afirmar que faz o que faz para ajudar a economia portuguesa que, diz ele, ganharia 250 milhões de euros com a decisão de transferir dezenas de «slots» da TAP para a Ryanair. Pode ser que ajude alguns a perceber que agora, tal como em todas as manobras anteriores, o único que move o fulano é fazer dinheiro à custa de Portugal, e fazer o máximo de dinheiro possível para ele. No capitalismo as empresas são instrumentos para remunerar, o máximo possível, o capital nelas empregue.

A resposta de um Estado soberano deveria salvaguardar duas dimensões: (1) Manter uma TAP nacional (logo, pública) capaz de assegurar o que é estratégico para o país; (2) Reduzir o peso da Ryanair na operação de todos os aeroportos nacionais, para que nunca mais possa ameaçar e chantagear Portugal.

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