Os médicos contratados pela Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde de Curitiba (Feas) e que trabalham nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) do município têm vindo a denunciar a falta de condições de trabalho, que, além de impactar na saúde dos profissionais, tem trazido insegurança no atendimento à população.
Falta de pediatras, de medicamentos e insumos para crianças; assédio moral com a pressão para que os médicos realizem cada vez mais consultas em menos tempo; mudanças do local de trabalho sem aviso prévio; locais de trabalho inadequados para as consultas e interferências das chefias nas decisões clínicas dos profissionais são alguns dos problemas apontados.
Em plenário realizado pelo Sindicato dos Médicos do Paraná (Simepar), os profissionais de saúde contratados pela Feas definiram um conjunto de reivindicações, exigindo que os problemas sejam resolvidos de forma urgente.
De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 1575 municípios contam apenas com os médicos cubanos do programa criado em 2013. Cerca de 28 milhões de brasileiros devem ser afectados. A saída de 8469 médicos cubanos do programa «Mais Médicos», anunciada pelo Ministério cubano da Saúde na quarta-feira passada, na sequência de declarações «depreciativas» e «ameaçadoras» por parte do presidente eleito Jair Bolsonaro, deverá atingir cerca de 28 milhões de brasileiros – na medida em que perdem a assistência básica de saúde que até aqui lhes foi garantida por via dos médicos cubanos integrados no «Mais Médicos». A estimativa é avançada pela CNM numa nota em que afirma que os profissionais cubanos – que devem permanecer no Brasil até ao final deste ano – estão presentes em 2857 municípios brasileiros, sobretudo no Norte, no Nordeste, nas cidades com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), nas terras indígenas e nas periferias dos grandes centros urbanos. De acordo com a Organização Panamericana de Saúde, a maior parte dos municípios onde os cubanos estão presentes têm 20% ou mais da população a viver em pobreza extrema, indica o Brasil de Fato. Outro dado apontado pela CNM é que 1575 municípios brasileiros (28% do total) contam exclusivamente com o atendimento de cubanos, através do «Mais Médicos». Desses, cerca de 80% têm menos de 20 mil habitantes. Felipe Proenço de Oliveira, professor na Universidade Federal da Paraíba e coordenador do «Mais Médicos» entre 2013 e 2016, destaca que mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira primeira vez graças a esse programa e que os médicos cubanos actuam especialmente em municípios com população em situação de pobreza extrema – zonas que são rejeitadas pelos médicos brasileiros. «A saída dos médicos cubanos, que foi provocada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, vai impactar diretamente naquelas regiões que historicamente não contavam com assistência médica, daquelas populações que se cansaram, no período anterior a 2013, de procurar o posto de saúde e a única resposta que recebiam era que faltavam médicos», afirmou ao Brasil de Fato. Sobre o anúncio do lançamento, pelo Ministério brasileiro da Saúde, de um edital para a contratação de médicos brasileiros que queiram ocupar as vagas dos cubanos, Felipe Oliveira mostrou-se céptico quanto à eficácia da medida, uma vez que as vagas ocupadas pelos cubanos foram antes apresentadas a brasileiros, que as rejeitaram. «Os brasileiros efectivamente não vão para essas localidades onde os médicos cubanos estão», disse. Actualmente, 2885 médicos cubanos integrados no programa «Mais Médicos» prestam atendimento a pacientes em mais de mil municípios, distribuídos por todos os estados do Nordeste. Professor de Medicina na Universidade Federal da Paraíba, Marcos Oliveira Vasconcelos é supervisor do programa e sublinha como a vinda de médicos cubanos implicou o atendimento em zonas de difícil acesso, onde os médicos não se mostram muito dispostos a ir. «Na prática, o programa "Mais Médicos" significou médicos mais presentes, o que permite outro nível de acompanhamento dos pacientes», disse Vasconcelos ao Brasil de Fato. «Sabemos que a maioria dos médicos no programa são cubanos e que eles estão nos lugares de mais difícil fixação de médicos», frisou. Os profissionais cubanos que prestam atendimento nas zonas rurais do município de Belém (Paraíba) também moram no local, o que facilita ainda mais o atendimento, referiu. «No início havia dúvidas se funcionaria a comunicação em "portunhol", mas eles conseguem conversar muito bem com os pacientes e a população gosta muito do atendimento», valorizou. De acordo com o portal De Olho nos Ruralistas, 90% dos médicos que, integrados no «Mais Médicos», actuavam em áreas indígenas eram cubanos. Ou seja, dos 321 profissionais que participam no programa, 289 vêm de Cuba, atendendo 642 mil indígenas em 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). O programa foi fundamental para esta população, na medida em que, com a sua implementação, aumentou em 79% o número de médicos a prestar atendimento aos indígenas. Sarah Segalla, médica que trabalha na supervisão do «Mais Médicos» em áreas ribeirinhas na Amazónia, lembra a dificuldade de chegar a comunidades tradicionais. «São áreas realmente de difícil acesso. Chegando lá, encontramos comunidades com alta vulnerabilidade, baixo IDH, baixo rendimento e com problemas de doenças infecciosas», disse. A 1200 quilómetros de Manaus, capital do estado da Amazónia, o município São Paulo de Olivença conta com oito médicos cubanos e dois brasileiros. Os brasileiros trabalham no hospital, enquanto os cubanos estão envolvidos na prestação de cuidados básicos, informa Segalla. «Essas comunidades vão perder 100% dos profissionais responsáveis pelo atendimento básico. Por mais que existam médicos no serviço hospitalar, eles estão ali para apagar fogo. Quem realiza mesmo o cuidado das comunidades são os médicos do atendimento primário, são os médicos de família e comunidade que cuidam das doenças crónicas, diabetes, exames preventivos, pré-natal», sublinhou. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Saída dos cubanos terá forte impacto na saúde dos brasileiros
No Nordeste, em mais de mil municípios
Atendimento a população indígena e ribeirinha aumentou bastante
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As reivindicações passam, entre outros aspectos, por melhores condições de trabalho, a reposição de profissionais, a interrupção de processos de terceirização, o pagamento de insalubridade de grau máximo e a fiscalização de denúncias sobre assédio moral.
O médico Alceu Pacheco Fontana Neto, dirigente do sindicato e ligado a quatro unidades de saúde de Curitiba, no Sul do Brasil, relata que há médicos a quererem sair tendo em conta as condições de trabalho. «O que mais temos recebido de queixas é sobre assédio de chefias e número reduzido de profissionais», diz.
Faltam pediatras, medicamento e insumos
Alceu conta que, devido à sobrecarga de trabalho, muitos pediatras estão a solicitar a exoneração. «Os pediatras estão quase todos com Síndrome de Burnout [exaustão] e muitos pedindo exoneração devido ao excesso de trabalho e assédio moral. Além disso, os pediatras estão sem insumos e medicamentos adequados para as crianças», conta.
«Ainda acontece ficar apenas um pediatra para atender todas as crianças internadas ou aguardando transferência. Isso tem gerado um estresse desumano», conclui.
Durante o plenário, médicos e médicas reiteraram que também há falta de profissionais nas escalas, especialmente nas UPA, durante as noites.
Pressões e controlos
Sobre a situação de assédio moral por parte de chefias, que se repete em vários locais de trabalho, um dos médicos, que não quis ser identificado, disse: «Na UPA Pinheirinho, existe um "controlador" que fica responsável por colocar os pacientes nos boxes de atendimento e que fica controlando tempo de consulta, descanso e até de banheiro dos profissionais.»
Também acontecem trocas do local de trabalho sem aviso prévio, sem a disponibilização de transporte e por comunicações durante o horário de descanso dos médicos.
As mobilizações presenciais e virtuais ocorreram este domingo em pelo menos 18 estados brasileiros, também para prestar homenagem aos médicos e enfermeiros falecidos no combate à Covid-19. Várias entidades ligadas ao sector que promoveram as iniciativas de ontem, como a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, e a Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia, subscreveram uma carta-manifesto em que fazem a defesa do serviço público de saúde e do seu adequado financiamento, porque «o SUS [Sistema Único de Saúde] salva vidas». Também repudiam as declarações do presidente da República, Jair Bolosonaro, «hostis aos profissionais de saúde, incentivando agressões a trabalhadores de saúde no seu ambiente de trabalho». E sublinham que o Brasil, além de ser o segundo país do mundo em número de contágios e mortes por coronavírus, regista «o maior número de mortes de médicos (ao todo 139 profissionais) e de enfermeiros (ao todo 190 profissionais) por Covid-19», segundo dados reunidos pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) até dia 17 de Junho. Aristóteles Cardona Júnior, médico de família no sertão pernambucano e membro da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, disse ao Brasil de Fato que as entidades promotoras avaliaram de forma positiva «a repercussão das manifestações», que abrangeram capitais, cidades do interior, cidades médias e pequenas por todo o Brasil, de Roraima e Ceará, no Norte, até ao Rio Grande do Sul. Os actos denunciaram também a invasão de hospitais públicos por apoiantes de Jair Bolsonaro. «Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não», afirmou recentemente o presidente nas redes sociais. Cardona Júnior classifica a posição de Bolsonaro como «irresponsável». «Não é só um desrespeito, é a irresponsabilidade de servir como disseminação da doença, como possível foco de transmissão», disse, acrescentando que a atitude não é de agora, «começou ao afirmar que era só uma gripezinha e que morreriam 800 pessoas no país. Agora, estamos aí, chegando a mais de 50 mil mortos e não sabemos até onde tudo isso vai», lamentou. As organizações promotoras alertam ainda para «a intervenção militar em curso no Ministério da Saúde», «que vem comprometendo sobremaneira o trabalho técnico frente à pandemia». E sublinham que, dos 12 membros das Forças Armadas nomeados para a pasta, nenhum tem formação em medicina. Com estas manifestações, os profissionais da saúde exigiram também melhores condições de trabalho – marcadas actualmente pela escassez de equipamentos de protecção individual – e uma organização de «processos de trabalho que possibilitem menores impactos da exposição à doença ou ao stresse causado pela pandemia». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Profissionais da saúde no Brasil mobilizam-se em defesa do serviço público
Contra a «intervenção militar» na saúde, por melhores condições de trabalho
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Outra irregularidade relatada na reunião foi a interferência da coordenação das UPA (centros de saúde) no diagnóstico dos profissionais, de forma remota, excluindo pacientes da espera por vaga na central de leitos, contrariando o diagnóstico do médico do plantão que o avaliou presencialmente.
A Feas é um órgão de administração indirecta que executa e desenvolve acções do Sistema Único de Saúde (SUS; sistema público). A prestação de serviços da Feas é realizada exclusivamente pelo SUS, por meio do contrato de gestão com a Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba (SME).
Em nota enviada ao Brasil de Fato Paraná, a assessoria da Feas esclareceu, entre outros aspectos, que «as escalas de pediatras nas UPA estão de acordo com o previsto pelo Ministério da Saúde», e disse ainda que «não foi informada pelas equipes sobre eventual falta de insumos, equipamentos e necessidade de padronização de novos insumos».
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