|Revolução

Palácio de Inverno

No dia 7 de Novembro de 2022, cumpriram-se 105 anos da Revolução de Outubro. Há dias assim. Raros, mas há dias assim. Dias que abalaram o mundo – em rigor, podemos perguntar se não continuam a questionar o mundo.

Centenas de russos participaram nas cerimónias de comemoração do 104.º aniversário da Revolução de Outubro, convocadas pelo Partido Comunista da Federação Russa, que nas eleições de Setembro elegeu 57 representantes (18,93% da votação) para o parlamento. Moscovo, Rússia 7 de Novembro de 2021 
CréditosMaxim Shipenkov / EPA

Dia 7 de Novembro de 2022 cumpriram-se 105 anos da Revolução de Outubro. Os Bolcheviques conquistaram o poder. Lembremos a imagem icónica da tomada do Palácio de Inverno e a forma como o cineasta Eisenstein, dez anos depois, em 1927, recriou este episódio, com a entrada de outros corpos e outros sujeitos políticos no espaço do poder e dos czares, que até então se entendia como restrito, fechado. 

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101 anos depois: a luta continua

A Revolução de Outubro, cujo aniversário hoje se assinala, marcou o século XX e a luta dos trabalhadores e dos povos, concretizando a aspiração secular do homem - a sua libertação social e humana.

Cartaz sobre a Revolução de Outubro, com a figura de Lénine em destaque
Créditos / hackneycitizen.co.uk

Após as experiências como a Comuna de Paris, onde durante 72 dias a bandeira vermelha da classe operária flutuou hasteada no município de Paris num primeiro exercício do poder pelo proletariado, a que se seguiu a Revolução russa de 1905, a primeira grande revolução popular com a intervenção organizada da classe operária e dos trabalhadores, surgiu a Revolução de Fevereiro de 1917, que marcou o fim do poder czarista na Rússia.

Mas o século XX viria a ficar marcado pela Revolução de Outubro, cujo 101.º aniversário hoje se assinala, pelo poder político dos trabalhadores e pela construção duradoura de uma sociedade sem exploradores nem explorados, concretizando a aspiração secular do homem – a sua libertação social e humana. É o tempo em que o sonho e a utopia dão lugar a um projecto político e de transformação social, no sentido da eliminação de todas as formas de exploração e opressão.

De uma Rússia semi-feudal, dominada pelo poder repressivo dos czares e da mais alta nobreza, e fustigada pela exploração, a repressão, a pobreza, a fome e o analfabetismo, nascia a 7 de Novembro de 1917 a Revolução de Outubro, com o proletariado russo, liderado pelo Partido Bolchevique, a liderar o seu destino.

Era o princípio da construção de uma nova sociedade onde, a par de grandes dificuldades e obstáculos, se deram avanços históricos, nomeadamente ao nível dos direitos dos trabalhadores e dos povos em geral. Passaram a ser assegurados os direitos à habitação e ao ensino, com instrução geral e politécnica gratuita e obrigatória até aos 16 anos. Conquistaram-se direitos à jornada de trabalho de oito horas de trabalho e a férias pagas, mas também à assistência médica e a um sistema de segurança social universal e gratuitos.

O direito, de facto, das mulheres à igualdade, com importantes conquistas: o direito e protecção na maternidade, incluindo a licença de oito semanas antes e oito semanas depois do parto paga com salário normal; a instalação, em todas as fábricas e outras empresas que empregassem mulheres, de creches para lactantes e locais para a sua alimentação, devendo toda a operária que amamentasse o filho dispor de pelo menos meia hora em intervalos não ultrapassando três horas e o direito a não trabalhar mais de seis horas por dia.

Estes e outros direitos e conquistas demoraram largos anos a chegar a outros países, como aconteceu em Portugal, onde surgiram cerca de meio século depois.

Os grandes progressos verificados a nível mundial – políticas sociais, derrota do nazi-fascismo e libertação de países do jugo colonial – são inseparáveis da Revolução de Outubro, dos seus ideais e valores, da solidariedade política, diplomática, económica e militar da União Soviética para com a luta dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.

Com o desaparecimento da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e do socialismo como sistema mundial, o capitalismo tornou mais evidente a sua natureza com os brutais retrocessos na vida de milhões de seres humanos e o mundo mais exposto às tentativas de imposição de uma nova ordem ao serviço das potências imperialistas, não olhando a meios para atingir os seus objectivos.

No entanto, por mais que a ideologia dominante procure impor o pensamento único e proclame o contrário, este não é o tempo do anunciado fim da história, mas sim o tempo de continuar a luta pela liberdade, a democracia e o socialismo!

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Proclamava-se, então: Viva a revolução dos operários, soldados e camponeses!  

Há dias assim. Raros, mas há dias assim. Dias que abalaram o mundo – em rigor, podemos perguntar se não continuam a questionar o mundo. Que criam uma cesura no quotidiano, que rompem o dia-a-dia. Que iniciam um tempo novo. A construção do novo. Processos coletivos, partilhados. Dias que marcaram a História do século XX.  E qual a sua importância neste século XXI?

Há que usar a palavra: Revolução.

Da Rússia, naquele ano de 1917, quando ainda se lutava na Primeira Guerra Mundial, em tempos de fome e de dificuldades, em tempos de guerra e de morte, chegaram notícias extraordinárias. Inusitadas – não era o local onde se previa que ocorresse a revolução. Raras. Em certo sentido, singulares.

Para muitos, abria-se um tempo de esperança e de novas possibilidades. Era possível. De Petrogrado, defendia-se que teriam o apoio da maioria dos trabalhadores e dos oprimidos – os da Rússia e os do mundo. Afinal, a sua causa, argumentavam, era a causa da justiça. Em Portugal, se os republicanos que tinham tomado o poder em 1910 manifestaram a sua simpatia pela Revolução de Fevereiro, foi Outubro que causou entusiasmo entre os trabalhadores. De facto, pensando apenas no território europeu, podemos surpreender a ofensiva revolucionária do pós-guerra. Mais tarde, esmagada, é certo, mas existente, importante e significativa. Convoquemos o caso da Alemanha ou ainda o da Hungria. Ou o Biennio Roso, em Itália. 

«A forma como refletimos sobre a revolução, sabemo-lo, não está relacionada apenas com o passado. Provavelmente, nem sobretudo com o passado. Antes com o presente e com as formas de imaginar o futuro.»

Mas, para outros, a revolução russa significava a subversão, quase um mundo às avessas e tal não deixou de constituir um acontecimento e um processo preocupantes. Mais do que isso, existia receio, medo que essa onda vermelha, uma espécie de incêndio, se difundisse e engolisse o mundo da forma que conheciam e queriam manter. 

Em Portugal, também a esperança e o medo. Podemos relembrar a greve geral de novembro de 1918 (dinamizada por uma sensibilidade política afeta ao sindicalismo e ao anarco-sindicalismo) durante o consulado de Sidónio Pais (1917-1918). Também aqui, a opinião pública conservadora e o campo político de direita temiam a ameaça vermelha, identificada de uma forma genérica, e o sidonismo não se fez rogado na tentativa de mobilização de um campo contra a greve que também estivesse na rua.

Esta evocação dos acontecimentos do passado, desse ano de 1917, é um pretexto. Para relembrar a forma como dividiu e continua a dividir as opiniões. Mas, para trazer outras questões.

Há que pensar sobre a palavra: Revolução.

Enzo Traverso, em obra recente (Revolution: an intellectual History, 2021), leva-nos a pensar criticamente as revoluções. E analisar o conceito de revolução como chave interpretativa da história moderna.

Há que pensar sobre a palavra e sobre os sentidos que encerra. Sobre as diferentes formas de a entender. Porque, afinal, a forma como refletimos sobre a revolução, sabemo-lo, não está relacionada apenas com o passado. Provavelmente, nem sobretudo com o passado. Antes com o presente e com as formas de imaginar o futuro. 

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Entrevista a Žižek. Tomar os céus de assalto vale bem uma dança

Slavoj Žižek, um dos maiores nomes da filosofia contemporânea, dá uma entrevista ao AbrilAbril sobre a forma como os 150 anos da Comuna de Paris podem inspirar novas revoltas lógicas.

CréditosHyoung Jeon/EPA / Lusa

Em 2009, o pensador esloveno organizou, com o seu camarada de pensamento Alain Badiou, um encontro no qual participaram 15 nomes da Filosofia contemporânea sobre «A Ideia do Comunismo». O conceito do evento baseava-se no nome de comunismo que continuava a ser o mais indicado para, usando a expressão do Marx sobre a experiência da Comuna de Paris, tomar os céus de assalto. Esta conversa tem como pretexto a primeira tentativa de os explorados tomarem o poder, mas não fica no passado. A discussão é sobre os combates do presente e as suas ligações a esta corrente da História e das lutas.

O aniversário da Comuna de Paris é uma recordação de uma outra época perdida ou é uma data que ainda ecoa nos dias de hoje?

Penso que é uma data muito importante, mas ambígua nos dias de hoje. Em primeiro lugar, não nos podemos esquecer, se somos comunistas, que apesar de haver a propensão para apresentar a Comuna de Paris como um desenvolvimento das ideias de Marx em relação às revoluções, nos communards havia muitas tendências: anarquistas, federalistas, blanquistas e dentro deles os membros da primeira Internacional, fundada por Marx e Engels. Os marxistas estavam em minoria. No entanto, o significado especial da Comuna de Paris é ser a primeira vez que as classes trabalhadoras tentam conquistar o poder e criam uma verdadeira zona libertada.

Apesar da sua duração efémera, não podemos subestimar o que significou como referência para revoluções posteriores.

Não sei se as pessoas conhecem este episódio real passado com Lenine, depois da Revolução de Outubro, quando os bolcheviques conseguiram manter-se no poder mais de 73 dias, ultrapassando o número de dias que a Comuna de Paris sobreviveu. Lenine, isto está provado, ficou tão feliz que começou a dançar no meio da neve. Era algo completamente incrível. Lenine tinha dois modelos - os jacobinos e a Comuna de Paris.

Temos de celebrar estes 150 anos, claro. O problema é como pode ser lido o que aconteceu e quais as implicações nos dias de hoje.

O que caracteriza agora a situação nos países ditos desenvolvidos é uma insatisfação crescente das pessoas com os sistemas de representação democrática que temos, que não conseguem captar a vontade das gentes. Ambicionam mais democracia, mas assistimos a uma espécie de revolta, dessas mesmas pessoas, contra a forma como funciona o sistema democrático.

«Quando os bolcheviques conseguiram manter-se no poder mais de 73 dias, ultrapassando o número de dias que a Comuna de Paris sobreviveu Lenine ficou tão feliz que começou a dançar no meio da neve.»

Veja-se o caso das manifestações do «coletes amarelos» em França, onde no início não havia nenhuma comunicação entre os representantes eleitos do povo e os manifestantes. Isto mostra a crise da democracia parlamentar. É claro que ela já não funciona no capitalismo.

Precisa de ser suplementada pelos dois lados: pela base, com a auto-organização das pessoas, mas também pelo topo. Necessitamos de governos com projectos a longo prazo.

Não sou simpatizante da forma como a China está a ser governada hoje. Mas falei há pouco tempo com um chinês que me disse algo muito interessante: que o problema no Ocidente é que os governos apenas pensam como podem sobreviver nas próximas eleições. Na China não há esse problema, já se sabe quem estará no governo. A questão põe-se como é que a China se vai tornar na primeira potência mundial em 2050, ou até antes. Eles conseguem pensar a longo prazo.

A Comuna tinha essa outra forma de pensar como mudar o poder e as suas preocupações?

É por isso que a Comuna de Paris é actual. Na Comuna de Paris houve uma revolta daquilo que era precário, dos pequenos artesãos, dos elementos mais frágeis da pequena burguesia, mobilizaram-se as classes trabalhadoras, que ainda não eram aquilo a que chamaríamos de classe operária clássica.

Isso é muito actual, todo o descontentamento que vemos hoje não fica esgotado na tradicional classe operária. Existem precários, mulheres com trabalhos não remunerados, empregados e até pessoas que são exploradas mesmo sem terem trabalho.

Veja-se o caso de um país da América Latina como o Equador. Até se pode não ser explorado por multinacionais que operam lá, mas essas empresas arruínam o ambiente. Não se é explorado na forma clássica, mas é-se «explorado» em termos da própria vida, porque o ambiente e a própria existência são destruídas por essas empresas. Isso acontece na Índia, na América Latina, em África e em muitos sítios do planeta.

A Comuna de Paris pode dar-nos ensinamentos sobre o campo de luta. O problema é que hoje, na situação actual, o modelo da democracia local – pessoas auto-organizarem-se em conselhos - tem certos limites. Temos de ter capacidade de construir redes mais globais.

Hoje, se quisermos lidar não só com a pandemia mas até com as catástrofes ecológicas tem de haver uma forte cooperação internacional. A democracia local não chega para resolver os problemas do presente. Temos que reinventar outras formas mais globais. Não acredito num governo mundial, mas é preciso chegar a um outro nível.

Vejamos o caso da energia e no que temos de fazer para conseguir electricidade e energia suficientes. Isto não é possível a nível local, muitas vezes nem a nível nacional, precisamos de uma espécie de larga cooperação internacional. Por isso, o meu pessimismo.

A Comuna de Paris falhou, por que é que se mantém no nosso imaginário?

Penso que a Comuna de Paris estava destinada a falhar. Estou convencido que mesmo a maioria dos franceses, por manipulação e preconceitos ideológicos, se opunha à Comuna. Foi um acontecimento muito circunscrito, mas algo de extraordinário se passou, algo que transcendeu rebeliões anteriores, como a dos escravos espartaquistas, em que pretendia-se um regresso a alguma situação imaginada de um passado, como um regresso à comunidade de origem.

«Foi um acontecimento muito circunscrito, mas algo de extraordinário se passou, algo que transcendeu rebeliões anteriores, como a dos escravos espartaquistas, em que pretendia-se um regresso a alguma situação imaginada de um passado, como um regresso à comunidade de origem. Na Comuna, pela primeira vez, desejou-se um mundo novo, algo não existente»

Na Comuna, pela primeira vez, desejou-se um mundo novo, algo não existente. Olhar para a Comuna de Paris permite-nos repensar algumas ideias do marxismo. Temos de conseguir incorporar no «proletariado» de hoje, não apenas os trabalhadores clássicos, mas muitas pessoas e camadas em luta, como as populações indígenas, os trabalhadores precários, e muitos outros dos atuais explorados.

A Comuna de Paris não é passado, é um momento da História em que, pela primeira vez, se pensou em mudar tudo.

Citou várias vezes, nos seus livros, uma passagem de Fredric Jameson na qual dizia que o maior problema é que as pessoas imaginam como mais possível uma invasão de extraterrestres do que o fim do capitalismo. Este não é o problema de teses que se ficam por uma maior democracia sem pôr na ordem do dia o fim do capitalismo?

Sim, tem sido difícil imaginar sociedades para além do capitalismo mas, ao mesmo tempo, o próprio capitalismo está a mudar, está a entrar numa nova fase em que há possibilidades de luta contra ele, emancipatórias.

Veja-se como, no meio desta crise, o que até políticos conservadores são obrigados a fazer. Biden está a «dar» 1,9 biliões de dólares, sobretudo às empresas mas também às pessoas para a enfrentarem. Isto é quase uma espécie de rendimento básico incondicional para quem trabalha. Quando olhamos para a pandemia e a crise ecológica percebe-se que o mercado global capitalista não consegue responder a estas questões. É necessária uma economia cada vez mais socializada. Os mercados podem ser competitivos localmente para motivarem as pessoas pela concorrência, mas globalmente a economia de mercado capitalista não funciona.

O que é fascinante com esta situação de pandemia – não acredito que nos leve ao comunismo – é que se alguém tivesse proposto há dois anos políticas que hoje os conservadores são obrigados a fazer como dar dinheiro a pessoas comuns, dizer que é preciso serviços nacionais de saúde universais, admitir que o aquecimento global é um problema, ninguém acreditaria que fosse possível que tudo isso apareça na agenda política da actualidade. São problemas que não podem ser resolvidos no campo do capitalismo.

O paradoxo é que a sucessão de crises compelem-nos a pensar fora do quadro do capitalismo. Voltando a Biden, que é tudo menos socialista, ele entregou 1,9 biliões de dólares. É uma acção completamente louca dentro do capitalismo de mercado.

Muitos amigos meus dizem que o capitalismo faz sempre isso quando há uma guerra ou uma crise generalizada e que depois tudo voltará ao «normal». Eu acho que simplesmente não haverá nenhum retorno possível ao normal.

Com a pandemia, a crise vai agravar-se e vai haver novas e grandes explosões sociais. O irónico é que apesar da maioria das pessoas ainda não ser capaz de imaginar um mundo sem capitalismo, mesmo os que estão no poder são obrigados a fazer políticas fora do quadro do capitalismo.

É um ponto de não retorno?

Estamos num momento incrível. O capitalismo, como o conhecíamos, está sob fogo. Por isso tentam inventar um novo capitalismo. Temos Trump, Bolsonaro e o momento bárbaro, deixem as pessoas morrer e os lucros e os mercados funcionarão por si; temos, por outro lado, o capitalismo tecnocrático de Bill Gates, Zuckerberg e companhia - um capitalismo digital de vigilância.

Até os capitalistas sabem que tudo está a mudar e que não se vai regressar ao velho capitalismo. Não subestimem o que está a provocar a pandemia. Vejo potencialidades emancipatórias para depois da pandemia. São apenas possibilidades, pode até acontecer que tudo piore e caminhemos para sociedades ainda mais autoritárias.

Não estamos apenas numa crise sanitária, em que se tem de esquecer a política e tratar de sobreviver, as sociedades estão a mudar radicalmente.

Estou de acordo com aqueles que dizem que esta classe de capitalistas muito ricos, como Bill Gates, Jeff Besos, Zuckerberg e outros, fazem o capitalismo tornar-se semifeudal.

A exploração mudou. Não só existe apropriação do trabalho que produz mercadorias, como a nossa própria comunicação com os outros e até o tempo da nossa vida é privatizada. Se queremos comunicar temos de lhes pagar uma renda. É esta a alteração radical do capitalismo. Em vez de filosofar e dizer que não temos um modelo do que pode ser a sociedade para além do capitalismo, eu, como bom marxista, diria: vejam o que está a suceder com o próprio capitalismo.

O capitalismo sobreviveu a várias crises, as crises são muitas vezes a forma de funcionar do próprio capitalismo. Voltando à Comuna de Paris, não é preciso inventar instituições diferentes das capitalistas. Para além das explosões de manifestações cíclicas, não se tem de inventar outras formas novas de poder?

Concordo, mas penso que a pandemia e a crise abrem uma brecha no capitalismo. Mesmo quando pensamos nos momentos simpáticos, como o «Occupy Wall Street» nos EUA, onde milhares de manifestantes, na maioria jovens de classe média, tinham reivindicações muito limitadas; se virmos os «coletes amarelos», em França, que simplesmente não tinham a capacidade de traduzir o seu descontentamento numa nova forma social de organização. O mesmo se passou com os indignados e a formação do Podemos em Espanha que hoje não passam de uma parte pequena da social-democracia.

Mas concordo que o preço que estamos a pagar por isso é a erupção de um novo populismo de extrema-direita. Quando se diz que não há alternativa ao capitalismo, eu afirmo que o capitalismo está numa crise profunda e a prova é o aparecimento do populismo de extrema-direita.

Como dizia Walter Benjamin, «cada fascismo é um sinal de uma revolução falhada». Hoje, o emergir do populismo de extrema-direita é um sinal de insatisfação que a esquerda não conseguiu canalizar. Por isso sou optimista a longo prazo.

Bernie Sanders disse uma coisa extraordinária. Afirmou que o Partido Democrático não se devia preocupar com a classe média alta, e que os seus votantes são muitos daqueles que votaram no Donald Trump, que estão insatisfeitos com a liberalização económica e que ficarão insatisfeitos com as soluções de mais neoliberalismo de Trump.

Devemos apresentar-lhes outras soluções. Não dou como adquirido que o capitalismo não se consiga reinventar. É possível. Mas vejamos no que o capitalismo se está a tornar. Os países capitalistas com mais sucesso são os modelos autoritários de capitalismo que juntam modelos de crescimento dos lucros com o nacionalismo ditatorial.

O problema, regressando a Benjamin, é que existe uma crise do capitalismo e o aparecimento da extrema-direita, mas, ao contrário dos anos 30, não existe um forte movimento operário, comunista, revolucionário mundial, nem a União Soviética, para se oporem ao ascenso do nazismo.

O grande desafio é como reinventar a esquerda. Podemos ser eficientes na luta contra a Covid-19 e no controlo das alterações climáticas sem cair num modelo autoritário chinês de controlo social. Muita gente elogia a forma como a China conseguiu controlar a Covid-19. Mas esse não pode ser o único critério.

Em Taiwan, que nada tem a ver com o comunismo, conseguiram controlar, de maneira autoritária, ainda melhor do que na China continental.

Precisamos de novas formas de solidariedade e de sociedade. Mas, a este respeito, não sou optimista a curto prazo. O meu optimismo alimenta-se do meu pessimismo. Esta crise vai aprofundar-se e obrigar mais gente a bater-se por socializar as coisas e colocar cada vez mais a economia em comum. Terá de haver um controle social de combate às pandemias, de produção das energias e de como combatemos a degradação ecológica. Nesse sentido, sim, sou optimista. Não acho que esta crise seja resolvida com as vacinas. As pandemias vão-se suceder e para as combater é preciso novas formas de resposta social fora do capitalismo.                               

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Autor de Artigo Livre: 
Nuno Ramos de Almeida

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É ainda Traverso que, explicando porque não tem um capítulo neste seu longo ensaio dedicado à questão da violência, aponta algumas posições historiográficas. Assim, relembra os historiadores conservadores que estigmatizam, frequentemente, as revoluções como a fonte do totalitarismo moderno. 

A ideia de revolução, mas também as imagens dos revolucionários e das revolucionárias, são apresentadas de outra forma. Estes homens e estas mulheres, os seus combates, passaram a ser vistos, por uma parte do campo político, com suspeita, de forma crítica, muitas vezes acentuando apenas a violência destes processos e tantas vezes obliterando a violência e a opressão dos contextos que foram parte das suas causas. Mas afinal, não são violentas as margens que oprimem esse rio? para voltar a Brecht. Não se pode retirar a agência dos homens e das mulheres que se constituíram como sujeitos políticos, subsumindo-os a massas controladas por líderes. Ou a forma como, em certos casos, a revolução e os processos revolucionários são entendidos como incómodos, as interrupções de processos que iam chegar a bom porto – eventualmente. Chegariam? Parecem dizer-nos que há repertórios de ação que não são legítimos. Afinal, o que se pode fazer?

Não se pode ter como objetivo político a ruptura, a transformação?
Também em torno da ideia de Revolução há batalhas a serem travadas. Em torno da possibilidade de mudar o mundo. Afinal, não continuam a existir Palácios de Inverno?


A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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