A sua aplicação teve profundas consequências no Ensino Superior e no sistema científico nacional. O governo PS da altura, juntamente com sua a maioria parlamentar, que aprovou o diploma (com o voto contra de todos os restantes partidos da oposição), anunciaram este regime como um instrumento fundamental para «agilizar» a tomada de decisão dentro das instituições e promover a sua «abertura» à sociedade civil.
Por iniciativa da FENPROF, e após quase 15 anos de vigência, o processo de avaliação do RJIES iniciou-se oficialmente na Assembleia da República, abrindo-se um espaço de debate e reflexão que deverá ser aproveitado para mobilizar toda a comunidade académica em defesa de um Ensino Superior público e ao serviço do País.
«Após década e meia de aplicação, podemos apontar três grandes pecados mortais [...]: diminuiu a participação democrática da comunidade académica na gestão das instituições [...], abriu as portas aos grandes interesses económicos [...], deu o tiro de partida para a privatização da ciência e do Ensino Superior.»
O RJIES determina no seu artigo 185.º que a sua aplicação deverá ser avaliada cinco anos após a sua entrada em vigor. Ou seja, deveria ter sido avaliado em 2013. Apesar dos sucessivos apelos da FENPROF, tal só foi possível recentemente, certamente com o contributo das milhares de assinaturas reunidas à volta de uma petição exigindo uma urgente avaliação e revisão do RJIES e entregues pela FENPROF em maio do ano passado na Assembleia da República. Após década e meia de aplicação, podemos apontar três grandes pecados mortais.
Em primeiro lugar, diminuiu a participação democrática da comunidade académica na gestão das instituições. Os docentes e investigadores limitam-se a eleger periodicamente o conselho geral (acabou a eleição direta da reitoria) e, nos intervalos, estão amarrados aos seus projetos de investigação, e sujeitos a regimes de avaliação altamente competitivos que comprometem qualquer intervenção crítica sobre o funcionamento das suas instituições.
Em segundo lugar o RJIES abriu as portas aos grandes interesses económicos, cuja presença nos conselhos gerais passou a ser obrigatória. Cavalgando a necessidade de adequar a produção científica e a formação de quadros às necessidades do tecido produtivo, o RJIES legitimou o subfinanciamento das instituições de ensino superior, impondo uma lógica de captação de receitas próprias vindas do setor privado. A agenda científica das instituições transformou-se hoje numa quimera à procura de fontes de financiamentos europeus, relegando o sujeito de investigação para segundo ou terceiro plano.
«A precariedade é hoje a marca de água das instituições de Ensino Superior em Portugal.»
Finalmente e em terceiro lugar, ao permitir a transformações das instituições em fundações de regime de direito privado, ou ao incentivar a criação de «instituições privadas sem fins lucrativas» no próprio seio das instituições públicas onde estas mantêm hoje em regime de «apartheid» centenas de investigadores precários, o RJIES deu o tiro de partida para a privatização da ciência e do Ensino Superior.
A precariedade é hoje a marca de água das instituições de Ensino Superior em Portugal. Em 2021, cerca de 40% dos docentes eram trabalhadores precários. A proporção aproxima-se dos 90% quando falamos dos investigadores. Com a precariedade, floresce todo o tipo de abuso e exploração. Doutorados contratados como assistentes, horários completamente desregulados, contratos de setembro a julho, obrigatoriedade de compensar feriados, tudo vale para explorar trabalhadores e tudo, direta ou indiretamente, é permitido ou tolerado por este RJIES, que bem merecia ser enviado para o caixote do lixo da história.
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