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Governo quer «combater» a especulação dos preços com… um selo

Num debate de urgência requerido pelo PCP sobre a especulação de preços de bens essenciais e as medidas a travar, o Governo foi parco nas respostas e como grande solução apresenta um selo nos «produtos que tiverem um preço justo». 

CréditosJosé Coelho / Agência Lusa

A urgência do debate espelhava a urgência necessária para a resolução dos problemas. Nos últimos dias têm-se assistido a acções da ASEA em vários supermercados de modo a fiscalizar os preços praticados e os processos-crime instaurados aos supermercados confirmam o aproveitamento dos grandes grupos económicos. A pretexto da guerra e da inflação as práticas têm sido no sentido de inflacionar os preços de modo a alargar as margens brutas de lucro. 

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Os Mesmos de Sempre a Pagar reagem ao «paternalismo» da CEO da Sonae

Em carta aberta entregue hoje na Sonae, o movimento «Os Mesmos de Sempre a Pagar» repudia as declarações de Cláudia Azevedo, que apenas expressam o «quão imoral é a ganância com que gere as empresas de que é responsável».

A 18 de Janeiro de 2023, Cláudia Azevedo, CEO da Sonae, participou no Fórum Económico Mundial, em Davos, onde defendeu que «as empresas precisam de ter um propósito e viver os seus valores de forma autêntica». Um dos valores fundamentais para a empresa gerida pela CEO é o aproveitamento das circunstâncias para aumentar abusivamente os preços e os lucros sem aumentar os salários. 
Créditos / Sonae

A missiva dos Mesmos de Sempre a Pagar foi entregue hoje, em mãos, nos escritórios da Sonae em Matosinhos. Uma resposta directa à carta que Cláudia Azevedo, CEO da empresa, escreveu aos trabalhadores do Continente, hipermercado do grupo, em que alerta para a «campanha de desinformação» de que estão a ser vítimas as empresas do sector (muitas das quais tiveram lucros recorde em 2022).

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Sobre a inflação, Claudia Azevedo da SONAE inflaciona a vitimização

Após as recentes notícias sobre a ASAE vir a instaurar 51 processos-crime por especulação nos preços dos bens alimentares em cadeias de supermercados em Portugal, Cláudia Azevedo envia carta aos trabalhadores onde diz haver «uma campanha de desinformação».

Créditos / visao.sapo.pt

Esta semana a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) investigou o aumento do preço dos bens alimentares e numa entrevista ao Expresso, Pedro Portugal Gaspar, Inspetor-Geral da ASAE, deu elementos que tornam ilustrativas as desconfianças de aproveitamento relativamente ao aumento do custo de vida.

De acordo com o entrevistado, verificaram-se aumentos de 52% na cebola, 48% na laranja, 45% na cenoura e nas febras de porco ou 43% nos ovos. Segundo os dados da ASAE, o cabaz de bens essenciais disparou para mais de 96 euros num ano, sendo que nessa evolução devemos ainda ter em conta que em janeiro de 2022 estava em 74,90 euros e no mês de Fevereiro passou para 96,44 euros. Todos estes elementos levam à conclusão de que as margens brutas, ou seja, a percentagem de lucro obtida com a venda de produtos, considerando o custo de aquisição junto dos fornecedores e produtores e o preço a que, posteriormente os produtos são vendidos, aumentaram.

Numa rápida reacção, até porque seria necessário salvaguardar os interesses de quem tem ganho com a especulação e com a imposição de dificuldades, Gonçalo Lobo Xavier , director-geral da Associação de Empresas de Distribuição, veio a público tentar ludibriar quem, por culpa dos supermercados, está a passar por dificuldades. Para o representante dos interesses dos grandes grupos económicos, a ASAE lançou suspeitas «misturando conceitos», com o objectivo de «confundir pessoas» e relativamente à sua classe: «Não estamos a aumentar os preços por recriação, estamos a refletir, infelizmente, o que a produção e a indústria nos estão a transmitir». 

Naturalmente que Gonçalo Lobo Xavier não iria admitir o óbvio, mas não consegue explicar os lucros extraordinários das grandes empresas. A título de exemplo, só a Sonaecom registou um lucro consolidado de 143 milhões de euros em 2022, mais 19% do que em 2021. Este dado escandaloso, aliado à batuta do  director-geral da Associação de Empresas de Distribuição e os salários de miséria praticados no sector obrigou a CEO da SONAE a dirigir uma carta aos trabalhadores do Continente. 

A carta em questão, um tratado de vitimização, Cláudia Azevedo diz haver uma «campanha de desinformação» e que tal provoca «danos gravosos para a reputação do sector da distribuição alimentar». Nunca falando dos lucros, a empresária reconhece que existe inflação dos produtos alimentares, mas que tal é consequência de um «fenómeno global». Procurando a compreensão dos trabalhadores, foi escrito na carta, sempre com o plural empregue, a seguinte tentativa de reescrita da realidade: «Como sabem, baixámos as nossas margens para acomodar o aumento dos custos». 

Terminando o exercício de manipulação, a herdeira de Belmiro de Azevedo termina dizendo «não podia deixar de nos escrever para transmitir o orgulho que tenho na equipa do Continente, nesta altura em que a sua reputação está a ser atacada, e de dizer que podem contar com a Sonae para continuar a ser um motor de desenvolvimento para Portugal». Talvez a CEO tenha a esperança que os trabalhadores, aqueles que têm dificuldades em meter comida em cima da mesa porque são confrontados com os preços praticados pelas empresas como o Continente, ignorem os lucros anunciados pela Sonae, o que consta no seu recibo de vencimento no final de cada mês e os salários dos administradores da empresa.

Para desmentir toda a narrativa de Gonçalo Lobo Xavier e Cláudia Azevedo, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em comunicado, diz que enquanto os lucros das grandes empresas aumentam, o «rendimento dos agricultores desceu 11,8% em 2022, segundo o INE» e espera que «as notícias vindas a público não sejam apenas “fogo de vista”», sendo necessário tomar medidas, uma vez que «este é mais um dos exemplos de que o mercado não se auto-regula e que em Portugal reina a lei do mais forte».

A CNA reclama «a promoção e adopção regulamentar dos circuitos curtos e mercados de proximidade, designadamente através de cantinas e outros estabelecimentos públicos, de forma a garantir às explorações agrícolas familiares o escoamento da produção nacional a preços justos e aos consumidores o acesso a produtos de qualidade e proximidade a preços acessíveis». 

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Esquece-se, Cláudia Azevedo, «que os trabalhadores a quem se dirige conhecem os lucros anunciados pela Sonae e sentem na pele as dificuldades provocadas pelos preços praticados pelos supermercados, cujo grande número é propriedade da Sonae». A essas dificuldades, afirma o movimento, acrescem os «salários miseravelmente baixos que levam para casa»: responsabilidade directa de Cláudia Azevedo.

Não vale a pena tentar disfarçar, «eles sabem bem que os vossos lucros foram e continuam a ser acomodados no aumento dos preços».

Se mais não houvesse a condenar na missiva, o facto de colocar o ónus da questão numa campanha de desinformação sobre as causas da inflação alimentar, com danos gravosos para a reputação do sector da distribuição já seria suficiente: afinal, num momento tão difícil, a Sonae registou um lucro consolidado de 143 milhões de euros em 2022, mais 19% do que em 2021.

«Como cidadãos preocupados com estes aumentos escandalosos dos preços, principalmente nos bens alimentares e de primeira necessidade, consideramos urgente e necessário o controlo e fixação dos preços
dos bens essenciais, para além do aumento geral dos salários, tal como consideramos totalmente desnecessárias e desrespeitosas campanhas de desinformação, venham elas de onde vierem», mas «muito especialmente quando vêm de quem efectivamente especula».

O movimentos «Os Mesmos de Sempre a Pagar - Contra o Aumento do Custo de Vida» está a convocar à participação dos activistas e população na manifestação promovida pelo CGPT-IN no próximo Sábado, 18 de Março, 14h30, em Lisboa.

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Se em muitos debates as diferenças são bem vincadas, este é um desses. À direita, IL, PSD e Chega colocaram-se do lado das grandes empresas, na defesa das suas práticas especulativas e viraram acusaram o Estado de asfixiar as empresas que lucram milhões. O alinhamento com os grandes grupos económicos era tal que o Chega, chegou a usar o mesmo tipo de argumentos que Claudia Azevedo usou na vitimização endereçada aos trabalhadores e disse haver «uma campanha».

A Iniciativa Liberal limitou-se a ter intervenções ofensivas para quem passa dificuldades. Carlos Guimarães Pinto, procurando de forma ineficaz explorar uma possível impossibilidade de regular preços, trouxe para o debate o preço das ervilhas. Entre vários preços ditos, acabou por dizer que as pessoas que não têm dinheiro podem muito bem comprar as mais baratas e que isso seria um bom exemplo da forma como o mercado funciona.    

A piada da tarde vai para o modelo de actuação do Governo do PS. Na ausência da ministra da Agricultura, algo lamentado pelo deputado do PCP, João Dias, dada a vontade da ministra em falar aos órgãos de comunicação social, o Governo fez-se representar pelo Secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda. Na sua intervenção, o secretário de Estado disse que o Governo reconhecia a existência de um problema, dizendo que a inflação no final do ano passado era 8,6%, abaixo da média da UE, mas quando olhamos para a inflação dos bens alimentares, este valor ultrapassa os 21%. 

Nuno Fazenda chega a dizer que «Portugal é dos países da europa com preços mais caros dos bens alimentares», mas quando o necessário seria desenvolver acções concretas para contrariar o diagnóstico feito, nada surgiu. Foi falando de uma acção no terreno por via da ASAE, foram mencionados apoios às famílias e às empresas, mas de real combate à especulação nada foi dito além de um selo para afixar nos produtos alimentares que tenham um preço justo.

Contrariando as narrativas reveladoras dos compromissos, João Dias do PCP procurou sempre combater o cenário catastrofista que a direita pinta com a possível escassez de alimento caso fossem definidos tectos para os preços, dando o exemplo da gasolina na Região Autónoma da Madeira ou os medicamentos. Além disso, relembro que eliminar imposto não faz com que o preço desça, tal como se viu com a eliminação do ISP nos combustíveis. 

O comunista procurou ainda ilustrar as dificuldades com que as famílias estão confrontadas, dando o exemplo da alface frisada que nos supermercados está a 2,99€ e no productor está a 0,78 cêntimos, o exemplo dos brócolos que nos supermercados estão 2,29€ e no productor estão a 1,19€, ou o exemplo da cenoura que nos supermercados está a 1,39€ e  no productor 0,60€. Na sua última ronda, dada a contínua ausência de respostas por parte do secretário de Estado, o deputado comunista foi obrigado a concluir que «o PS não está disponível para resolver os problemas do país». 

 

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