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Cooperativas habitacionais e uma acção governamental com zero propostas

O Governo quer agora apoiar as cooperativas habitacionais para fazer face ao problema da Habitação, muito embora não tenha apresentado propostas concretas no pacote «Mais Habitação». Na ausência de vontade nunca se aguça o engenho.

CréditosMiguel A. Lopes / Lusa

Parte do enquadramento constitucional relativo ao direito à Habitação prevê nas cooperativas habitacionais uma das arestas capaz de dar resposta à questão. Naturalmente correspondeu a uma necessidade histórica, mas uma necessidade que não se foi mitigando de acordo com o desejável.

Assim como o Estado, por via dos sucessivos governos, se foi desresponsabilizando do seu papel na construção de habitação pública, pelo mesmo motivo as cooperativas habitacionais foram perdendo a sua pujança inicial. Poder-se-iam apresentar mais causas para tal fenómeno, no entanto, a raiz do problema é mesmo a falta de apoio e dinamização do Estado. Enquanto se assistiu a essa desresponsabilização, e dois terços das respostas à Habitação constitucionalmente previstas se iam definhando ou subdesenvolvendo, o Estado, correspondendo à sua imposta natureza, privilegiou a iniciativa privada, flexibilizou-lhe licenciamentos e construção, incentivando as bolhas especulativas. 

A actual situação nacional obrigou o Governo PS de maioria absoluta a desenvolver um conjunto de medidas que aparentassem dar uma respostas, sem, no entanto, as dar. O pacote «Mais Habitação» representa um opção do Governo em não dar combate à especulação imobiliária, vendendo a suposta ideia de travar um combate contra ela. Na realidade, apenas prevê construir 9000 casas até 2030 e apenas, para já, ter 1000 casas com arrendamento acessível no mercado regulado, oferecendo beneficios aos senhorios. A resposta nos dois domínios é insuficiente e, neste caso, não há uma alteração nas cooperativas habitacionais.

Segundo dados do jornal Público, chegaram a ser 500 as cooperativas em Portugal: hoje não chegam a 20. O Governo vinha já a prometer a dinamização deste sector, mas o problema está na confusão de meter o sector no mesmo saco que o privado, quando a natureza, especificidade e objectivo de ambos não é a mesma. Como tal, apesar de estarem à parte da esfera e iniciativa estatal, cada um tem um regime jurídico próprio. O Decreto-lei 218/82 assim o comprova, com a definição de possíveis componentes de âmbito social.

As promessas viriam a ser apenas isso, não havendo políticas efectivas nem a sua menção aprofundada no léxico governativo. O pacote «Mais Habitação» já trouxe alguma novidades, mas também pouco palpáveis. Pelo menos, na primeira audição da ministra da Habitação na Assembleia da República não foram as cooperativas habitacionais as merecedoras de destaque por parte da tutela. No pacote de medidas também não são, é certo, mas isso permite ao Governo dizer que está a agir, não se sabe é como. 

No afamado pacote estão contidas três medidas dirigidas ao sector cooperativo, mas, na verdade, só uma delas é que é exclusiva, já que as restantes estão englobadas nas medidas para as entidades com fins lucrativos. A medida, para já, não passa de um slogan («Nova Geração de Cooperativismo para Promoção de Habitação Acessível») e a par disso prevê apenas criar projectos-piloto de modelos de habitação colaborativa e de espaços de organização partilhada. A ideia parece interessante, tinha o prazo de 6 meses para ser apresentada enquanto projecto e passados dois meses ainda nada foi dito, apesar de ter sido levantada pelo PS em 2019.

Sem ser isto, o que há é apenas uma linha de crédito com uma bonificação e disponibilização de terrenos e património público, os mesmos a que os privados poderão recorrer. A questão é que não partem ambos do mesmo ponto de partida: se o sector privado está mais que consolidado, poderá comer a maior fatia do bolo, enquanto o sector cooperativo, enfraquecido como está, apenas beneficiará de uma migalha. Sem grande visão, parece que o Governo apenas colocou a habitação cooperativa no seu pacote de medidas porque este consta na Constituição da República, de forma a não ter que assobiar para o lado.

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