|Comissão de inquérito à TAP

Presidente não executivo da TAP: corte nos trabalhadores «foi até ao osso»

Na audição de Manuel Beja ficou mais uma vez demonstrado que a administração e o Governo agiram na TAP como se de uma empresa privada se tratasse, conjunturalmente com uma maioria de capital nas mãos do PS.

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

A sessão começou com o PCP a questionar a legalidade e a motivação da forma adoptada para encetar a reestruturação da TAP: quando a empresa passa a estar 100% sobre capital público, no final de 2021, a TAP SA sai da TAP SGPS, ficando as suas acções na Direcção-Geral de Tesouro e Finanças (DGTF), enquanto as acções da TAP SGPS ficam, maioritariamente, na Parpública, deixando a TAP SA de consolidar as suas contas na TAP SGPS, apesar de o seu capital ser todo público e a tutela financeira ser a mesma, e a Parpública até existir para gerir as participações sociais do Estado. Duas empresas artificialmente colocadas como juridicamente independentes, mas que mantêm a mesma administração, que produziam acordos assinados nas duas partes pelas mesmas pessoas, e que mantinham relações estreitas umas com as outras. Um artificialismo similar ao usado no processo de «nacionalização» para reprivatizar o BES.

Para confirmar o artificialismo, Manuel Beja ainda adiantou que «agora, é preciso transferir a Cateringpor, a Portugália e a UCS para a TAP SA», deixando na SGPS apenas a Manutenção Brasil, a SPDH e uma grande parte do passivo, o que levou o PCP a sublinhar não ser estas as formas de gerir empresas públicas.

Perante a evidente ilegalidade da situação em que os administradores da TAP aceitaram ser colocados pelo Governo, risco que aliás Manuel Beja chega a reconhecer em comunicações com a tutela, a resposta do próprio foi a de que: temos pareceres jurídicos que dizem que a coisa se pode fazer. Aliás, uma das questões que se destacou ao longo da noite e das sucessivas respostas a várias questões foi o recurso sistemático a auditorias e assessorias externas pela administração da TAP, que apareciam em cada tema abordado: o acordo de saída de Alexandra Reis é ilegal, mas nós agimos de boa-fé com base em duas assessorias jurídicas externas contratadas pela TAP; a Auditoria ao pagamento de prestações eventualmente ilegais, como as detectadas ao administrador da gestão privada Max Urbahn, está encomendada a uma empresa externa; o processo de encerramento da Manutenção Brasil está encomendado a outra assessoria externa; o contra-parecer ao parecer da DGTF? Encomendado a um gabinete externo; a nomeação de dois directores não executivos? Encomendada a três empresas de recrutamento de gestores. E assim sucessivamente.

Uma postura na gestão que, desde logo, procurava ilibar os administradores de toda a responsabilidade pelas decisões e suas implicações e que subjacente à lógica que as soluções jurídicas se compram e quem mais tem mais consegue torcer a lei a seu favor. Por outro lado, também assenta na desvalorização dos serviços jurídicos e administrativos da TAP, em muitos casos destruídos pela política de redução de trabalhadores.

Confrontado por Bruno Dias, que criticou a forma como são ignorados e desconsiderados os especialistas em direito que estão nas empresas do sector público e sublinhou que o gabinete jurídico da TAP nunca teria dado um tão mau aconselhamento jurídico como o que produziu o Acordo de Alexandra Reis, Manuel Beja lá acabou por reconhecer que o corte nos trabalhadores «foi até ao osso», descapitalizando a TAP em muitos sectores. Ao que o PCP ripostou que se essa lição for tirada, para algo já terá servido a Comissão de Inquérito.

Dos riscos assumidos pelos gestores também se voltou a falar, a propósito da subscrição de seguros de responsabilidade corporativa com uma cobertura inicial de cinco milhões de euros, depois alargada a 100 milhões. Primeiro, Manuel Beja tentou desvalorizar a questão, garantindo que a mesma se destinava a cobrir custos provocados por processos com acidentes aeronáuticos, mas quando lhe recordaram que Alexandra Reis admitia usar esse seguro para processar o Estado, e lhe pediram que, em coerência, garantisse que não tinha essa intenção, Manuel Beja recusou-se a assumir tal compromisso. Como o conteúdo e custos concreto dos seguros já está requerido, iremos mais à frente poder tirar ilações sobre o assunto.

Os sucessivos momentos em que a administração da TAP solicita a orientação da tutela (nomeadamente sobre a elaboração de contratos de gestão e nomeação de administradores em falta) e esta não responde, mostram que, a par de uma intervenção na gestão corrente inapropriada em questões menores, o poder político aparece mais preocupado com a gestão política do dossier TAP do que com a criação de condições para o funcionamento regular da empresa.

Mais uma vez ficou demonstrado que a administração e o Governo trataram a TAP como se esta não fosse uma empresa pública, agindo como se de uma empresa privada se tratasse, conjunturalmente com uma maioria de capital nas mãos do PS.

Esta audição revelou outras questões com interesse, como a Manutenção Brasil, cujo encerramento Manuel Beja considera ser a grande vitória desta administração. Uma empresa que nunca deveria ter sido comprada, e que já custou à TAP, a fazer fé nos seus Relatórios e Contas, mais de 1,4 mil milhões de euros. Como sublinhou Bruno Dias, o prejuízo causado à TAP pela Manutenção Brasil foi superior ao prejuízo provocado pela pandemia, o que talvez justifique uma Auditoria a este processo, confirmando os alertas que os trabalhadores fizeram desde a compra, em 2006, deste «cancro» (nas palavras de Manuel Beja) para a TAP.

Este artigo integra a série de apontamentos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.  

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