A actual fase do processo de privatização da SATA Internacional caracteriza-se pela colocação, como dado de partida, que a empresa tem que ser privatizada porque «a privatização da maioria do capital da Azores Airlines é uma das exigências do plano de reestruturação acordado com a Comissão Europeia em Junho de 2022, no âmbito da ajuda estatal de 453,25 milhões de euros. A venda terá de ser concretizada até ao final de 2025.» Ora, isto sendo verdade é só uma meia verdade.
A Comissão Europeia (CE) não pode exigir a privatização seja do que for. Está obrigada pelos próprios Tratados a ser neutra perante o tipo de propriedade. Neste caso, foi o próprio Estado português que colocou o objectivo de privatizar no processo de reestruturação da empresa. E que pode e deve retirá-lo.
É verdade que há muitas formas de matar pulgas, e que a CE pressiona sempre no sentido da liberalização e privatização mesmo não o podendo fazer, e tem como arma contra os Estados Membros o poder vir a considerar ilegal os apoios estatais à SATA Internacional. Uma forma delicada e diplomática de chantagem. Mas o Estado português tem todos os instrumentos para enfrentar a CE e defender o interesse nacional. Tem é que ter a coragem de o fazer.
«A Comissão Europeia (CE) não pode exigir a privatização seja do que for. Está obrigada pelos próprios Tratados a ser neutra perante o tipo de propriedade. Neste caso, foi o próprio Estado português que colocou o objectivo de privatizar no processo de reestruturação da empresa. E que pode e deve retirá-lo.»
Desde logo, uma parte dos apoios foram para compensar os prejuízos com a Covid, que até foram reconhecidos pela própria CE como possíveis e necessários. Depois, importa assumir a causa das dificuldades económicas da SATA Internacional, que foram, em primeiro lugar, criadas pelo próprio Estado português, ao longo de anos, pelo subfinanciamento crónico das rotas de serviço público da SATA Internacional (como o próprio Tribunal de Contas reconhece) e depois por um processo de liberalização do transporte aéreo entre o continente e os Açores que objectivamente colocou o Grupo SATA a suportar a operação dos seus concorrentes. Sem esquecer que o facto dos Açores serem – como é expressamente reconhecido nos Tratados - uma região ultra-periférica da UE confere direitos extraordinários ao Estado português para preservar a infraestrutura de comunicações da região, onde a SATA é um elemento nuclear, e para atribuírem os «auxílios estatais» necessários a tal.
A chantagem pública da Ryanair contra os Açores, desenvolvida durante todo o ano passado, deveria funcionar como o alerta final sobre o que seria o futuro das ligações aos Açores nas mãos do «mercado». Num quadro em que a região ainda conta com a SATA Internacional e a TAP, a Ryanair atreveu-se a um processo público de chantagem: ou me pagam mais 15 euros por passageiro ou abandonamos os Açores. Imaginem quanto pediriam e quão grosso falariam se o projecto da Comissão Europeia, de destruir a SATA Internacional e a TAP, já estivesse concretizado.
Um momento chave
Estamos num momento em que inúmeras vozes se levantam contra a venda da SATA Internacional ao concorrente que resta no concurso de privatização. O próprio júri do concurso decidiu defender-se perante a história colocando alertas sobre a qualidade do candidato que resta. Os Sindicatos de há muito que vêm alertando para os perigos evidentes desta privatização. Agora é a própria Administração da SATA (que ainda há dois meses abraçava publicamente a causa da necessidade de privatizar a SATA Internacional) que vem a público expressar dúvidas perante o candidato único à privatização. E é de facto importante recusar essa venda.
«Num quadro em que a região ainda conta com a SATA Internacional e a TAP, a Ryanair atreveu-se a um processo público de chantagem: ou me pagam mais 15 euros por passageiro ou abandonamos os Açores.»
Muitos dos medos agora vindos a público resultam do desastroso processo de liberalização e privatização do transporte aéreo em Cabo Verde, onde está envolvido um dos membros do consórcio que quer «comprar» a SATA Internacional. Um processo que está a provocar a rotura do transporte aéreo no interior do arquipélago, com impactos desastrosos sobre o turismo e a mobilidade no país. E que já colocou o liberal Governo de Cabo Verde a falar numa resposta pública ao transporte aéreo no arquipélago.
Mas o erro não está no parceiro escolhido para privatizar. O erro está na fé cega no mercado contra toda a evidência. É por isso que, sendo importante travar o processo em curso, é mais importante tirar a devida ilação, enquanto ela pode ser tomada: a privatização coloca a SATA Internacional em risco de ser destruída, e ameaça com custos brutais, no médio e longo prazo, toda a Região dos Açores!
Anule-se pois o processo em curso e não se avance com outro similar. É sempre tempo de aprender alguma coisa.
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