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Salazar empurrou movimentos de libertação para a luta armada

Os movimentos de libertação foram empurrados para a luta armada pela ditadura salazarista, que recusou a proposta de uma negociação pacífica, afirmou o jornalista e investigador Carlos Lopes Pereira.

Amílcar Cabral nas matas da Guiné com a guerrilha do PAIGC. O seu assassinato, a 20 de Janeiro de 1973, não travou a proclamação da independência da Guiné-Bissau, no mesmo ano 
Créditos / Fundação Amílcar Cabral

A afirmação foi feita no passado fim-de-semana, numa «Roda de conversa» promovida pelo CHUDE-Centro Humberto Delgado, em Torres Novas, subordinada ao tema «A Guerra Colonial e as lutas de libertação nacional nas ex-colónias portuguesas em África».

O debate, animado por Carlos Lopes Pereira, especialista em temáticas do continente africano, e por José Vaz Teixeira, médico ex-combatente e resistente antifascista, foi marcado pelo testemunho emocionado de ex-soldados portugueses, marcados pela violência do que foram «obrigados a fazer».

«Não há dúvida de que a responsabilidade política das guerras foi da ditadura fascista», que se «recusou a negociar a independência com os movimentos de libertação de forma pacífica», declarou o jornalista, lembrando que, antes de qualquer confronto, Amílcar Cabral escreveu, em 1960, uma carta ao Governo português nesse sentido, na qual pedia que os portugueses fossem poupados a uma guerra que Portugal inevitavelmente iria perder.

A ausência de diálogo por parte de Salazar e a continuada repressão do regime colonial-fascista levou à opção dos movimentos de libertação pela luta armada. «A ditadura não quis falar», sublinhou Carlos Lopes Pereira, pelo que lhe cabe «a responsabilidade da guerra colonial de 13 anos», a qual terminou com a independência das colónias, após inúmeros sacrifícios desnecessários.

O actual director de informação da Rádio Voz da Planície alertou para a «deturpação da História», pedindo o reforço da «vigilância contra a [sua] falsificação», que está associada «a determinadas forças políticas que foram sempre contra a independência das colónias e que ainda hoje continuam com um discurso colonialista em relação ao que se passou», e que se mantenha «viva a verdade histórica».

Agostinho Neto, Amílcar Cabral, José Araújo, Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos na Conferência de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas em Roma, Itália, 1970 Créditos

Antigos combatentes falam

No debate, em que se multiplicaram os depoimentos de antigos combatentes portugueses enviados aos 20 anos para uma guerra que, na maioria, não queriam nem compreendiam, ficou claro que «as pessoas têm necessidade de falar».

Mota Pereira foi um deles. Contou como esteve entre 1961 e 1965 numa das piores zonas de guerra em Angola, nos Dembos, onde assistiu «a coisas inacreditáveis».

«Matámos, destruímos aldeias, acampamentos, porque fomos obrigados», disse, com lágrimas nos olhos e voz embargada, pedindo que se fale, que se conte o que se passou, em sessões como esta mas também em escolas, relatando como tem juntado documentos para «tentar compreender».

O ex-combatente lembrou que a maior parte dos jovens enviados para o então Ultramar eram na maior parte analfabetos e «não havia consciência» e recordou a ordem recebida ao entrar nos caminhos dos Dembos (actual província do Bengo): «daqui para a frente, tudo o que mexer é para matar».

Chorando, confirmou que «houve, sim, bombas de napalm», porque foi testemunha disso. Quanto à legitimidade do conflito, do ponto de vista do regime fascista, não tem dúvidas: «Inimigos? Nós é que estávamos a mais. Eles estavam a defender o que era deles».

À pergunta de Mariana, jovem de 23 anos que questionou a razão de 800 mil jovens terem enviados para combater em África durante 13 anos, e a quem atribuir tal responsabilidade, Carlos Lopes Pereira reafirmou que «a responsabilidade política das guerras foi da ditadura fascista», que deixou sem resposta o convite a uma solução negociada, não deixando alternativa aos movimentos que se formaram na sequência da onda nacionalista que despontou no continente, finda a Segunda Guerra Mundial.

O CHUDE-Centro Humberto Delgado, é um núcleo do Museu Municipal Carlos Reis que se assume como um espaço sobre o Republicanismo e a oposição à ditadura portuguesa. Está localizado em Boquilobo, no concelho de Torres Novas, aldeia natal do general Humberto Delgado. Créditos

A «roda de conversa» e o CHUDE

Carlos Lopes Pereira, nascido em 1951, em Bissau, lutou contra o colonialismo nas fileiras do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), tendo integrado a Rádio Libertação, emissora que transmitia a partir de Conacri. Organizou, prefaciou e anotou a edição Textos da luta / Amílcar Cabral, publicada pela Editorial Avante! (2023). É actualmente o director de informação da Rádio Voz da Planície, em Beja.

José Duarte Vaz Teixeira, preso em Caxias entre Março de 1971 e Fevereiro de 1972, acusado de ser militante do PCP, foi chamado para a guerra em Angola em 1973, já como médico militar. Após o 25 de Abril foi eleito oficial representante das Forças Armadas na localidade onde se encontrava à data, tendo sido igualmente designado para o comité local do MPLA, com os pelouros da saúde e da formação política.

O CHUDE-Centro Humberto Delgado, é um núcleo do Museu Municipal Carlos Reis que se assume como um espaço sobre o Republicanismo e a oposição à ditadura portuguesa e que está localizado em Boquilobo, no concelho de Torres Novas, terra natal de um dos mais acérrimos opositores a Salazar, o general Humberto Delegado (1906-1965).

Este ano assinalam-se 60 anos do assassínio, pela PIDE, a 13 de Fevereiro de 1965, do «general sem medo», como ficou conhecido na memória popular.

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