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«A dimensão de Chávez ainda está por calcular»

O ministro venezuelano dos Negócios Estrangeiros, Jorge Arreaza, evocou a figura do «gigante» Chávez e agradeceu a solidariedade dos portugueses com o seu país, quando na Europa alguns temem afirmá-la.

Esta terça-feira, em Lisboa, Jorge Arreaza agradeceu a solidariedade dos portugueses com a Revolução bolivariana
CréditosMiguel Lopes / Agência Lusa

Sala cheia, a abarrotar, esta terça-feira, na sede da CGTP-IN em Lisboa, para ouvir os oradores anunciados na sessão de solidariedade com a Venezuela promovida pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC). Se um dos objectivos enunciados era a oportunidade de conhecer melhor a situação que se vive no país caribenho, pode-se afirmar que o tempo não foi perdido.

A abrir a sessão, Ilda Figueiredo, presidente da direcção nacional do CPPC, lembrou precisamente que o propósito fundamental da iniciativa era o de «conhecer melhor a situação do país», que é alvo de uma «agressão externa», de uma «tentativa de isolamento diplomático», de uma «violenta campanha mediática» – dirigida contra o povo venezuelano e os seus legítimos representantes eleitos.

Na alocução introdutória do evento, a dirigente do CPPC lembrou que nos seus 19 anos de vigência, a Revolução Bolivariana levou a cabo uma «transformação social» e realizou as «conquistas possíveis», num contexto difícil, em que teve de fazer frente àqueles que procuraram subjugar «um país que se opôs ao imperialismo e quis afirmar uma América Latina soberana».

Neste sentido, Ilda Figueiredo afirmou que os EUA «não se conformam com a soberania dos povos», agredindo-os através das suas «ingerências permanentes» e impedindo-os de afirmarem a sua «soberania plena, o seu caminho de paz e desenvolvimento».

Foi neste contexto que recordou a situação que o Brasil atravessa e, manifestando a sua solidariedade com o povo brasileiro, salientou que, neste país, a «afirmação da soberania retirou da pobreza milhões de pessoas».

«Hugo Chávez: impacto ainda por calcular»

Lembrando que esta iniciativa é uma de várias expressões de solidariedade com a Venezuela bolivariana que têm tido lugar em Portugal, a dirigente do CPPC passou então a palavra a Jorge Arreaza, ministro venezuelano dos Negócios Estrangeiros.

O início da intervenção de Arreaza ficou amplamente marcado pela evocação da figura de Hugo Chávez, «representante do povo», e de vários episódios que sinalizaram uma mudança de rumo na Venezuela e na América Latina, a partir de 2 de Fevereiro de 1999.

O ministro venezuelano lembrou, nomeadamente, a oposição de Chávez aos desígnios norte-americanos na Cimeira das Américas de 2001, realizada no Quebec (Canadá), e as políticas de ruptura com o que era habitual na Venezuela até então, no sentido de defender o povo. Isto, num país onde era difícil «fazer uma revolução socialista», em virtude de todos os recursos que possui (como gás, petróleo, ouro, água, entre outros) e por ter os EUA «ali a poucos quilómetros».

Apesar dos retrocessos que se verificam, hoje, no Brasil, na Argentina, no Equador, Jorge Arreaza mostrou confiança no papel da América Latina, afirmando que «será a referência dos processos progressistas para o mundo». Sobre Chávez, disse que é «uma esperança que está viva», um «gigante cujo impacto no mundo ainda está por calcular, por definir», sublinhando que um dos «erros de cálculo do imperialismo» foi ter concebido que «a revolução e os processos progressistas no continente se iriam desmoronar com a morte de Chávez».

«A tarefa "heróica" de Maduro»

Arreaza disse que estava no hospital onde Chávez se encontrava, em Havana, quando decidiu que Nicolás Maduro era o quadro certo para liderar as hostes chavistas caso viesse a falecer em breve, como aconteceu. Para Arreaza, a escolha de Maduro como sucessor de Chávez – uma tarefa que classificou como «difícil, quase heróica» – ficou-se a dever não apenas à lealdade e aos anos de experiência política acumulados, mas sobretudo ao seu «carácter operário».

Com a morte de Chávez, muitos sugeriram-lhe «pragmatismo, que fosse pragmático, traísse a revolução», afirmando que, se esta «era possível com Chávez, já não o era com ele, Maduro», em virtude da conjuntura existente, dos «inimigos do país». Mas «Maduro respondeu-lhes com muita firmeza», destacou Arreaza.

Violência da oposição, ANC, paz...

Referindo-se aos últimos cinco anos, o diplomata venezuelano enfatizou a violência e a desestabilização a que o seu país foi submetido, tendo enumerado os crimes que a extrema-direita, liderada por figuras públicas e apoiada por Trump, Rajoy, Mogherini ou Felipe González, levou a cabo na Venezuela, as manifestações violentas, as propriedades públicas e privadas destruídas, as pessoas queimadas, os mais de 120 mortos em quatro meses de violência – entre Abril e Julho do ano passado.

A este propósito, afirmou que «a questão podia ter sido resolvida com violência policial, com repressão, mas que o governo venezuelano decidiu que não era assim» – e, lembrando algumas afirmações proferidas por responsáveis da União Europeia, da Organização de Estados Americanos ou por Mariano Rajoy e Emmanuel Macron questionando o respeito pelos direitos humanos na Venezuela, perguntou como teria sido resolvida «a questão» se tivesse ocorrido nas ruas de Paris ou Madrid, capital de um «país que reprimiu as pessoas por votarem num referendo na Catalunha, em Outubro último».

Maduro decidiu convocar uma Assembleia Nacional Constituinte (ANC), que na Venezuela tem poderes plenipotenciários, «mesmo com a massa chavista a temer uma derrota». Mas, disse Arreaza, Maduro estava convencido de que a ANC traria a paz e insistiu.

Eleições à porta e ameaças permanentes

A paz consolidou-se, de facto, e iniciaram-se diálogos com a oposição, para a cimentar ainda mais, na República Dominicana. No entanto, a oposição acabaria por boicotar a assinatura de um acordo amplamente trabalhado nos meses anteriores – numa altura em que o então secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, viajava pela América Latina e se encontrava na Colômbia.

Arreaza mostrou-se esperançado de que «surja uma nova oposição, que acredite na democracia», mas sublinhou que «as ameaças e pressões se mantêm, são constantes». É também em função disso que «existem os problemas na economia do país».

Arreaza sublinhou que a banca bloqueia o dinheiro do petróleo exportado, que o país não tem acesso ao crédito e que é alvo de sanções constantes por parte dos EUA e da UE. Para além disso, afirmou, num país vizinho, importante como a Colômbia, há responsáveis políticos que não dizem «três frases sem mencionar "Maduro" ou o "Castro-comunismo"».

Quase a concluir a sua intervenção e referindo-se às «obsessões dos EUA» (entre as quais se encontram o país caribenho), Arreaza dirigiu-se ao embaixador da Palestina, presente na sala, para lhe reafirmar que «a causa da Palestina é uma causa nacional da Venezuela».

Sublinhou ainda a importância dos portugueses que «foram construir país para a Venezuela connosco», ao modo como os «portu» ali são estimados. Disse que muitos, donos de padarias e pequenas lojas, viram os seus negócios destruídos pela violência da oposição no ano passado.

Em função disso, a perspectiva tradicional de alguns – antichavista, repetindo o slogan de que «os comunistas lhes iam tirar os negócios» – alterou-se na campanha para a ANC, com o apoio declarado às forças de esquerda.

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