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Ensino público, ensino privado: o caminho da justiça

Vimo-los manipulando pais e estudantes contra a Escola Pública. Durante largos anos estiveram à rédea solta no ensino. São exemplo das perniciosas consequências do «bloco central». Segue a justiça.

Professores durante a manifestação em defesa da escola pública, na Praça 8 de maio, em Coimbra, 2 de Junho de 2016. as escolas públicas de Coimbra foram das mais afectadas pela actividade do Grupo GPS.
CréditosPaulo Novais / Agência LUSA

Longo é, ainda, o caminho da justiça. Se fosse simples, a recente intervenção do ministério público já tinha acontecido há muito tempo e a constituição de proprietários de colégios do grupo GPS e ex-titulares de cargos políticos em arguidos, alegadamente por crimes de corrupção activa, peculato, falsificação de documento, burla qualificada e abuso de confiança qualificado, entre outros, já teria acontecido.

Longo é, ainda, o caminho da justiça. Se fosse simples, a recente intervenção do ministério público já tinha acontecido há muito tempo e a constituição de proprietários de colégios do grupo GPS e ex-titulares de cargos políticos em arguidos, alegadamente por crimes de corrupção activa, peculato, falsificação de documento, burla qualificada e abuso de confiança qualificado, entre outros, já teria acontecido.

A dificuldade parece não ter uma relação directa com a falta de provas, mas sim, principalmente, com o facto de alguns titulares de cargos políticos terem movido influências para impedir que os processos e as investigações fossem por diante.

Em investigações anteriores, da Inspecção-Geral de Educação, o que era denunciado pelos sindicatos da FENPROF seria, apenas, a ponta do iceberg de um crime de dimensão impressionante, razão por que temos motivos para desconfiar da dimensão do «desfalque» anunciado e da abrangência, ainda claramente insuficiente, da investigação.

De entre as ilegalidades cometidas durante anos, com a apropriação de avultadas verbas pelos proprietários, estão, por desrespeito, designadamente de vários governos desde o final dos anos 90, pela Constituição da República: o número excessivo de turmas financiadas, mesmo dentro do critério de atribuição previsto na lei; o excessivo financiamento por turma, tendo em conta o número de alunos; a despesa efectiva, designadamente com pessoal docente e não docente.

«No período 2001/2016, o Orçamento do Estado financiou o ensino privado lucrativo com 4 406 milhões de euros. Isto garantiu a transformação do ensino num negócio muito lucrativo para vários estabelecimentos de ensino privado, particular e cooperativo, à custa dos impostos dos contribuintes», em Eugénio Rosa, eugeniorosa.com, 17/06/2016.

Porém, para além destas situações que foram sendo mal corrigidas com a cumplicidade de vários ministros da Educação, há, também, indícios:

- de reduções salariais executadas sobre os vencimentos de docentes e não docentes, sem que tal pudesse ser escrutinável (se pagos em dinheiro), a não ser por denúncia dos próprios;

- do financiamento indirecto de turmas, designadamente do 1.º ciclo, através do desvio das verbas destinadas a turmas de outros anos de escolaridade;

- da declaração de alunos inexistentes, pois eram, por vezes, «aconselhados», a meio do ano, para fossem transferidos escolas públicas, quando possuidores de deficiência ou de outras necessidades educativas especiais.

Os sinais exteriores de riqueza e os avultados investimentos realizados em outras actividades como na saúde, no desporto ou em instituições de ensino superior ou, mesmo, em redes de cuidados continuados, turismo, transportes colectivos, comércio de produtos alimentares, café, entre outras, têm de ser objecto de uma rigorosa investigação, pois só assim é possível seguir os tentáculos do polvo e a coordenação, em cartel, da actividade económica financiadora de todos estes vícios privados.

Sucessivos governos, de António Guterres a Passos Coelho, tiveram grandes responsabilidades em deixar andar, sendo que, nos últimos anos, com a defesa da pretensa liberdade de escolha, caso os portugueses não tivessem mostrado a sua forte oposição, toda esta situação iria agigantar-se.

Neste período de 34 anos foram construídas e constituídas sociedades especificamente direccionadas para o negócio da educação e do ensino, com o Estado (com dinheiro de todos nós) a assumir o papel de grande financiador e promotor, com o envolvimento de responsáveis regionais do Ministério da Educação, designadamente das Direcções Regionais de Educação do Norte, Centro e Lisboa a não só fecharem os olhos, mas também a envolver-se no negócio ou a abrir caminho para que a burla não parecesse ter os contornos que vínhamos denunciando.

Ninguém esquece a forma como o Colégio São Martinho foi construído e autorizado no centro de um triângulo formado por três escolas dos 2.º e 3.º ciclos da cidade de Coimbra (Taveiro, Inês de Castro e Poeta Manuel da Silva Gaio) e muito perto da Escola Secundária Dom Duarte. A arrogância política já não mostrava qualquer vergonha, protegidas que estavam as costas dos seus empreendedores.

4 406 000 000 €

Financiamento pelo Estado do Ensino Particular lucrativo, entre 2001 e 2016.

Ninguém pode esquecer que a autarquia de Coimbra, nessa altura também liderada pelo que é hoje seu presidente e da Associação Nacional de Municípios, permitiu o seu funcionamento, mesmo antes de estarem construídos acessos e da verificação do cumprimento de normas de segurança. Nos primeiros tempos as matrículas eram feitas na Junta de Freguesia e o Colégio de São Martinho passou a ser escola pólo, sendo, por isso, os alunos encaminhados directamente, das escolas públicas do 1.º ciclo para o Colégio.

O Colégio de São Martinho, em Coimbra, um concelho cercado de estabelecimentos do ensino privado com contrato de associação, tinha entre os membros da sociedade então constituída ex-directoras regionais e, pelo menos, um ex-coordenador de área educativa de Coimbra. Era, pois, o «bloco central» no seu melhor, com uns fazerem e outros a ajudarem!

O processo a decorrer, contudo, fica longe de atingir outros grandes beneficiários desta apropriação de dinheiros públicos, do designado grupo de Coimbra. Num raio de poucos quilómetros, pulularam diversos «institutos educativos» (Souselas, Ançã, Lordemão e Almalaguês) construídos e autorizados para sugarem os alunos das escolas públicas e muitos e muitos milhões de euros. Institutos estes que, até há bem pouco tempo, mobilizavam cortejos de crianças e jovens, professores e famílias para defenderem um negócio que beneficiava os patrões.

Durante estes anos, outro tipo de injustiças foram cometidas por sucessivos governos, de duvidosa legalidade. É que, em todo este tempo, o investimento que foi feito no ensino privado lucrativo, como recentemente se provou, duplicava a despesa do Estado, sem que o Estado investisse, como devia, nas escolas públicas. Perderam-se alunos, perderam-se empregos e perderam-se escolas.

«Os recursos públicos podem ter uma melhor utilização se forem concentrados na promoção de um ensino público de ainda maior qualidade: com a contratação de mais professores e auxiliares; com a expansão da rede escolar; com a renovação do parque escolar existente e modernização de equipamentos; com economias de escala.

A entrega de parte desses recursos a colégios privados onde existe oferta de ensino público não corresponde a uma boa gestão dos recursos públicos. O dinheiro que tem sido entregue, sem necessidade, a escolas privadas permitirá melhorar as escolas públicas. Isso, sim, é garantir a igualdade de acesso ao ensino», em  Francisco Soveral Martins, «Os contratos de associação e o que andam a fazer com o nossos dinheiro», SPRC online, 02/06/2016.

Os danos causados são imensos e os benefícios privados nunca serão devidamente apurados, nem o Estado será ressarcido dos dinheiros que deixou sair para as contas dos proprietários dos colégios, por ter sido demorado o tempo de estancar a hemorragia.

Esperemos, repito, que isto não fique por aqui e que este processo não espante outros que não têm as mãos limpas em toda esta história.

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