Durante a acção de protesto junto à sede da Uber, no Porto, foi aprovada uma resolução a entregar à empresa, onde os trabalhadores defendem o fim da precariedade e uma mais justa retribuição.
Os estafetas ao serviço das empresas Uber Eats e Glovo denunciaram a exploração levada a cabo por estas plataformas digitais e a ausência de protecção e segurança no trabalho, exigindo o aumento «imediato» das percentagens da prestação de serviço, «de modo que o rendimento dos trabalhadores cresça».
Reivindicaram ainda que sejam as plataformas a assegurar os custos de manutenção dos meios utilizados para as entregas ao domicílio, bem como os seguros de trabalho, «assumindo a responsabilidade por quaisquer acidentes de trabalho», como o que aconteceu em Lisboa e vitimou mortalmente um trabalhador, no dia 17 de Abril.
Os trabalhadores contestam o poder unilateral destas plataformas para aplicar penalizações ou bloqueios, e pedem que sejam encontradas formas de evitar que os estafetas sejam prejudicados por «burlas».
Considerados «descartáveis», os trabalhadores queixam-se da exploração a que estão sujeitos por ficarem sem receber se, por alguma razão, não puderem trabalhar.
Desde o início que a estratégia da Uber se pautou sempre pelo ostensivo desprezo pelas leis dos países em que instala. A experiência em Portugal é sensivelmente a dos outros sítios. A famigerada Uber – plataforma digital de táxis e serviços de entregas – anunciou recentemente que converteria em breve o vínculo dos seus condutores de táxi no Reino Unido em contratos de trabalho assalariado. Assim, 70 mil trabalhadores (porque os estafetas não estão considerados) ganham – pelo menos aparentemente – uma batalha que há vários se vem desenrolando em vários países. Sublinho: aparentemente. Porquê? Para compreendermos o que está em causa é fundamental um olhar sobre o quadro mais geral. «O modelo Uber assenta no falso trabalho independente: os motoristas são responsabilizados por tudo, mas ainda assim a sua liberdade é realmente nula – não é exagero dizer que se assemelha ao modelo das praças de jorna, só que na sua versão digital» Desde o início que a estratégia da Uber se pautou sempre pelo ostensivo desprezo pelas leis dos países em que instala. A experiência em Portugal é sensivelmente a dos outros sítios: a Uber decide que quer explorar um país, instala-se através do recrutamento de motoristas (leia-se gente que tem carta de condução e um veículo1), implanta-se até estar normalizada e verga os decisores políticos a aceitá-la como facto adquirido. Se alguém já se esqueceu de como funciona, basta ver o que está a acontecer precisamente agora em Barcelona, onde – apesar de expulsa por mais do que uma vez – a Uber declarou publicamente que irá voltar a operar ao arrepio da lei. No plano laboral as coisas não muito diferentes. O modelo Uber assenta no falso trabalho independente: os motoristas são responsabilizados por tudo, mas ainda assim a sua liberdade é realmente nula – não é exagero dizer que se assemelha ao modelo das praças de jorna, só que na sua versão digital2. Este modelo de exploração brutal dos trabalhadores é, em grande medida, a alma mater da Uber. Não por acaso, ainda recentemente, por ocasião dum referendo no estado da Califórnia em torno do estatuto dos trabalhadores de plataformas, a Uber foi uma das principais contribuintes para os 200 milhões de dólares que financiaram a campanha em defesa da legalização do falso trabalho independente. Quem disse que a democracia não tem preço?! Do lado de cá do Atlântico as coisas não são muito diferentes. Veja-se o relatório entregue à Comissão Europeia – A better deal – onde a Uber advoga que o trabalho «independente» deve ser protegido e alargado. Rebater as mistificações e cortinas de fundo dessas 33 páginas seria demasiado longo para este espaço, mas é irresistível repescar a delirante passagem em que se afirma que o trabalho independente foi decisivo para o combate à pandemia (p. 3). Apetece perguntar se a existência de uma entidade patronal tolheu algum médico, enfermeiro, técnico, trabalhador da limpeza, da distribuição, etc. etc.? A gargalhada tragicómica é inevitável! Mas voltemos ao que interessa. Dito tudo isto, como interpretar a decisão acima referida de - em total contraste com a estratégia da empresa - assalariar os motoristas no Reino Unido? A primeira explicação, tão óbvia quanto verdadeira, é que pouco antes dessa decisão, o Supremo Tribunal britânico acabara de obrigar a Uber a passar alguns dos seus trabalhadores para o estatuto de assalariado. Seria uma questão de tempo até que isso acontecesse com o conjunto do contingente dos motoristas, e assim a Uber poupa-se aos custos (económicos e de imagem) de mega-processos nos tribunais (e na imprensa). Mas é preciso olhar mais longe para perceber o que está realmente em causa. «A Uber propõe-se pagar aos seus trabalhadores o salário mínimo e […] contabilizar como tempo de trabalho apenas os minutos que vão entre o motorista aceitar realizar uma corrida e deixar o cliente no destino final. Todo o resto do tempo passado na rua, ligado na aplicação, à espera de clientes: não» É verdade que estão previstos subsídios de férias (pagos numa espécie de duodécimos) e que isso é um avanço. No entanto, o problema vem depois. A Uber propõe-se pagar aos seus trabalhadores o salário mínimo e – em ostensiva violação da decisão do tribunal – contabilizar como tempo de trabalho apenas os minutos que vão entre o motorista aceitar realizar uma corrida e deixar o cliente no destino final. Todo o resto do tempo passado na rua, ligado na aplicação, à espera de clientes: não. A última peça da interpretação deste puzzle está aqui: segundo a própria Uber, no Reino Unido o valor mediano de rendimento líquido dos seus motoristas é de 11 libras por hora. Ora, tudo fica igual: os motoristas continuam a ter de passar horas infindáveis à espera de clientes. Só o pagamento das corridas se altera: passa a ser de 8,96 libras/hora (já com subsídio de férias!). Ou seja, do que se trata é de uma forma encapotada de reduzir em 18% o rendimento líquido dos motoristas! O tempo dirá em que sentido os acontecimentos se desenvolverão. No entanto, dada a existência do regime de «contratos de zero horas» no Reino Unido, a Uber poderá ter até arranjado forma de tirar os tribunais da equação. Mais grave ainda: se este cenário se confirmar, a Uber encontrará no (legítimo) descontentamento dos próprios trabalhadores a força social para exigir que – de novo – se faça uma legislação à medida das plataformas (como ainda recentemente ocorreu em Espanha, apesar de aqui o governo não ter cedido). De tudo isto é preciso tirar ilações. Uma coisa parece-me certa: o caminho não é ceder às plataformas, mas antes olhar para a legislação laboral como um todo e, mais cedo que tarde, eliminar todas as formas que permitem ao patronato precarizar os trabalhadores. Esse é o caminho do progresso e do desenvolvimento! Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Uber e trabalho assalariado: o diabo está nos detalhes!
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Num dia de semana, um estafeta tem de trabalhar em média de oito a 12 horas para fazer cerca de 30 a 40 euros, sendo que com este valor ainda tem de cobrir os custos da manutenção do equipamento. Ao fim-de-semana, os valores aumentam para os 70 euros, mas o número de horas ao serviço pode chegar às 16/18 horas.
A trabalhar para a Uber Eats e a Glovo há cerca de um ano, José Pedro Faya explicou ao AbrilAbril que em causa está uma comunidade com milhares de trabalhadores que, muitas vezes, «trabalham o dia todo para não receber nada ou muito pouco» e que não têm direitos, sendo muitas vezes despedidos sem justa causa.
«Os trabalhadores vão ganhando mais consciência porque as coisas têm piorado», afirmou, acrescentando que, com a abertura dos restaurantes, a situação tornou-se uma bomba-relógio. Muitos trabalhadores que «encheram» as plataformas durante o confinamento agora estão a ser prejudicados com a redução do fluxo de trabalho.
«Temos que pagar os meios: mota, seguro, manutenção e nem chega a compensar», apontou o estafeta, sublinhando que, quando há lucro, a empresa se apropria mas, quando há prejuízo, é o trabalhador que paga.
«As empresas transferem para nós os riscos associados a este tipo de negócios multimilionários. Se o negócio vai mal ou há pouca demanda, somos nós que ficamos nas ruas a gastar o nosso tempo, o nosso dinheiro e arriscando a nossa própria segurança», denunciou.
O protesto pretende alertar para esta realidade, explicou, mas também preparar futuras acções de luta para denunciar as condições de trabalho precárias dos estafetas.
Solidário com os trabalhadores, o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte (STRUN/CGTP-IN), José Manuel Fernandes, disse que a estrutura vai continuar a acompanhar este sector, sublinhando, contudo, que é necessária uma intervenção do Governo para que sejam garantidos os direitos laborais.
«Estes trabalhadores não têm fundo de desemprego, não podem estar doentes, não podem dar apoio à família, não têm direito parentais, não têm nada», disse.
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