Considera que são eficientes as medidas tomadas pelo BCE (Banco Central Europeu) para tentar controlar a inflação? Pergunto isto, porque há um estudo recente do mesmo banco que afirma que uma das causas da subida da inflação deve-se ao aumento do preço da energia e ao alargamento das margens de lucro das empresas. E o aumento das taxas de juro pode não actuar em primeiro lugar sobre estas questões?
O aumento das taxas de juro actua directa e indirectamente sobre várias questões. Assumindo que há uma tendência de contínuo aumento das taxas de juro, mais tarde ou mais cedo o seu nível vai implicar que há uma retracção da procura agregada. Uma retracção do consumo e do investimento que não têm só impactos sobre o volume de despesas mas também sobre as margens de lucro, porque as empresas vão estar a produzir abaixo das suas capacidades. Em última análise, pode-se até dizer, se matarmos a economia, a inflação também baixa.
Se se sangrar completamente um doente ele morre e deixa de ter febre.
Exactamente, mas isso não significa que estejamos a ser capazes de controlar os factores que estão a determinar o aumento generalizado dos preços.
E há medidas alternativas para isso?
Se a pergunta é se é possível fazer coisas diferentes daquilo que está a ser feito, a resposta é sim. Se a pergunta é se é possível controlar o aumento generalizado dos preços, que está a ser sobretudo provocado pelo problema da crise energética, sem resolver o problema da crise energética, a resposta é não. Mesmo os factores que têm que ver com os aumentos das margens de lucro são, eles próprios, decorrentes da crise energética: há preços que são fixados em mercados internacionais que não dependem necessariamente dos mercados específicos, onde as empresas operam. As margens de lucro de uma empresa de energia em Portugal tendem a aumentar independentemente da procura, porque os preços que praticam são determinados pelos mercados internacionais. Podem, em alternativa, vender fora do mercado nacional.
Não há uma tendência neste figurino de medidas para não ter nenhumas destinadas às camadas mais desfavorecidas da população, para quem trabalha, e fazer pagar um custo completamente desigual a essas pessoas?
(Risos) Isso é uma pergunta retórica, está a querer que eu responda nos termos da pergunta. O que eu estou a dizer é que não há solução: os factores determinantes estão fora do controlo do Governo e é muito difícil esperar que haja capacidade para controlar o aumento generalizado dos preços. Não tenho nenhum problema de princípio com o controlo de preços, mas para controlar a inflação desta forma era necessário um controlo de preços completamente generalizado e eu não acho que isto seja viável. Acho que deve-se fazer o que for possível para controlar a inflação, mas acima de tudo
Limitadas e insuficientes, as medidas apresentadas pelo Executivo não travam a escalada da inflação porque não interrompem a subida dos preços, mas protegem os interesses dos grandes grupos económicos. Chegou a ser descrito como «pacotão», mas o que se percebe do conjunto de medidas anunciadas esta segunda-feira por António Costa é, mais uma vez, a falta de vontade política para uma resposta estrutural aos problemas com que os portugueses estão confrontados e, novamente também, a intenção de deixar a salvo os interesses dos grandes grupos económicos ao não intervir, por exemplo, na fixação dos preços, medida que poderia dar alguma estabilidade aos bolsos das famílias. Ao contrário do que afirmou esta manhã o ministro das Finanças, o programa definido não só está longe de ser «eficaz» na resposta, tendo em conta que é curto e concentrado no tempo, como se revela prejudicial para os pensionistas, ao comprometer o rendimento destes a longo prazo. Segundo o que foi aprovado ontem em Conselho de Ministros, no próximo mês os pensionistas (que recebem até 5318,4 euros mensais) vão receber uma prestação única equivalente a meia pensão, juntamente com o valor da prestação mensal. Mas este bónus acaba por não o ser, já que o Governo adianta aos pensionistas uma parte do valor que deveriam receber em 2023 pela actualização automática das pensões, prevista na lei. Nos meses de Novembro e Dezembro, e não obstante não se perspectivar uma alteração favorável da inflação, o valor das pensões voltará a ser o de Setembro. Entretanto, a partir de Janeiro do próximo ano, em vez do mecanismo de actualização automática previsto na lei, que, a ser aplicado, ditaria aumentos entre os 7,1% e os 8%, o Executivo propõe-se realizar aumentos que ficam apenas entre 3,53% e 4,43%, ou seja, praticamente metade, não acolhendo o valor da inflação em 2023. Tendo em conta esta alteração, e assumindo que não haverá outras, a partir de 2024 os pensionistas irão receber menos do que receberiam se o Governo de António Costa não tivesse avançado com este «bónus». Recorde-se que, em Maio, na discussão na especialidade do Orçamento do Estado, o PS (e também a IL) chumbou o aumento das pensões e dos salários da Administração Pública, mantendo-se para estes a miserável cifra de 0,9%. O pacote de medidas apresentado com grande adjectivação pelo Executivo deixa de fora o aumento dos salários, nomeadamente do salário mínimo nacional, e medidas como a fixação dos preços ou a taxação dos lucros dos grandes grupos económicos, que permitiriam o reforço das funções sociais do Estado. Em vez de um real aumento dos salários, o Governo fica-se por uma prestação única, também em Outubro, de 125 euros a cada trabalhador que ganhe até 2700 euros brutos mensais, mas que não chega sequer a metade do valor da inflação já verificado. Veja-se o caso de um trabalhador que aufere o salário mínimo nacional e que desde o início do ano tem estado a perder 50 euros todos os meses. No mesmo mês e a pensar nos mais novos, mas pouco, foi considerado um cheque único e irrepetível de 50 euros «por cada descendente, criança ou jovem» que as famílias tenham a cargo. A medida não vai servir sequer para aliviar o custo do regresso às aulas e que anda, em média, segundo revelou o JN esta segunda-feira, nos 350 euros por aluno do Ensino Básico e nos 600 euros para cada aluno do Secundário. Igualmente limitada no tempo é a redução do IVA da electricidade, de 13 para 6%, a que o Governo tem vindo a resistir. A medida estará em vigor a partir de Outubro e até Dezembro do próximo ano, e será aplicada aos primeiros 100 kWh consumidos em cada mês, mas desde que a potência contratada não supere os 6,9 kVA. Uma análise do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgada em Outubro do ano passado concluiu que a despesa média anual da luz subiu mais de 200 euros no período entre 2010 e 2020, não obstante o aumento dos lucros do sector. No pacote aprovado pelo Governo consta também um «travão» ao aumento das rendas, com a respectiva compensação dos proprietários através de reduções no IRS e no IRC. A medida prevê um tecto máximo de 2% de aumento em 2023, em vez dos 5,43% de actualização que resultariam da aplicação do habitual coeficiente anual. No plano dos combustíveis, o Executivo continua a fugir a medidas que poderiam aliviar as famílias, como a fixação e o controlo dos preços, ou a taxação dos lucros das petrolíferas (só a Galp arrecadou 420 milhões no primeiro semestre), optando por manter a redução do ISP, equivalente a uma descida do IVA da gasolina e do gasóleo de 23% para 13%, e o congelamento da taxa de carbono até ao final de 2022. António Costa frisou ontem que a medida equivale a poupanças de 16 euros por cada 50 litros de gasóleo e de 14 euros por cada 50 litros de gasolina. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Governo aceita perda de poder de compra ao manter subida dos preços
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a preocupação dos governos não deve ser controlar a inflação, mas proteger o poder de compra das pessoas, em particular daquelas que dependem mais dos rendimentos do trabalho e das pensões, pessoas que têm rendimentos fixos, para quem esses aumentos de preços têm um enorme impacto. E isso passa, do meu ponto de vista, mais por políticas de rendimentos do que, propriamente, por políticas de preços. Não quer dizer que não deva haver também políticas de preços, faz sentido, por exemplo, mexer na forma como os mercados energéticos estão regulados. O princípio do mecanismo ibérico, em que o controlo dos preços da electricidade está mais desligado dos preços de produção do gás, é um bom princípio. O problema fundamental é saber como é que é pago. Mas isso é uma medida de controlo de preços que me parece positiva. Mas não acho que haja muitas medidas de controlo de preços relevantes. Tem de se actuar, fundamentalmente, é nas políticas de rendimento. E, em alguns casos, em medidas relevantes no domínio da fiscalidade.
Um dos aspectos do estudo do BCE é fazer notar que, ao contrário da época do choque petrolífero dos anos 70, os salários não subiram. Como é possível aumentar os rendimentos neste contexto de falta de força de quem trabalha? Nesta altura, segundo o estudo, o aumento das margens de lucro contribui com 52% para a pressão inflacionista e os salários com menos de 8%.
Isto não é uma alteração que se decrete. Sobre os lucros, não acredito que o Governo vá conseguir resistir à pressão no sentido de criar a taxa de imposto sobre lucros extraordinários. Se não o fizer, acho que é um erro tremendo do Governo tanto do ponto de vista da justiça social, como do ponto de vista do sinal político que está a transmitir à população. Vamos ver como isso vai evoluir. Quando diz que, no caso dos EUA, o aumento dos preços tem a ver com o aumento das margens de lucro, temos de perceber de onde isso vem. Isso varia de mercado para mercado, mas em muitos casos tem a ver com estrangulamentos que existem do lado da oferta e que vêm do tempo da Covid-19, que fazem com que haja muita procura para uma oferta relativamente pequena. E a tendência natural é para que aqueles poucos que oferecem e têm poder negocial, aumentem os seus preços. A forma de resolver isso não é, nesses casos, estar a fazer micro-gestão de preços de todos os mercados, porque não temos neste momento uma estrutura de planeamento económico, não vivemos em economias de planificação central, não existem os instrumentos que permitam esse trabalho.
«O facto de o Governo português não estar a tomar medidas muito ambiciosas, nem do ponto de vista da taxação dos lucros excessivos, nem do ponto de vista do aumento dos trabalhadores, reformados e até a nível dos apoios sociais, é algo que tem muito pouco a ver com o espaço disponível para as políticas públicas. O Governo poderia fazê-lo. Não o está a fazer por uma opção (...)»
O que se deve fazer, do meu ponto de vista, é procurar minimizar as situações de abuso de mercado e ter uma situação de taxação dos lucros excessivos e isso parece-me que é uma das coisas básicas que deve ser feita.
O facto de o Governo português não estar a tomar medidas muito ambiciosas, nem do ponto de vista da taxação dos lucros excessivos, nem do ponto de vista do aumento dos trabalhadores, reformados e até a nível dos apoios sociais, é algo que tem muito pouco a ver com o espaço disponível para as políticas públicas. O Governo poderia fazê-lo. Não o está a fazer por uma opção que, do meu ponto de vista, não tem muito a ver com as preocupações com a inflação, tem a ver com a centralidade que o Governo estabeleceu em acelerar a redução do rácio da dívida. Isto tem muitas implicações, quer ao nível da despesa do Estado, para apoiar o poder de compra das populações, quer ao nível dos salários da função pública, quer ao nível das pensões, sendo que se traduz também na capacidade negocial dos trabalhadores do sector privado. A forma de resolver isto politicamente passaria por coisas que neste momento podemos mais desejar do que esperar propriamente que aconteçam. Temos, de facto, um enfraquecimento enorme do poder dos sindicatos com a caducidade das contratações colectivas. Este estrangulamento da contratação colectiva é um dos factores que retira força ao poder dos trabalhadores. Sem a termos, vai ser difícil recuperar o poder negocial.
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