Numa conversa com o programa «Radioanálisis», da Radio Universidad de Chile, o intelectual argentino Atilio Borón considerou complexo panorama político para a nova onda de governos progressistas na América Latina, que qualificou como «muito mais moderados» do que os da onda anterior.
Uma das diferenças, defendeu, «tem a ver com um contexto internacional diferente, muito alterado, muito mais ameaçador». Além disso, afirmou, a primeira vaga de governos progressistas «teve três figuras principais: Fidel Castro, Hugo Chávez e Néstor Kirchner, nenhum dos quais está agora».
Neste sentido, o académico argentino sublinhou que «actualmente não temos aquelas personalidades» e lembrou as diversas dificuldades que afectam figuras progressistas e de esquerda na América Latina de hoje, nomeadamente Cristina Kirchner, Lula da Silva, Rafael Correa, Evo Morales ou Mel Zelaya.
Em seu entender, as figuras referidas não se limitam a enfrentar forças da oposição, representantes de sectores conservadores ou o veto do imperialismo norte-americano, mas um «contexto» mais complicado.
Não se mantém um processo democrático se não houver democracia mediática
«Tenho uma tese que defende que, se não há democracia no espaço mediático comunicacional, incorporando nesta categoria não só a imprensa gráfica, mas também a rádio e a televisão, parece-me muito pouco provável que se possa sustentar um genuíno projecto democrático», disse, citado pelo portal radio.uchile.cl.
Borón explicou que, com o monopólio da informação e «com as novas técnicas de comunicação e propaganda, hoje em dia, há uma população muito influenciável pela mensagem proveniente dos meios de comunicação».
A isto é preciso acrescentar, disse, «a proliferação de fake news [notícias falsas]», o que, «em conjunto com os estudos de psicologia social de acordo com os quais o público em geral tende a acreditar mais na mentira do que na verdade», nos coloca perante «um problema muito sério sobre o modo de organizar um espaço público democrático».
Neste contexto, considerou que as instituições democráticas «têm muito pouca» margem de manobra e são mais dependentes dos poderes reais. «Infelizmente, o que se passou nos últimos anos é que houve uma acumulação de poder nas mãos do grande capital, das grandes empresas e que estão intimamente relacionadas com a concentração da riqueza», disse.
Condenação de Cristina Kirchner e destituição de Pedro Castillo: casos diferentes
Borón também se referiu, de forma breve, à situação política na América do Sul, nomeadamente a Pedro Castillo, no Peru, e a Cristina Kirchner, na Argentina.
«São casos diferentes», advertiu, explicando que a destituição no Peru tem a ver com a reacção a um governo que surgiu de um processo muito controlado pelos grandes poderes fácticos. Apesar de o regime ser considerado presidencialista, o presidente não tem assim tantos poderes, de tal forma que, «se quiser formar um gabinete ministerial, tem de contar com a aprovação» do Parlamento, frisou.
No que respeita ao caso da condenação de Cristina Kirchner, o académico defendeu que existe na Argentina «um projecto de refundação que a direita anda a acariciar há muitos anos», uma direita que «gira em torno da figura de Mauricio Macri».
Nas «democracias contemporâneas» – na América do Sul, na América Latina e Caraíbas ou no chamado mundo desenvolvido –, há «uma incongruência, uma incoerência que fere o sentido mais profundo da democracia, que é a concentração de grandes factores de poder que estão fora do alcance da vontade popular», destacou ainda o intelectual argentino.
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