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Doping: tudo infectado, e não estou a falar dos atletas

O mundo ocidental em que vivemos está infectado. Está infectado pelo domínio que sobre ele exercem as velhas Nações coloniais e as novas Nações de colonos, cujas classes dominantes são o foco infeccioso.

Se um americano ganha 23 medalhas olímpicas estamos perante uma lenda, se um chinês ganha uma medalha, só pode ser doping. Se numa determinada distância as 20 melhores marcas de sempre são de uma americana, estamos perante um extraordinário prodígio. Já aquele recorde mundial de uma atleta da RDA que ninguém consegue superar tem como explicação segura o doping. Os EUA perdem a estafeta 4x100 em natação para a China devido à prova do último nadador que recupera de 3º para 1º? Um esforço sobre-humano, claro indicador de batota. Os mesmos EUA perdem a estafeta de 4x400 metros feminina/masculina no atletismo devido à extraordinária prova da atleta dos Países Baixos, que em 400 metros recupera de 4º para 1º? Que mulher extraordinária, que super-atleta.

Cada atleta dos EUA que se destaque é-nos servido de todas as formas e feitios, referido a cada hora, até sabermos os seus nomes de cor. Um atleta consegue o feito, igualmente único, de conquistar 5 medalhas de ouro em 5 jogos olímpicos diferentes, e poucos saberão que é cubano e menos saberão que se chama Mijaín López e pratica um dos mais antigos desportos olímpicos: a luta greco-romana.

Com excepções, ainda mais honrosas por serem tão raras, é este o retrato da cobertura dos Jogos. Os Jogos que deveriam ser um apelo à paz e à competição pacífica e honrada, que deveriam promover a amizade entre os povos, mas que começam logo por mancharem-se na forma como afastam, com argumentos completamente hipócritas, dois países de participar nos mesmos – a Rússia e a Bielorrússia – quando não excluem, nem pensam excluir: Israel que ocupa a Palestina há mais de 50 anos e está a praticar um genocídio em Gaza; os EUA que ocupam parte do território da Síria; a Turquia que ocupa parte do território do Chipre; Marrocos que ocupa o Sahara Ocidental ilegalmente há 50 anos. Aliás, se de cada vez que os EUA estão a bombardear ou ocupar outro país fossem impedidos de participar nos Jogos não teriam presenças olímpicas, quanto mais medalhas.

O mundo ocidental em que vivemos está infectado. Está infectado pelo domínio que sobre ele exercem as velhas Nações coloniais e as novas Nações de colonos, cujas classes dominantes são o foco infeccioso. É essa infecção que transparece em tudo, sem peias e sem vergonha, numa guerra pela hegemonia mundial.

Até no doping, em vez do combate comum, conjunto, à batota no desporto, destinada em primeiro lugar a preservar a saúde dos atletas e em segundo lugar a defender a verdade desportiva, o que assistimos é à confrontação global, sistemática. Nessa guerra, caiu agora que nem uma bomba a reportagem da Reuters que obrigou a WADA (Agência Mundial Anti-Dopagem) a emitir, a 7 de Agosto, um comunicado onde nos informa que os EUA competiram anos a fio com atletas reconhecidamente dopados, através de um sistema montado pela Agência Anti-doping dos EUA (USADA), que escondia os resultados positivos desses atletas a troco da sua cooperação na denúncia de outros casos.

Ora se este sistemático recurso à delação, à denúncia e a denunciantes que escapam impunes é um mecanismo discutível de justiça, no que respeita ao doping, este é um comportamento claramente ilegal, que viola todas as regras da WADA, que coloca a USADA a mentir à WADA, a esconder resultados que estava obrigada a divulgar. E se é grave que a USADA tenha este comportamento, que dizer da WADA que agora assume que o tinha descoberta em 2021, e calou essa descoberta, limitando-se a exigir que a prática fosse terminada.

«Dentro do Código há uma provisão que permite que um atleta que colabore de forma substancial possa subsequentemente solicitar uma redução do seu período de suspensão. No entanto, há um processo claro para isso, que não envolve permitir que aqueles que fizeram batota continuem a competir enquanto podem recolher ou não provas contra outros atletas e enquanto podem continuar a beneficiar das melhorias provocadas pelas substâncias consumidas. Quando a WADA descobriu esta prática não conforme em 2021, muito anos depois dela se ter iniciado, instruiu imediatamente a USADA a desistir dela. WADA tem agora conhecimento de três casos de atletas que cometeram sérias violações às regras anti-dopagem que continuaram a competir durante anos enquanto actuaram como agentes infiltrados da USADA, sem qualquer notificação à WADA e sem que qualquer provisão do próprio Código da WASA permita essa prática.» Comunicado da Agência Mundial Anti-Dopagem, 7 de Agosto 2024

Ora se a USADA conseguiu desenvolver este tipo de encobrimento durante anos, ao mesmo tempo que acusava o mundo inteiro de práticas de dopagem, que garantias se pode ter de que outros casos não tenham sido perdoados, à luz desta «excepcionalidade» norte-americana que lhes permite ditar umas regras para os outros e outras para si mesmo? Também no combate ao doping.

Quando se sabe que antes da desculpa da guerra, a exclusão da Rússia das competições internacionais foi ditada por violações graves da sua Agência anti-dopagem face às regras da WADA, que esperar face à agora reconhecida violação sistemática das mesmas pela USADA, com o silêncio da WADA? Nada, claro. Não é? Porque isto está tudo infectado.

Indiferentes a tudo isto, os atletas que ainda podem competir nos Jogos vão fazendo a festa. E nós com eles. A esmagadora maioria de forma limpa, mesmo daqueles que conseguem resultados extraordinários: o sublime, o único, também faz parte da espécie humana.

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