|Saara Ocidental

Governo saarauí avisa Africa Eco Race: não violem a legitimidade internacional

Adoram ralis, o Norte de África e o «desenvolvimento sustentável», e atravessam o Saara Ocidental como se fosse Marrocos. O executivo saarauí alerta os organizadores da corrida para a realidade da ocupação.

Créditos / @NestorRego

A República Árabe Saarauí Democrática (RASD) instou os organizadores da corrida automobilística conhecida como Africa Eco Race, cuja edição de 2022 deverá ocorrer entre 15 e 30 de Outubro, a não violar a legitimidade internacional, atravessando os territórios saarauís ocupados, em cumplicidade com Marrocos.

Num comunicado emitido esta quinta-feira, o governo da RASD lembra que, desde 13 de Novembro de 2020, todo o território saarauí, «incluindo as suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas», é uma zona de guerra, «onde prosseguem os confrontos militares entre o Exército de Libertação Popular Saarauí e as forças de ocupação marroquinas».

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Desportistas e famosos usados para branquear a ocupação do Saara Ocidental

No meio de uma guerra que quer esconder, Marrocos tenta passar uma imagem de normalidade nos territórios ocupados com o turismo e a prática de desportos aquáticos, denuncia uma advogada espanhola.

Manifestantes saarauís pela independência do Saara Ocidental
Créditos / arainfo.org

No artigo «Marrocos usa desportistas e famosos para branquear a ocupação do Saara Ocidental», ontem publicado no Rebelión e no Resumen Latinoamericano, Cristina Martínez Benítez de Lugo afirma que «os surfistas chegam às praias saarauís para gozar o sol e o mar no meio de uma guerra que Marrocos quer esconder, enquanto os observadores e os jornalistas não têm autorização para entrar; nem sequer para sair do avião».

O surfista belgo-espanhol Jerome Cloetens aparece numa reportagem, publicada a 5 de Janeiro na revista SAL&ROCA (nuevatribuna.es/público), em que se informa que o objectivo da viagem é gravar um vídeo comercial para os hotéis Dakhla Attitude. Em três ocasiões, diz-se na reportagem que Dakhla é Marrocos. Dois dias depois – revela a advogada –, o periódico retirou o termo «Marrocos» do artigo, mas sem especificar que a cidade fica no Saara Ocidental, território que Marrocos invadiu há 45 anos.

«É a estratégia de Marrocos: propaganda nas cidades saarauís ocupadas para aparentar uma normalidade inexistente e para se arrogar uma soberania que não detém», lê-se no texto.

Na reportagem, Cloetens sublinha que «a lista de coisas positivas é longa», sem reparar na brutalidade que se esconde por trás dessa paisagem idílica, sublinha a autora, lembrando que Dakhla faz parte dos territórios ocupados do Saara Ocidental, não autónomos e à espera da descolonização, tal como referem as Nações Unidas. Ou seja, «Dakhla não é Marrocos».

Benítez de Lugo diz que, para informar futuros visitantes sobre este lugar de sonho, é preciso avisá-los que a 13 de Novembro último foi retomada a guerra de libertação da Frente Polisário, representante do povo saarauí, contra as forças ocupantes marroquinas, depois de estas terem violado os termos de um cessar-fogo que durava havia 29 anos. Neste sentido, considera, tal como já alertou a Frente Polisário, que não se pode dizer que este seja «um território idóneo para turistas».

Dakhla é também um «grande centro da espoliação», lembra a autora, uma vez que a «riqueza extraordinária» de recursos da pesca é saqueada por Marrocos, sem que os saarauís daí retirem qualquer benefício, «nem riqueza nem trabalho».

«Normalização de uma barbárie»

«Os surfistas sabem alguma coisa das pessoas torturadas, que desaparecem e são mortas, da ausência total de direitos dos saarauís nos territórios ocupados por Marrocos, dos julgamentos-farsa, das condições de vida que enfrentam nas cadeias os presos condenados por reclamar a autodeterminação?», questiona.

«A indústria do surf nessa região de vento e ondas é próspera», e, mesmo com a presença das forças de ocupação por todos os lados, «os surfistas, na sua borbulha, não se vão dar conta do que ali se está a passar […], não se vão escandalizar», afirma a autora, sublinhando que, de forma consciente ou não, estão a contribuir «para a normalização de uma barbárie».

«O segredo do êxito baseia-se numa campanha de comunicação centrada na organização de eventos não políticos», disse ao La Vanguardia, em 2019, Driss Senoussi, proprietário do grupo hoteleiro Dakhla Attitude, que patrocinou o vídeo de Cloetens. «Com efeito, não estamos perante um caso isolado», comenta Benítez de Lugo.

Maradona, o jet-set, Zapatero e mais

Sem ir mais longe, a autora refere o caso do futebolista Diego Armando Maradona, recentemente falecido, que «participou por duas vezes em jogos amigáveis entre velhas glórias africanas e do resto do mundo em El Aaiun, a capital do Saara Ocidental ocupado, a convite das autoridades marroquinas».

Também o caso da filha da cantora espanhola Isabel Pantoja, que há pouco anunciou numa revista cor de rosa que se ia casar em Dakhla – localizando-a em Marrocos – com o seu noivo marroquino. «Esse detalhe não pode ser inocente – refere a advogada –, embora ela não saiba nada».

Aponta ainda a «Semana de Dakhla» organizada pelo Município de Torremolinos (Andaluzia) em Julho de 2018, «à qual acorreu uma ampla representação marroquina». O presidente da Câmara, «pressionado pelo movimento saarauí, viu-se obrigado a suspender as iniciativas dois dias antes do encerramento, sem dar explicações».

A autora questiona se se pode justificar o facto de ir a um território ocupado alegando ignorância e sublinha que a imprensa contribui muito para isso «com o seu silêncio». De forma paradoxal, realça, Donald Trump, «cuspindo para o direito internacional ao adjudicar o Saara Ocidental a Marrocos», conseguiu fazer correr rios de tinta sobre a ocupação.

«Quem efectivamente está informado é José Luis Rodríguez Zapatero, ex-primeiro-ministro de Espanha», a quem a autora acusa de «não perder a ocasião de apoiar Marrocos na sua ocupação, defendendo uma autonomia saarauí sob soberania marroquina».

Zapatero participou, em 2015, nas iniciativas organizadas em Dakhla pela ONG suíça Fórum Crans Montana – que situa a cidade saarauí em Marrocos e que, nota Cristina Benítez de Lugo, é uma reunião de lobistas que «pretendem legitimar a ocupação marroquina do Saara Ocidental».

O texto lembra ainda que Rodríguez Zapatero recebeu de Mohamed VI a mais alta condecoração do país, a que está reservada aos que se distinguem em acções de relevo em prol do rei e de Marrocos.

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Neste sentido, o governo da RASD reitera o apelo urgente «a todos os países do mundo e aos sectores público e privado para que se abstenham de qualquer tipo de actividade dentro do território nacional saarauí».

Deixa assim um aviso aos responsáveis da chamada Africa Eco Race 2022, aos competidores, patrocinadores e todos os participantes, sublinhando que os responsabilizará pelas consequências da sua entrada e passagem pelo território nacional da RASD.

O texto, acessível na agência Sahara Press Service, sublinha igualmente que as autoridades saarauís «se reservam o direito de recorrer a todos os meios legítimos e a responder com firmeza a quaisquer acções que minem a soberania e a integridade territorial».

Na página on-line da Africa Eco Race – que faz lembrar a corrida Paris-Dacar antes de esta ter migrado para a América do Sul e outras paragens –, afirma-se que o evento automobilístico, a realizar entre 15 e 30 de Outubro, decorre entre o Mónaco e Dacar (capital do Senegal).

Mapa do percuros da Africa Eco Race 2022 / africarace.com

Na apresentação do percurso (clicar na imagem para a ver na totalidade), o mapa não contém qualquer referência ao Saara Ocidental, apesar de algumas das etapas e de um dia de descanso terem lugar no território ocupado. Os países referidos são o enclave monegasco, Marrocos, Mauritânia e Senegal.

O primeiro dos termos que, nesse mapa, caracterizam a corrida é «liberdade». Ao fundo, há uma rosa dos ventos, porventura um sinal da necessidade de orientação no deserto. Desse modo, torna-se mais fácil saber onde fica o Ocidente do Saara.

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