Pela primeira vez na história eleitoral do Brasil, dezenas de milhares de pessoas juntaram-se para acompanhar o registo de uma candidatura à Presidência, a que é liderada por Luiz Inácio Lula da Silva (na cadeia há 132 dias).
Pouco depois da entrega do pedido de registo junto do Tribunal Superior Eleitoral, feita por uma comissão representativa da candidatura, a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, mostrou à multidão o certificado do registo em que Lula figura como candidato a presidente e Fernando Haddad a vice-presidente.
No acto que se seguiu estiveram presentes dirigentes sindicais, representantes de partidos políticos, de movimentos sociais e da Frente Brasil Popular. Entre os milhares de manifestantes encontravam-se também os mais de cinco mil militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, desde dia 10, marcharam mais de 50 quilómetros, em três colunas diferentes.
Kelli Mafort, da direcção nacional do MST, disse ao Brasil de Fato que a mobilização na capital federal superou as expectativas, demonstrando que «o povo brasileiro sabe o que quer».
«Quem está aqui hoje […] nessa luta está a representar aqueles milhares e milhares de brasileiros e brasileiras que já manifestaram que querem eleger presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. E essa é uma luta histórica, porque mostra que o registo de uma candidatura não deve ser apenas um acto burocrático, mas uma construção colectiva, como a que estamos a ver hoje», declarou.
Ao longo do dia, a ênfase foi colocada na perseguição a Lula, «preso em Curitiba [Paraná], na sequência de um processo sem provas», na defesa da legitimidade da sua candidatura e do direito de os brasileiros poderem decidir o destino do país por voto popular.
Vários discursos lembraram que o julgamento do ex-presidente foi «questionado dentro e fora do país», e denunciaram que, subjacente à perseguição, está o projecto progressista que ele encarna, contra a «agenda anti-trabalhadores e entreguista do golpe».
Vitória contra o golpe
Presente no acto, a ex-presidente Dilma Rousseff classificou como uma vitória o registo da candidatura de Lula. «Aqui estamos nós, inteiros, de pé, depois de um golpe em 2016. Eles achavam que nos iam destruir, que nós não iríamos resistir. Mas nós estamos de pé, como o povo brasileiro, que é corajoso e enfrenta as adversidades. Enfrentamos os golpistas porque queremos acabar com os retrocessos dos direitos sociais. Lula livre e candidato representa a vitória da democracia no nosso país», declarou, sublinhando que os golpistas «estão derrotados», pois não têm «nenhum candidato que possa enfrentar Lula».
«A única coisa que eles conseguiram foi impor ao nosso país esse momento de retrocesso, de perda de direitos sociais, aumento da mortalidade infantil, do desemprego, vendendo o nosso património. Mas o povo sabe quem são eles. E nenhum hoje tem voto para disputar connosco», disse, citada pelo Portal Vermelho.
Lula: «Sou vítima de caçada judicial»
Registado como vice de Lula até que a Justiça se pronuncie sobre a homologação da candidatura, Fernando Haddad, petista ex-presidente da Câmara de São Paulo, leu uma carta enviada por Lula.
Na missiva, Lula reafirma o direito de concorrer às eleições e que é vítima de uma perseguição política. «Há um ano, um mês e três dias, Sérgio Moro usou do seu cargo de juiz para cometer um acto político: ele condenou-me pela prática de "actos indeterminados" para tentar tirar-me da eleição. […] Sou vítima de uma caçada judicial que já está registada na história», escreveu.
Em seu entender, se a Constituição Federal e as leis tiverem algum valor, a sua absolvição virá pelas Cortes Superiores. «Não estou a pedir nenhum favor. Quero apenas que os direitos que vêm sendo reconhecidos pelos tribunais em favor de centenas de outros candidatos há anos também sejam reconhecidos para mim. Não posso admitir casuísmo e o juízo de excepção», sublinhou.
O ex-presidente escreveu ainda que, com o seu nome aprovado na convenção do PT, a Lei Eleitoral garante que ele só não será candidato «se morrer, renunciar ou for arrancado pelo Justiça Eleitoral». «Não pretendo morrer, não cogito renunciar e vou brigar pelo meu registro até o final», frisou.
Presidente do Tribunal Eleitoral defende impugnação automática
Rosa Weber, que assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quarta-feira, defendeu a possibilidade de a Justiça Eleitoral poder declarar «de ofício», ou seja, automaticamente, a impugnação de um candidato – mesmo sem haver contestação, pedido de impugnação da candidatura.
A Lei Eleitoral brasileira prevê que apenas candidatos, coligações e partidos adversários, além do Ministério Público Eleitoral, possam apresentar uma acção de contestação. Por isso, Renato Ribeiro, advogado e professor de Direito Eleitoral, defende que deve prevalecer o princípio da «inércia da Justiça», isto é, que esta só deve agir depois de provocada pelas partes, explica o Brasil de Fato.
No caso de Lula
De acordo com Fernando Neisser, advogado eleitoral que representa o ex-presidente, caso a candidatura de Lula seja impugnada, o petista tem direito de permanecer na disputa até se esgotarem todos os recursos, podendo participar nas acções de campanha.
Com base no artigo 16 da Lei Eleitoral brasileira, Lula continuará a ser candidato, mesmo que impugnado, «até o trânsito em julgado do processo de registo de candidatura». Isto é, a questão «vai ser discutida no TSE, vai haver embargos de declaração no TSE, vai subir para o Supremo [Tribunal Federal]. É a literalidade da Lei», diz Neisser.
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