|Ambiente

Mercado de carbono: especulação rende 50 mil milhões de lucros

Empresas da União Europeia (UE) obtiveram avultados rendimentos, aproveitando-se de expedientes legais constantes do regime do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE).

Créditos / jornaltornado.pt

O regime do CELE, que concede licenças gratuitas de emissão de gases com efeito de estufa (GEE), permitiu, às beneficiárias, lucros especulativos na ordem dos 50 mil milhões de euros, segundo um relatório hoje divulgado.

O documento, feito pela consultora CE Delft e divulgado pela organização não governamental Carbon Market Watch, parceira da portuguesa ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, refere-se a rendimentos obtidos entre 2008 e 2019, período em que só a indústria portuguesa registou lucros suplementares no mercado de carbono de quase mil milhões de euros.

Estes lucros decorrem do CELE, mecanismo aprovado pela UE, com o intuito de regular as emissões de GEE nas actividades responsáveis por cerca de 45% desta poluição, nomeadamente a queima de combustíveis, a refinação de óleos minerais, a metalurgia, a cerâmica ou pasta de papel, entre outros.

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A «greve climática» e a mudança necessária

Uma sociedade que respeite mais o ambiente e o planeta é também uma sociedade que se respeita mais a si própria, onde a luta pelo ambiente anda de mãos dadas com o progresso e a justiça social.

Planeta Terra / planeta-terra
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Está convocada, para esta sexta-feira, uma nova greve climática sob os lemas «salvem o planeta» e «faz pelo clima», no âmbito do movimento «#FridaysForFuture».

Em Portugal, a ideia é reeditar o sucedido no dia 15 de Março, em que em várias cidades do País, centenas de milhares de estudantes, saíram à rua exprimindo o seu «descontentamento para com as classes políticas que varrem a crise climática para debaixo do tapete».

A defesa do ambiente, as alterações climáticas, as fontes para o consumo energético, a delapidação e extinção de espécies, a destruição de ecossistemas e tantas outras questões têm estado muito presentes no debate público e na Comunicação Social.

Surgem notícias, um pouco por todo o mundo, de diagnósticos e constatações que chocam a todos, como são os casos de ilhas constituídas inteiramente de plástico desperdiçado.

Estes temas, veiculados em tantos meios de comunicação e nas redes sociais, correspondem àquilo que mais importante temos: a existência sadia no nosso planeta, em respeito por todas as espécies e em resposta às necessidades da humanidade.

É visível que muita gente se insurge e identifica – ao menos nas redes sociais – sobre o assunto. E, em particular, muitos são os jovens que não aceitam olhar para a destruição ambiental e do planeta e ficar calados, como ficou expresso, de resto, na adesão às manifestações em defesa do ambiente, realizadas a propósito da greve climática convocada, no passado dia 15 de Março.

Agir indo às causas da degradação ambiental

É preciso agir indo às causas, que radicam invariavelmente em questões económicas. Tanto o ambiente como a energia, em particular aquela que assenta em recursos finitos, são hoje factores de intensas disputas políticas, económicas e até geoestratégicas entre os países com mais peso económico e produtivo.

Perante isso, é de constatar que há propostas e acções, por vezes bastante badaladas, que assumem expressões de defesa ambiental e do planeta, mas que nem sempre vão ao encontro da substância e de objectivos de ruptura com as causas e os responsáveis que nos trouxeram até aqui. Pelo contrário, algumas dessas soluções «virais» nos media não chegam sequer a beliscar o paradigma ambiental em que nos encontramos.

Há ideias chamadas «verdes» mas cujas propostas, não indo à raiz, promovem alterações para que «tudo fique na mesma».

É o que acontece com soluções paliativas decorrentes do desenvolvimento tecnológico, ou de alguns produtos verdes, ou ainda da falsa esperança que mecanismos financeiros e especulativos que negoceiam o ambiente venham a ser eficazes.

Tal fica bem patente com o compromisso da União Europeia (UE) com o Acordo de Paris, alcançado a 12 de Dezembro de 2015. Este acordo assenta numa lógica mercantilista e de expectativa que, no actual modelo económico neoliberal, se façam investimentos que gerem baixas emissões de gases, através da perspectiva do lucro e negócio.

Para além de estes mecanismos se traduzirem num adiamento do problema, o que a defesa ambiental exigiria era o compromisso com uma responsabilidade comum mas diferenciada entre países em desenvolvimento e industrializados, para que a propósito de um tema tão central como o ambiente não se promovam mais injustiças entre estados.

Não será pois equitativo colocar no mesmo patamar de responsabilidade os estados que até hoje com o seu desenvolvimento mais contribuem para a acumulação de carbono e os países em desenvolvimento.

A realidade tem demonstrado, por exemplo, que o Mercado de Carbono não funciona e, pelo contrário, tem tido um efeito perverso. Este mercado de emissões é um negócio de compra e venda de doses de poluição, e permite que os países com maior poder económico possam comprar poluição a países com mais dificuldades económicas, o que significa que se promove a negociação da poluição, quando deveria estar a pôr-se em prática políticas eficazes de redução das emissões carbónicas.

Aliás, com a crise que trouxe uma redução da actividade económica, os produtores de gases com efeito de estufa diminuíram a sua procura de licenças de produção de CO2. A diminuição da procura fez baixar o preço das licenças, pelo que se tornou muito barato poluir. A tonelada de CO2 chegou a atingir os três euros e, mesmo após intervenção da UE, apenas aumentou para os oito euros, o que faz com que seja barato utilizar combustíveis mais poluentes.

Não é pois à toa que muitos senhores da alta finança e de grandes grupos económicos aplaudem soluções desta natureza.

«Assumir que os problemas ambientais suplantam posicionamentos políticos de fundo por ser «um problema de todos» é esquecer que há alguns, poucos, que convivem bem com a exploração ambiental, lucrando e muito.»

Outra das bandeiras da UE é a chamada União Energética, que, para além de promover a concentração do poder na Comissão Europeia (CE), no seu regulamento permite que sejam aplicadas sanções financeiras aos estados-membros (e a história recente de Portugal demonstra bem o que de mais negativo representam este tipo de sanções), ao mesmo tempo que não tem nenhuma disposição sobre o necessário combate a fazer à pobreza energética.

Somam-se a estas, medidas que visam passar os seus custos para as populações e, ao mesmo tempo, deixam de penalizar os reais responsáveis pela degradação ambiental. Um exemplo recente e paradigmático disto foi a Reforma da Fiscalidade Verde introduzida pelo governo de PSD/CDS-PP, que utilizando argumentos ditos ecologistas aumentou a carga fiscal sobre as camadas mais empobrecidas.

A actuação exclusiva sobre o consumo, com «produtos verdes» ou apelando à redução ou substituição de produtos numa sociedade consumista, tem duplo efeito perverso: em primeiro lugar, através da taxação de hábitos, que acaba por pesar sobre as populações e as camadas sociais mais empobrecidas, e o negócio que permite a grandes grupos económicos continuarem a lucrar com estes novos produtos.

Sendo óbvio que os comportamentos individuais são importantes, é de facto determinante uma educação ambiental para toda a sociedade. Mas só por via da efectivação de políticas públicas ambientais que imponham normas e comportamentos em defesa das populações, responsabilizando os grandes senhores da poluição e da degradação ambiental, se efectivarão transformações de fundo.

A questão principal é política e social e não se ultrapassará apenas por via do desenvolvimento tecnológico, como alguns parecem querer fazer passar. Até porque o desenvolvimento assente nas premissas que temos hoje não permitirá um resultado diferente para melhor do que aquele que encontramos. É necessário alterar-se o paradigma da produção que explora sobremaneira a natureza, com objectivos assentes no lucro.

Vários movimentos e organizações têm tido expressão nesta frente, nomeadamente aproveitando a visibilidade mediática para passar as suas mensagens.

No entanto, muitos deles, fazendo o diagnóstico da grave situação ecológica, acabam por não se comprometer de forma decidida com a ruptura necessária. Alguns apresentam-se como rostos de movimentos internacionais de motivações ecológicas, mas assentam na premissa de serem «diversificados», assumindo que não se «metem» na discussão se são de esquerda ou de direita. O que se traduz na assumpção de que entendem poder defender o ambiente lado a lado com aqueles que mais decisivamente contribuem e lucram com a degradação ambiental e dos recursos do planeta, sem esquecer que são as populações, em particular os trabalhadores e os mais pobres, que mais sofrem com essa degradação.

Assumir que os problemas ambientais suplantam posicionamentos políticos de fundo por ser «um problema de todos» é esquecer que há alguns, poucos, que convivem bem com a exploração ambiental, lucrando e muito.

Não se pode passar por cima do facto de que nem todos contribuem da mesma forma para a degradação ambiental e dos ecossistemas. É preciso dar combate àqueles que participam nas decisões políticas que destroem o planeta e daí retiram dividendos.

O mundo precisa de mudança

As soluções a implementar para defender o planeta têm de ser feitas indo ao encontro das necessidades da humanidade, respeitando os recursos naturais existentes. É preciso harmonizar as necessidades humanas e de progresso social com o planeta que temos.

É vasto o conjunto de medidas a tomar o quanto antes na defesa do meio ambiente e do planeta.

Impõe-se o reforço do papel do Estado na defesa da natureza e dos ecossistemas e para o aumento da eficiência energética, através de alternativas energéticas ecológicas.

Tendo em conta que os combustíveis fósseis satisfazem actualmente mais de 80% das necessidades energéticas a nível mundial, importa coragem política para diminuir esta dependência, através do investimento público em alternativas viáveis e seguras para as populações.


Uma das principais frentes passa pela defesa intransigente do transporte público colectivo, por via do investimento necessário para que se torne numa opção para as deslocações diárias das populações. Aliás, Portugal avançou uma medida importantíssima neste sentido, com a redução do valor do passe social, em implementação durante este ano.

Também no que respeita ao problema das emissões que produzem o efeito estufa, impõe-se defender a produção local travando a liberalização do comércio mundial, o que teria como consequência uma substancial redução da amplitude dos ciclos de produção e consumo e, bem assim, das referidas emissões.

A redução das emissões de CO2 só poderá chegar a bom porto se feita por via de normativos específicos e sem que seja possível o negócio das licenças, que já provou ser ineficaz e perverso.

A protecção dos ecossistemas joga também um papel importante no ciclo do carbono e dos equilíbrios naturais.

O combate à mercantilização da água e do saneamento tem de ser feito pela manutenção da água no domínio público, único garante de que o direito ao acesso a este direito fundamental não é posto em causa.

Uma sociedade que respeite mais o ambiente e o planeta é também uma sociedade que se respeita mais a si própria, onde a luta pelo ambiente anda de mãos dadas com o progresso e a justiça social.

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De acordo com este regime, é possível às empresas negociarem entre si as licenças emitidas, o que permite que uma empresa que reduza as suas emissões possa vender as licenças em excesso.

É assim que, de acordo com este relatório, se explica que, através do CELE, não só as empresas não pagam pelo que poluem, como ainda têm lucros adicionais.

A investigação foi feita em 18 países da UE (onde se inclui Portugal) e no Reino Unido, e conclui que a maioria dos lucros aconteceu na Alemanha, seguindo-se a Itália, a França e depois a Espanha. As indústrias que mais lucraram foram as do ferro e aço, refinarias, cimento e petroquímica.

Há três mecanismos para a obtenção destes lucros. Há empresas que receberam licenças de emissão gratuitas em excesso e venderam com lucro no mercado. Outras compram compensações internacionais mais baratas para abater nas suas emissões e venderam licenças que lhes foram atribuídas gratuitamente com lucro no mercado. E há ainda outras que passam os custos das licenças de emissão, obtidas gratuitamente, para o preço dos produtos pago pelos consumidores.

Em Portugal (por unidade de PIB é o terceiro país com mais lucros), o total de lucros especulativos ascende a 975 milhões de euros no período de 2008 a 2019.

A maior parte desse dinheiro, 731 milhões de euros, foi obtido passando os custos implícitos para o consumidor e a segunda maior fatia de lucros, 188 milhões de euros, foi obtido através da venda das licenças que receberam gratuitamente. As empresas que mais lucraram são a Cimpor (315 milhões de euros), a Petrogal (236 milhões de euros) e a Secil (102 milhões de euros).

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Reduzir 65% das emissões poluentes até 2030

O desafio é lançado pel'«Os Verdes» ao Governo para que este defenda, no âmbito da sua presidência do Conselho Europeu, políticas para a redução de emissões de gases com efeito de estufa.

/Pixabay
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Para os ecologistas, a redução de 60% das emissões até 2030 deveria ser uma meta mínima, uma vez que se deveria trabalhar para «atingir os 65%, até 2030, com valores de referência de 1990». Com este objectivo, o PEV apresentou, na Assembleia da República, uma recomendação ao Executivo.

O partido lembra que o «Acordo de Paris determina que a temperatura global do planeta não deve ultrapassar os 2.ºC em relação à era pré-industrial, devendo ser empreendidos esforços para que não fique acima dos 1,5ºC». Não obstante, estas metas podem ficar comprometidas, tendo em conta a «intensificação do aquecimento global» ao ritmo dos dias de hoje.

Neste sentido, «Os Verdes» evocam ainda o relatório especial do painel inter-governamental para as alterações climáticas de 2018, que constatou a elevada «probabilidade de se ultrapassar aquele valor [1,5.ºC] já na primeira metade do século XXI, se não forem tomadas medidas eficazes».

«Alguns dos efeitos mais preocupantes das alterações climáticas, como os extremos climáticos (fortes secas e fortes intempéries), a subida dos níveis dos mares ou a perda de biodiversidade» são já uma realidade do planeta.

Assim, é determinante «a diminuição do ritmo de aquecimento global» para retardar estes efeitos e para ser possível ganhar «mais tempo e oportunidade para processos de adaptação mais planeados e menos abruptos».

«A União Europeia (UE), que tem sérias responsabilidades globais nos altos níveis de emissão de gases com efeito de estufa, tem procurado ter uma imagem de salvaguarda do clima. Contudo, é preciso dizer que "dá umas no cravo e outras na ferradura", demonstrando, muitas vezes, contradições apreciáveis quando promove políticas que visam servir grandes interesses económicos e que navegam em sentido contrário aos objectivos de mitigação e de implementação de um processo de adaptação às alterações climáticas», denunciam os ecologistas.

Criticam ainda os subsídios atribuídos pela UE a Portugal para se diminuir a soberania alimentar, o que fez aumentar a pegada ecológica, ou ainda o favorecimento à implantação de monoculturas de eucalipto e às longas culturas super-intensivas de olival e amendoal.

«Os Verdes» destacam ainda a discussão em curso, no Parlamento Europeu, da Lei Europeia do Clima, onde se foi mais longe na fixação do objectivo de redução das emissões de gases com efeito de estufa em 60%, em 2030, quando a meta inicial da Comissão Europeia era apenas de 55%. Explicam que «esta diferença de cinco pontos percentuais representa» mais do que Portugal emite e, tendo em conta todos este factores, os ecologistas insistem que deveria trabalhar-se para reduzir «preferencialmente» 65% das emissões.

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Recorde-se que no âmbito do CELE, se decidiu que as indústrias de uso intensivo de energia têm direito a licenças de emissão gratuitas porque alegam estar em desvantagem competitiva face a empresas de fora da UE, em que o carbono não tem custos.

Estes regimes decorrem do Acordo de Paris, de 2015, assinado por 195 países, e no qual se estabelecem objectivos globais para redução de emissão de GEE, nomeadamente por via do recurso ao mercado de carbono.

Todavia, tendo em conta as assimetrias no desenvolvimento de cada país e região do planeta, há realidades muito distintas a nível global. Nesse sentido, e pelo contrário, a política mais eficaz para alcançar a redução da emissão destes gases seria pela defesa da produção local, travando-se a liberalização do comércio mundial. Estas medidas teriam como consequência uma substancial redução da amplitude dos ciclos de produção e consumo e, bem assim, das referidas emissões.

Por outro lado, a redução das emissões de CO2 só poderá chegar a bom porto se for feita por via de normativos específicos e sem que seja possível o negócio das licenças, que a realidade, e este estudo divulgado, demonstram ser ineficaz e perverso.

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