Por proposta do PSD de Carlos Carreiras, a Câmara Municipal (CM) de Cascais prepara-se para assumir directamente os transportes públicos. Fá-lo contra vontade, por um prazo que finge acreditar ser só de um ano, vergada pelo peso das trapalhadas cometidas pelo presidente da Câmara e respectivo Executivo e por uma liberalização que é um desastre – anunciada há muitos anos, quando começou a ser desenhada em Bruxelas e transportada para Portugal por PS e PSD.
Longe vão os tempos em que Carreiras se vangloriava de dar cartas na Área Metropolitana de Lisboa (AML) e no País, e de andar a ensinar como se fazem concursos públicos. O concurso, lançado à pressa em Outubro de 2018, para se antecipar aos que estavam em preparação na AML e noutras regiões, foi agora completamente detonado pelos tribunais. E a forma teimosa e arrogante como o processo foi dirigido só agravou o resultado final.
Como agora acontece em quase todos os concursos, o derrotado do concurso de Cascais (a Scotturb) avançou para tribunal exigindo a exclusão do vencedor, a espanhola Martin SA, assim contestando a decisão de adjudicação da CM de Cascais de Maio de 2019. Em Março de 2021 o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa deu razão à Scotturb e anulou o contrato assinado com a Martin SA. Mesmo assim, a CM de Cascais avançou com o processo, depois de interpor o recurso da praxe, e em Maio de 2021 a Martin SA começou a operar. Entretanto, a Câmara perdia mais dois recursos, no Tribunal Central Administrativo Sul, em Maio de 2022, e no Supremo Tribunal Administrativo, a 24 de Novembro de 2022.
«Longe vão os tempos em que Carreiras se vangloriava de dar cartas na Área Metropolitana de Lisboa (AML) e no País, e de andar a ensinar como se fazem concursos públicos.»
Desta vez, ao mesmo tempo que avança com um último recurso, para o Tribunal Constitucional, a CM de Cascais, temendo as consequências de um último desfecho negativo (que implicaria a interrupção imediata da oferta de transportes rodoviários em Cascais por impossibilidade de pagamento ao fornecedor) decide assumir diretamente a exploração do serviço público do transporte rodoviário regular de passageiros no concelho de Cascais, e alugar, por ajuste directo, à empresa Martin, S.A., toda a sua frota actualmente afecta à operação municipal de Cascais incluindo os motoristas necessários para a sua circulação. Ficará assim a CM de Cascais a pagar 12 milhões de euros por ano, até conseguir lançar um novo concurso e fazer uma nova concessão. Que se somam ao muito já gasto em advogados – para fazer cadernos de encargos, deliberações, defesa em tribunal, assessoria, etc.
O estrondo só não é maior porque não tem interessado a quem domina a comunicação social. Os ângulos de abordagem poderiam ser muitos: desde o facto de o liberal Carreiras estar a ser obrigado a colocar a Câmara Municipal a assegurar directamente o serviço para fugir à imensa trapalhada em que a envolveu (não apenas pelas eventuais fragilidades do Caderno ou do Concurso, mas pela decisão de avançar com a mudança de operador mesmo depois de ter perdido na primeira instância); até a esta grave entorse à transparência que é uma Câmara Municipal aprovar um ajuste directo de 12 milhões de euros para tentar contornar uma decisão dos tribunais; sem desvalorizar a importância das relações claramente demasiado próximas entre os responsáveis camarários e o operador privado, única explicação para o tipo de proposta construída.
«O estrondo só não é maior porque não tem interessado a quem domina a comunicação social. Os ângulos de abordagem poderiam ser muitos (...)»
Este processo é único pela escala da trapalhada e da arrogância, mas é apenas um de muitos concursos que se arrastam no tempo sem produzir os devidos resultados, alimentando gordos escritórios de advogados e entupindo os tribunais. No seu conjunto, são o espelho da cupidez do modelo imposto pela União Europeia, de uma liberalização destinada a entregar estes sectores às grandes multinacionais, únicas empresas capazes de aguentarem e alimentarem estes processos.
E ilustra também o impacto sobre os trabalhadores destas liberalizações. Apesar de se tratar de um serviço permanente, que deveria exigir postos de trabalho permanentes e trabalhadores efectivos, desde 2018 que é a instabilidade e a precariedade aquilo que marca a vida destes trabalhadores. Quer os que, entretanto, foram despedidos pela Scotturb, quer os que foram, entretanto, contratados pela nova operadora, e estão, a prazo, alugados à Câmara de Cascais. Mais uma vez expondo os verdadeiros objectivos de todas as liberalizações: promover a concentração capitalista e intensificar a exploração dos trabalhadores.
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