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Como não resolver o problema do racismo no desporto

O caso ocorrido entre Pepe e Colombatto revelou as dificuldades para enquadrar o tratamento de situações racistas no futebol, pela forma como o árbitro da partida reagiu e pela maneira como o caso parece rapidamente passar ao esquecimento. Uma oportunidade perdida para o progresso das ideias e dos comportamentos.

Créditos / AFP

Ao minuto 88 do encontro FC Porto - Famalicão, a contar para as meias-finais da Taça de Portugal, Fábio Cardoso e Santiago Colombatto disputam uma bola, com o jogador argentino dos famalicenses a ficar caído no chão. No seguimento do lance, Pepe, capitão do FC Porto, aproxima-se do jogador adversário, com Manuel Mota, o árbitro, e Jhonder Cádiz, também do Famalicão, por perto. Percebe-se, no momento, que Pepe se exalta e é afastado pelo árbitro. A situação é estranha e só se torna perceptível mais tarde. O internacional português acusa Santiago Colombatto de lhe ter chamado «mono», configurando este como um gesto de racismo para o qual avançou com queixa junto da PSP.

«Mono» não é uma palavra inocente. O equivalente castelhano para «macaco» tem um longo historial de utilização com cariz racista, quer em Espanha, quer na Argentina, países onde existem documentados imensos casos da utilização desta expressão com intenção racista. Para além de Santiago Colombatto ser argentino, Pepe viveu e jogou em Espanha durante dez anos, pelo que estará mais do que familiarizado com a palavra e o conceito associado. Entre as reações à acusação de Pepe, muitos preferiram olhar para o historial do internacional português, cometendo aquela que é a injustiça infelizmente mais banal de quem se acerca de um caso de abuso: procurar na vítima a razão ou a desculpa para o acontecido.

No dia seguinte, Santiago Colombatto fez um comunicado público sobre a situação, onde explica que nunca teve qualquer intenção racista, que respeita o seu adversário e que terá dito, não «mono», mas sim «me pegaste un patadón, boludo», que pode ser traduzido como «deste-me uma patada, idiota». Lamenta-se também de toda a situação e de como esta o prejudica, a si e à sua família. O comunicado de Colombatto parece indicar que o argentino se dirigiu a Pepe como se tivesse sido este a disputar a bola consigo, o que claramente não foi o caso. Por outro lado, através das páginas do Jornal Record, ficou a saber-se qual a indicação de Manuel Mota no seu relatório do jogo. Segundo o árbitro, o jogador argentino terá dito algo que o juiz da partida não terá percebido. Fontes desse jornal garantem que não terá sido chamado «macaco», mesmo que a queixa de Pepe ter sido relativa à palavra «mono».

Logo na noite dos acontecimentos pude sublinhar que a sensibilidade de quem foi acusado deve ser defendida, que a palavra «mono» tem uma carga histórica que a pode configurar como ato de racismo, independentemente da intenção de quem a profere, que me parece essencial que exista uma formação de todos os agentes do futebol para questões relativas ao racismo. Infelizmente, os dias seguintes provaram a necessidade disto mesmo. Por um lado, na forma como se continuou a avaliar a vítima e as suas circunstâncias como razão para o acontecido. Por outro lado, na maneira como se aceita como boa uma versão ou outra, quase que abdicando de qualquer reflexão sobre o tema. Finalmente, na maneira como o árbitro Manuel Mota terá tratado o caso no seu relatório, ignorando de forma olímpica as implicações de um caso semelhante, não apenas no concreto, mas na generalidade do seu enquadramento.

Tem sido um reflexo lamentável na forma como se abordam quase todos os casos de racismo no futebol. Foca-se o caso de forma isolada, preenche-se a discussão com interpretações marcadas por ausência do enquadramento do caso, salpica-se com um certo clubismo ou patriotismo conforme os intervenientes e avança-se rapidamente para a dificuldade de constituir prova sobre o acontecido. Assim se permite que o racismo se mantenha, de forma permanente e sem qualquer tratamento, como uma realidade dos nossos dias nos campos de futebol. Nem por acaso, no último fim-de-semana, na bancada de um estádio onde se realizada um jogo de futebol da Liga Portugal, uma bancada onde se reuniam famílias e jovens atletas do clube do casa, dois pais incentivavam os jogadores à utilização da palavra «mono» para resolver uma discussão com atletas rivais. Tudo isto com sorrisos. Tudo isto como uma encenação triste de mais uma oportunidade perdida para o progresso das ideias e dos comportamentos.



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