No primeiro debate televisivo enquadrado nas eleições para o Parlamento Europeu e que colocou frente-a-frente AD, PS, iniciativa Liberal e Livre, muitas foram as loas prestadas ao «Pacote em matéria de migração e asilo». O problema: ninguém disse realmente o que era.
Neste pequeno explicador, o AbrilAbril procurará condensar o que é, então, o chamado «Pacote em matéria de migração e asilo». Uma reforma legislativa sobre o funcionamento do sistema de gestão dos fluxos migratórios e alegada protecção das fronteiras da União Europeia, mas também um avançar da consolidação de uma agenda que agrada a extrema-direita que desmente por completo a propalada propaganda dos «valores europeus».
O tal «Pacote em matéria de migração e asilo» consistiu em 10 relatórios, na primeira sessão plenária de Abril, e deste modo assistiu-se à convergência de PS, PSD e CDS-PP, visível também entre Marta Temido, Sebastião Bugalho e Cotrim de Figueiredo no primeiro debate para as eleições ao Parlamento Europeu.
Assim, tal como se pôde ver no debate, entre jogos de palavras, truques semânticos e meias verdades, que visam não revelar a fundo de que se trata esse «Pacto», existiu uma grande sintonia no que à «Europa fortaleza» diz respeito.
O valor da vida humana é definido em função de interesses económicos
Um dos pilares que mais sustenta a desumanidade deste pacote legislativo é a clara mercantilização que é feita dos migrantes e requerentes de asilo. Veja-se que a natureza selectiva é assente em interesses económicos que, por sua vez, negam um vasto conjunto de direitos sociais e laborais e, como tal, ignora a causa dos fluxos.
Face à fuga da guerra, da fome e da miséria, a União Europeia encara os migrantes e requerentes de asilo como uma forma de cada Estado retirar contrapartidas económicas dessas situações, ou uma forma dos Estados com maior capacidade económica descartarem-se do que encaram ser um problema.
Importa relembrar que PS, PSD e CDS-PP, ao votarem a favor dos relatórios que constituem este «pacote» vão contra a constituição da república que estipula que «é garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana».
Aceleração de procedimentos discricionários para o retorno para o país de origem ou para países terceiros
O «Pacote em matéria de migração e asilo», não só promove um autêntico mercado de migrantes e requerentes de asilo como normaliza e acelera procedimentos discricionários para o retorno para o país de origem ou para países terceiros.
Cedendo à pressão e à cada vez mais dominante agenda da extrema-direita, a União Europeia passa a ter maior facilidade na deportação de requerentes de asilo, mesmo que haja riscos para esse mesmo requerente de asilo ou seja uma família com crianças. A situação torna-se ainda mais grave na medida em que não é garantido o acesso a assistência jurídica, deixando de haver qualquer tipo de defesa e, em última análise, pode assistir-se à suspensão de direitos.
No caso das detenções, estas poderão ser prolongadas nas fronteiras e incluir crianças, algo que Sebastião Bugalho no debate relativizou porque a palavra não é «prisão». Neste processo dá-se a introdução da «ficção jurídica de não entrada». A «ficção jurídica» é basicamente um conceito criado para explicar situações que aparentemente são contrárias à própria lei, mas que precisam de supostas soluções lógicas de forma a satisfazer o que os proponentes identificam como «interesses da sociedade», algo que permite todo o tipo de arbitrariedades.
Recolha de dados biométricos
Por via da Datiloscopia Europeia (Eurodac), os dados pessoais de pessoas requerentes de asilo. Com um alegado princípio de protecção colectiva, o «Pacto» prevê assim a recolha de dados biométricos em crianças a partir dos 6 anos.
Isto serve então para comparação de outros pedidos de asilo que já tenham sido feitos noutros Estados-Membro e, por sua vez, garantir que se cumpre o artigo 13.º da Convenção de Dublin, ou seja, o «princípio do primeiro contacto», que caso seja violado define que o pedido de asilo deve ser rejeitado e deve dar-se a expulsão do requerente do Espaço Schengen.
Distribuição indiscriminada de migrantes
Com a reforma de Dublin os migrantes podem ser colocados em qualquer local graças ao conceito de «solidariedade obrigatória». Basicamente passa-se a poder colocar migrantes em qualquer Estado-Membro, separar famílias e retirar as crianças de seus pais.
Com a resolução aprovada no Parlamento Europeu relativa à «Gestão do asilo e da migração» é criada uma chamada «reserva anual de solidariedade» que define que as contribuições financeiras para tal devem ser, no mínimo, «30 000 euros para as recolocações».
Militarização e externalização de fronteiras
Neste campo, para além de se estabelecerem acordos com outros países fora da UE para conter migrantes e requerentes de asilo, pagando os seus “serviços”, a União Europeia também dá o passo da militarização de espaço fronteiriços de forma a sustentar a doutrina da «Europa fortaleza».
Tendo uma avaliação do que significava o chamado «Pacote em matéria de migração e asilo deputada», em Janeiro, a deputada do PCP ao Parlamento Europeu, Sandra Pereira, enviou à Comissão Europeia uma pergunta onde questionava se o que estava a ser decidido respeitava a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias, a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimo .
Em resposta, a Comissão Europeia disse apenas que a proposta estava de acordo com Convenções referidas e que terá havido «contactos estreitos com as Nações Unidas».
Após a votação do «Pacote em matéria de migração e asilo», o Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, no dia 2 de Maio, lançou um comunicado de imprensa em que especialistas reiteram o alerta para o risco que a aprovação do «pacote» comporta na violação de Direitos Humanos, em particular das crianças.
Com o título «A detenção de crianças imigrantes deve ser proibida após a adoção do pacto de migração e asilo da UE, afirmam os peritos da ONU», eis o que disse o Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: «“A detenção de crianças migrantes e requerentes de asilo devido ao seu estatuto migratório ou ao dos seus pais nunca é do interesse superior da criança e constitui sempre uma violação dos direitos da criança. Na ausência de uma proibição regional unificada, os Estados-Membros da UE devem proibir explicitamente a detenção de crianças na imigração na sua legislação nacional e, em última análise, pôr termo a esta prática para todos os outros migrantes", afirmaram os peritos. Os peritos alertam para o facto de a detenção de migrantes adultos e de requerentes de asilo não se dever tornar uma prática corrente. “Os requerentes de asilo não devem ser penalizados pelo facto de exercerem o direito de requerer asilo e a migração não deve ser criminalizada”, afirmaram.»
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