|Segurança Social

A União Europeia quer privatizar a Segurança Social com um fundo de pensão «europeu»

A Comissão Europeia, nas suas recomendações por países, continua a martelar na insustentabilidade da Segurança Social e na necessidade de fomentar outros regimes de previdências assentes em regimes de capitalização.

CréditosYves Herman; POOL / EPA

Está neste momento a circular um novo produto financeiro patrocinado pela União Europeia, com o nome de «Produto Individual de Reforma Pan-Europeu (PEPP)» ou «PPR Europeu». É apresentado como o último grito em matéria de plano de poupança reforma. Vale a pena recordar as circunstâncias em que nasceu este novo produto financeiro. Esta é também mais uma forma de lembrar a quem serve esta União Europeia e qual o grau de ameaça que representa para os direitos de quem trabalha e trabalhou uma vida inteira.

O BlackRock representa hoje o maior fundo de investimento do mundo gerindo ativos na ordem dos 7000 mil milhões de euros. Esta empresa cresceu de forma colossal com a crise do subprime e está hoje representada em mais de 17 mil grandes empresas multinacionais em todo o planeta. Em Portugal, o BlackRock detém quotas significativas na EDP, na Jerónimo Martins, na Galp, no Millennium BCP e na Nós, detendo igualmente participações em várias outras empresas, como a Sonae, Navigator, CTT e REN. O registo oficial da transparência da União Europeia sinaliza uma despesa anual de 1,5 milhões de euros em atividades de lobbying junto das instituições europeias em 2018. Mas esta deverá ser apenas a ponta do iceberg

A sequência dos acontecimentos pode soar a déjà vu, mas ainda assim merece ser lembrada. Em 2015, o BlackRock publica um primeiro relatório onde faz a apologia de um fundo de pensões à escala da União Europeia. Ao longo de 2014, são registadas oficialmente mais de 30 reuniões entre a Comissão Europeia e responsáveis pelo fundo BlackRock. Em 2017, apesar desta matéria nunca ter estado em nenhum Programa da Comissão Europeia, esta lança a sua primeira proposta de criação de uma nova categoria de produtos de pensão pan-europeus, perante a perplexidade dos deputados no Parlamento Europeu. Os argumentos dos comissários Valdis Dombrovskis e Jyrki Katainen, que apresentaram a proposta, são tirados a papel químico do relatório mencionado da BlackRock. Estava aberta mais uma guerra à Segurança Social, procurando induzir os trabalhadores a desistir do atual sistema de repartição, optando por produtos de poupança reforma, agora com um «selo de qualidade europeu».

«Escaldados com as más experiências do outro lado do Atlântico, onde fundos de pensões pura e simplesmente faliram deixando milhares de famílias sem as suas poupanças, os trabalhadores europeus resistem. Preferem o sistema público de repartição e não estão dispostos a embarcar em aventuras.»

Passados quase cinco anos, o fracasso dos PEPP é reconhecido por todos. A Comissão Europeia, que antevia um crescimento exponencial do mercado de fundos de pensões, está hoje confrontada com um número quase residual de grupos que comercializam estes novos produtos que são, afinal, mais do mesmo, ou seja, bilhetes de lotaria num gigantesco casino financeiro. Em Portugal, a regulamentação apenas foi publicada em 2023, pelo que só agora este produto começa a surgir nas montras dos bancos e seguradoras. Escaldados com as más experiências do outro lado do Atlântico, onde fundos de pensões pura e simplesmente faliram deixando milhares de famílias sem as suas poupanças, os trabalhadores europeus resistem. Preferem o sistema público de repartição e não estão dispostos a embarcar em aventuras.

A Segurança Social, que teve em 2023 um dos seus mais altos superavits das últimas décadas, constitui uma conquista dos trabalhadores. É bom lembrar que Bagão Félix, quadro do BCP e na altura ministro das Finanças do governo PSD-CDS, abriu as portas ao plafonamento das contribuições para a Segurança Social e ao desconto obrigatório para fundos de pensões privados. Os governos do PS não aplicaram esta prerrogativa, mas também não retiraram esta possibilidade da lei de bases da Segurança Social, que continua a prever o plafonamento. A Comissão Europeia, nas suas recomendações por países, continua a martelar na insustentabilidade da Segurança Social e na necessidade de fomentar outros regimes de previdências assentes em regimes de capitalização. Ou seja, nas próximas eleições, é determinante elegermos quem defenda os direitos do povo e dos trabalhadores e em particular a nossa Segurança Social pública e universal! 


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui