|Festa do «Avante!»

Como seria se…

Como seria a cobertura jornalística se o espaço da Quinta da Atalaia estivesse vazio de gente? Se nas suas ruas e plateias estivessem apenas dezenas de cidadãos e cidadãs?

CréditosEgídio Santos / Egídio Santos

Seria algo, em termos jornalísticos, esdrúxulo, estranho que um dos quatro grandes jornais diários que ainda resistem [Público (P), Diário de Notícias (DN), Jornal de Notícias (JN), Correio da Manhã (CM)] publicasse uma fotografia panorâmica a toda a largura da primeira página da massa humana que no sábado na Festa do Avante! participava da música de Sérgio Godinho e Assessores, com Capicua, encimada por um título: «Será que o PCP está em extinção???» Mas como poderá haver quem considere que essa conexão – massa humana e PCP – era forçada, pois muita da gente que assistia nem era do PCP nem sequer votava no PCP, poderiam usar uma fotografia semelhante, do mesmo espaço, do comício de domingo, onde «uma plateia cheia de bandeiras do PCP»1 tinha a empunhá-las milhares de militantes e simpatizantes do PCP! 

Expliquem os especialistas em jornalismo e comunicação social, como é possível que nenhum dos órgãos da imprensa escrita tenha reflectido, com objectividade e seriedade, sobre o significado da dimensão humana da Festa do Avante! depois de todas as reflexões e conclusões que publicaram face aos maus resultados eleitorais do PCP neste ano de 2024 e sobre o seu futuro? Não há aqui uma pequeníssima falha de garra, de sentido jornalístico? Nem sequer a interrogação se justificaria? Seria demasiada a desproporção, a contradição, entre a mole humana visitante da Festa do Avante!, bem espelhada nas multidões junto do Palco 25 de Abril e por toda a Festa, como qualquer fotografia evidenciaria, e a tese de um Partido em extinção, em desaparecimento!?

E não foi por falta de fotografias publicadas, a imensa maioria completamente inócuas, para não aplicar outros adjectivos. O DN publicou na sexta-feira oito fotografias, a que acrescentou mais uma no sábado e outra na segunda-feira! As fotografias sobre o grande comício de domingo limitaram-se ao secretário-geral do PCP ou à primeira fila dos dirigentes do PCP, como se a sua imensa envolvente humana nada significasse politicamente, a não ser como portadores de bandeiras! Uma vergonha!

«Expliquem os especialistas em jornalismo e comunicação social, como é possível que nenhum dos órgãos da imprensa escrita tenha reflectido, com objectividade e seriedade, sobre o significado da dimensão humana da Festa do Avante! depois de todas as reflexões e conclusões que publicaram face aos maus resultados eleitorais do PCP neste ano de 2024 e sobre o seu futuro?»

Mas o essencial do conteúdo das notícias e informações não fica a dever nada às fotografias que ilustravam os textos, o que, aliás, leva a uma pergunta simples: acabaram estes jornais com os repórteres fotográficos?

Para lá da abordagem no fundamental correcta da intervenção de Paulo Raimundo no comício, pese a reduzida dimensão de algumas notícias, é admirável verificar a continuidade e repetição de chavões, clichês, preconceitos e  sobretudo deformações das posições do PCP, mergulhadas numa inevitável matriz anti-comunista. Para escrever o que escreveram, alguns jornalistas não precisavam de ter ido à Festa. A Festa só serviu como razão para repetirem o que antes escreveram, inclusive com os mesmos erros factuais, e o que vão escrever amanhã… O Público, para lá de se «esquecer» da abertura na sexta-feira (zero notícias no sábado), compensa com duas páginas no domingo sobre questões internacionais, mas como tamanho não é documento consegue «descobrir» uma coisa notável: em cerca dos 50 debates realizados «É difícil encontrar um debate na Festa do Avante! em que não se critiquem os Estados Unidos da América (EUA).»! Lá está o «anti-americanismo primário do PCP».

Para lá de dever ter olhado para a longa lista dos debates da Festa e respectivos conteúdos, a jornalista deveria ter ajudado os seus leitores a perceber como era possível debater Gaza, Ucrânia, Venezuela, América Latina, o Militarismo e a Guerra, a Revolução de Abril, e mesmo a Comunicação Social, e mais um ou outro, sem referências ao imperialismo americano! Foi pena... E lá veio, era inevitável, porque a cegueira anti-comunista está muito disseminada, «uma audiência maioritariamente grisalha» no debate que teve a participação de Eric Brooks, membro do Partido Comunista dos EUA. Não tiveram tempo ou fotógrafo para aquela selecção de fotografias de idosos que noutras Festas povoavam as suas páginas, ou então não havia jovens na Festa, nem debates com a presença massiva de jovens. Cegueira…

«Para escrever o que escreveram, alguns jornalistas não precisavam de ter ido à Festa. A Festa só serviu como razão para repetirem o que antes escreveram, inclusive com os mesmos erros factuais (...).»

O DN dedicou-se ao balanço dos maus resultados eleitorais e às desgraças que vêm a caminho nas autárquicas de 2025, conseguindo a coisa notável de repetir o erro do Público em vésperas das eleições regionais na Madeira, em Fevereiro deste ano. Embalado pela narrativa mediática das sondagens da campanha eleitoral das eleições regionais de 24 de Setembro de 2023 (que diziam que a CDU não ia eleger), jogando na pseudo-contradição com o que tinha dito Paulo Raimundo no comício da Festa de então (3 de Setembro de 2023), escreve: «Na Madeira os comunistas perderam a representação parlamentar que tinham (…)»2. O que é falso.

Nas eleições de 24 de Setembro de 2023, a CDU elegeu Edgar Silva e aumentou a sua votação, ficando perto da eleição do segundo deputado! (A perda do deputado só aconteceu em Fevereiro de 2024!). Mas o mais interessante é, sem dúvida, que todo este arrazoado sobre os maus resultados eleitorais do PCP não suscita ao jornalista nenhum confronto com a adesão popular à Festa dos comunistas e do PCP na Atalaia! É como se não existisse... Depois ainda junta uma breve coluna com velhos e novos vómitos anti-comunistas a propósito das posições internacionais do PCP sobre a Ucrânia e a Venezuela. 

JN e CM primam pela descrição... terá havido gente na Atalaia? O que foi a Festa, se houve Festa? Mas o mais grave nesta cobertura jornalística nos principais órgãos da imprensa escrita é a ocultação da Festa em toda a sua plenitude e multiplicidade de dimensões. E não foi apenas a falta de imagens/fotografias e a deformação política anti-comunista que marca alguns dos textos. Foi o silêncio e a noite cerrada que fizeram sobre o convívio humano de milhares de crianças e jovens, homens e mulheres de Portugal, ocultando a alegria, a fraternidade, o riso e a felicidade do encontro, uns comunistas, outros de outros partidos e outros ainda de partidos nenhuns. Amigos da Festa, gente que se sente bem na Atalaia, numa Festa dos comunistas e do PCP que pertence ao nosso povo. Foi o muro erguido a dezenas de iniciativas culturais, desportivas, sociais, políticas ancoradas nas lutas dos trabalhadores e das populações, nas grandes questões da humanidade nos tempos que correm, a paz e a guerra. Foi o silêncio sobre a Festa da música!

A ignorância sobre a Festa do Livro e do Disco, com a apresentação de novos livros e novas edições, sessões em geral recheadas por uma assistência interventiva. A invisibilidade de um amplo e diversificado programa de desporto, com centenas de participantes, em que se destacou mais uma vez a Corrida da Festa. Não foram notícia as iniciativas que assinalaram o V Centenário de Camões, Poeta do Povo, num Mundo em Mudança. Não foi notícia o concerto de celebração dos centenários de Carlos Paredes e Joly Braga Santos pela Orquestra Sinfonietta de Lisboa, com os maestros Vasco Pearce de Azevedo e Constança Simas, e o solista na guitarra portuguesa Paulo Soares. Não foi notícia a exposição e desfile da Festa dos Tabuleiros de Tomar. Não foram notícia os debates sobre «As Ciências em Portugal» com as portas que Abril abriu. Não foi notícia a imensa riqueza trazida à Atalaia pelas Direcções Regionais do PCP em artesanato e gastronomia de todo o país, incluindo os vinhos das suas Regiões Demarcadas. Não foi notícia a Festa! das crianças. Não foi notícia a diversidade dos artistas e grupos musicais, nacionais e estrangeiros, trazendo as palavras e os sons de um mundo que não se conforma, os ecos das lutas que se travam, os sonhos de futuro que continuam vivos.

«Foi o muro erguido a dezenas de iniciativas culturais, desportivas, sociais, políticas ancoradas nas lutas dos trabalhadores e das populações, nas grandes questões da humanidade nos tempos que correm, a paz e a guerra. Foi o silêncio sobre a Festa da música!»

Que se pode dizer deste jornalismo e destes órgãos de comunicação social portugueses? Uma tristeza imensa, tão imensa quanto a alegria da Festa! 

Como seria a cobertura jornalística se o espaço da Quinta da Atalaia estivesse vazio de gente? Se nas suas ruas e plateias estivessem apenas dezenas de cidadãos e cidadãs? Se o comício de domingo tivesse as clareiras que as televisões e fotografias vão preenchendo nas reportagens das iniciativas de outros partidos? O clamor e o gáudio ouvir-se-iam no Polo Norte. Como seria a Festa mediática em torno de tal acontecimento, para o qual algumas boas almas trabalham desde a primeira Festa do Avante!, em 1976..., inclusive!?  

Num dos debates realizados no Auditório – «A informação a que temos direito – um combate pela democracia» – alguém afirmou que, apesar de uma cobertura noticiosa defeituosa, e sobretudo preconceituosa, estávamos hoje longe do tempo em que um jornalista escreveu, em jornal de referência, que o PCP tinha «puxado» para a frente a mole de cimento e ferro e milhares de toneladas do Palco 25 de Abril para reduzir o espaço do comício de domingo e assim assegurar com menos gente a mesma imagem de ocupação total! Mas, apesar de bem intencionada, estava enganada. A sanha contra a Festa do Avante!, como é fácil de constatar, continua.      

  • 1. Público, 09SET24: «Falando para uma plateia cheia de bandeiras do PCP (...)».
  • 2. Diário de Notícias, 06SET24.

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