|Legislação laboral

Desculpas de mau pagador

A deputada do PS bem tentou arranjar desculpas para o que viria a fazer pouco depois, votar com a direita contra os direitos dos trabalhadores. No fim, confessou que à oportunidade e à forma se somava um problema: não estava de acordo com o conteúdo

A deputada do PS, Wanda Guimarães, usa a palavra durante o debate sobre legislação laboral agendado pelo PCP, na Assembleia da República, em Lisboa. 14 de Março de 2018
CréditosAntónio Cotrim / Agência LUSA

O PS, pela voz da deputada Wanda Guimarães, justificou o seu chumbo à revogação dos regimes de adaptabilidade e banco de horas, de caducidade da contratação colectiva e à reposição do tratamento mais favorável ao trabalhador por três razões:

Primeiro, o PS não concordou com a oportunidade. Porquê? Porque está marcada uma reunião da concertação social para discutir algumas alterações «cirúrgicas» que o Governo quer discutir com patrões e sindicatos. Ou seja, o PS até aceita revogar algumas coisas, desde que haja o acordo dos patrões, sabe-se lá com que contrapartidas. Recorde-se que muitas destas medidas foram acordadas precisamente na concertação social, com a assinatura de patrões e de organizações que se intitulam de sindicais.

Segundo, o PS não concordou com a forma. Algumas das propostas ontem discutidas não foram sujeitas a discussão pública, como a lei obriga. Mas a verdade é que aquelas que motivaram o agendamento (as do PCP) foram todas sujeitas a discussão pública, com dezenas de pareceres favoráveis (e um contrário, de uma confederação patronal), mas todas inviabilizadas pelo PS. Desculpas de mau pagador?

Terceiro, mais relevante, o PS não concordou com o conteúdo. Ou seja, não quer pôr fim às arbitrariedades do patronato, que podem levar a que trabalhadores cumpram jornadas de trabalho de 12 horas, até 60 horas por semana, à vontade do patrão.

Mas sobre a contratação colectiva, Wanda Guimarães foi mais longe. Disse que o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador é mau... para os trabalhadores. Como? Porque assim não podem negociar convenções colectivas em que abdicam de uns direitos por outros. «É este o caminho que consideramos o desejável e o correcto», afirmou a deputada do PS.

O que isto significa é estar de acordo que a lei deixe de ser um nível de protecção mínimo e permitir que os trabalhadores percam direitos, em vez de conquistarem, através da negociação colectiva.

E para isto, o patronato tem outra arma em que o PS também não quis tocar: a caducidade das convenções colectivas. Até 2003, quando estas chegavam ao fim, os direitos que lá constavam mantinham-se, para que os trabalhadores não tivessem o cutelo do corte nos direitos em cima da cabeça no momento em que negociavam novas convenções. Wanda Guimarães exclamava ontem que não pode ser.

Posto isto, os deputados do PS chumbaram todas as propostas que foram votadas ontem, ora com o seu voto contra, ora com uma abstenção que deixou o PSD e o CDS-PP em maioria.

O PS desperdiçou uma oportunidade para clarificar as convergências que deseja e mudar de rumo em matéria de legislação laboral: continua o mesmo partido que aprovou muitas das medidas criticadas.

Pelos trabalhadores, o secretário-geral da CGTP-IN afirmou ontem no final do debate que a central sindical não desiste deste combate e vai «encetar agora uma maior dinamização da acção reivindicativa para exigir a revogação [das normas gravosas]» do Código do Trabalho.

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