|Protecção Civil

Encerre-se o «laboratório» da proteção civil 

É imperativo promover uma sólida reflexão sobre o sistema de proteção civil que o país possui, identificar as suas vulnerabilidades e definir um plano de ação para o seu efetivo desenvolvimento.

CréditosAntónio José / Agência Lusa

É neste contexto que se enquadra a Proteção Civil. Pela sua dimensão permanente, multidisciplinar e plurissetorial, ela constitui um domínio da responsabilidade política transversal do Estado, tanto ao nível central como local. 

Os desafios contemporâneos impõem um sistema de proteção civil inovador, moderno e assente num pensamento estratégico.

Ao longo dos últimos 30 anos, o sistema português de Proteção Civil foi objeto de várias experiências legislativas e organizacionais, fundamentalmente inspiradas pela sucessão de governos ou pela eclosão de ocorrências extremas. Daí ter sido impossível, até à data, dotar o país de um modelo sistémico sólido e consistente. 

A implementação de um modelo constitui uma atividade contínua que obedece a uma sequência de ciclos de aprendizagem e de lições que são deduzidas da vivência e análise de sucessivas crises. Só assim será possível encerrar o «laboratório» de experimentalismo irresponsável que tem caracterizado o sistema português de proteção civil. 

Na sequência da situação provocada pelos incêndios florestais de 2022, voltaram a fazer-se diagnósticos e estudos, cujas conclusões se desconhecem. Assim, não é expectável que o trabalho desenvolvido pelos 27 peritos convidados para este efeito, venha a ter qualquer resultado instrumental.

Mais importante do que insistir na histeria legislativa que tem imperado no sistema de proteção civil, impõe-se que a decisão política se foque em alguns objetivos específicos, de natureza prioritária, em particular no patamar municipal. 

Sem se fortalecer a base do sistema, será uma missão inglória pretender melhorar a eficiência de todo o seu restante «edifício» institucional. Esta é uma evidência reconhecida por muitos, embora ainda com insuficientes consequências práticas.

Deste modo, uma estratégia política consistente alicerçada num conceito estratégico de proteção civil, implica necessariamente:

    1. Estruturar os serviços municipais de proteção civil e dotá-los de recursos humanos qualificados; 

    2. Promover estratégias de envolvimento da população na construção da sua resiliência; 

    3. Definir uma consistente informação pública sobre os perigos identificados no território; 

    4. Dinamizar uma reorganização do setor operacional dos Bombeiros, bem como definir um quadro de financiamento dos corpos de bombeiros, enquanto pilares do sistema de proteção civil; 

    5. Instituir medidas de valorização dos profissionais ao serviço do sistema, nomeadamente os Bombeiros e os Técnicos de Proteção Civil, colocados no papel de heróis quando dá jeito, mas esquecidos e desrespeitados quanto à aprovação de medidas que os dignifiquem, todos os dias.

    6. Apoio ao investimento em investigação aplicada no domínio dos riscos, entre outros.

Estes são alguns domínios instrumentais que não dependem apenas das escolhas políticas, quanto às prioridades de ação que garantam e potenciem a proteção das comunidades e o seu qualificado desenvolvimento.

«Ao longo dos últimos 30 anos, o sistema português de Proteção Civil foi objeto de várias experiências legislativas e organizacionais, fundamentalmente inspiradas pela sucessão de governos ou pela eclosão de ocorrências extremas. Daí ter sido impossível, até à data, dotar o país de um modelo sistémico sólido e consistente.»

É imperativo promover uma sólida reflexão sobre o sistema de proteção civil que o país possui, identificar as suas vulnerabilidades e definir um plano de ação para o seu efetivo desenvolvimento.

Este objetivo só poderá ser atingido anulando gradualmente o empirismo na produção de decisões, substituindo-o pelo conhecimento sustentado, devidamente articulado com a experiência, garantindo a participação ativa de todos os intervenientes, através dos seus legítimos representantes.

Importa ainda tipificar lideranças, através da definição de perfis ajustados ao grau de exigência dos correspondentes cargos, estabilizando as pessoas no exercício da sua missão, através da avaliação dos seus desempenhos, como único e exclusivo fator para a sua nomeação ou não renovação dos cargos em causa.  

Concluo na convicção firme e empenhada de que é tempo de emancipar a proteção civil no contexto das políticas públicas de segurança interna, dando-lhe a devida atenção, envolvendo os órgãos de soberania, as autarquias e os cidadãos, estes enquanto destinatários e atores num sistema que visa reforçar a sua segurança, através de estruturas sólidas do Estado, orientadas por conceitos doutrinários coerentes e servidas por políticas responsáveis, esclarecidas e executadas com competência e coerência sistémica.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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