Hoje damos mais valor ao conhecimento teórico do que à experiência acumulada ao longo da nossa História. Camões já referia que importava o conhecimento, mas aliado às aprendizagens e experiências ancestrais.
Hoje, o tempo acelerou, não sobrando espaço para os nossos rituais lentos. Tempos de encontros onde se trocavam histórias e experiências, memórias e raízes, saberes e prazeres, de outros mundos que permitiam melhor entender o nosso.
Também no trabalho nos roubaram o espaço do prazer. Manuel Serrat relembra, quando se cantava «...a lavrar a terra, a picar a pedra, a amassar o ferro, encantando os gestos...».
Pouco a pouco roubaram-nos a voz para acompanhar quem trabalha, mas também para dialogar, entoar poemas ou contos, cantar e embalar. A voz para transmitir informações vai ficando entregue a interlocutores robotizados e monocórdicos. E como importa ser ouvido, ser capaz de escutar para ser compreendido!
Não nos calaram, nem nos ensurdeceram, com o silêncio nem com os sons da natureza, mas criando tanto ruído que nos entopem os ouvidos e surripiam os espaços de escuta.
O tempo, hoje, desvaloriza a mão e tudo o que esta representa para a Humanidade. Julgo até que a mão nos relembra a nossa dimensão.
Hoje, os teclados e os botões são a regra, usando apenas alguns dedos.
«Roubaram-nos o conhecimento, a cultura, as recordações, ficando tudo guardado em memórias externas, na internet. Até o pensamento fica atrapalhado, confundindo onde encontrar as informações com o conhecimento destas.»
Tantos anos a desenvolver a capacidade da mão para trabalhar, escrever, desenhar... E com elas nos exprimimos, pensamos, criamos, mas também nos cumprimentamos, tocamos, acarinhamos. O uso das nossas mãos está intimamente ligado ao desenvolvimento e à activação do cérebro. O desuso das mãos poderá colocar o cérebro em cheque...
Roubaram-nos a capacidade de olhar e de nos encantar. Continuamos a ver, mas como absorver tantas informações, demasiado rápidas e excessivas, que nos cegam, nos distraem e que não conseguimos memorizar, ficando uma «amnésia» de tanto excesso!
Roubaram-nos a mobilidade, passando a maior parte do tempo sentados a trabalhar, ou refastelados no sofá e entretidos por ecrãs. Como integrar no nosso dia-a-dia a mobilidade no trabalho, no lazer, no brincar? Resta-nos, após o dia de trabalho, ir tonificar e relaxar para os ginásios, como uma reabilitação obrigatória e individual.
Roubaram-nos o conhecimento, a cultura, as recordações, ficando tudo guardado em memórias externas, na internet. Até o pensamento fica atrapalhado, confundindo onde encontrar as informações com o conhecimento destas. Também os pensamentos mais complexos e profundos ficam dificultados pelo desuso das nossas memórias e a perda da nossa literacia.
Agora querem-nos roubar e artificializar a inteligência... já conseguem falar, responder, escrever e criar por nós...
Pode saber bem viver adormecido, mas um dia roubarão as nossas almas.
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