Quando as nossas redes sociais são assaltadas por influencers de todo o tipo – fofinhos ou fascistas; cozinheiros ou políticos; budistas ou humoristas – há quem comece a crer que aquilo de que a esquerda precisa é de poder contar seus próprios influencers messiânicos, estrelas que levem aos pequenos espelhos negros da classe trabalhadora a consciência política embrulhada subrepticiamente em dicas de moda, fotos picantes, conselhos de estilo de vida, inócuas frases motivacionais ou vídeos de ginásio.
O primeiro problema do influencer é ser um influencer. As redes sociais funcionam como agregadores de atenção que a empacotam e vendem como publicidade a empresas que alugam um lugar no nosso feed como os jornais em papel alugavam páginas de publicidade. Há muito tempo que as grandes empresas descobriram as inúmeras vantagens da publicidade online: pode ser milimetricamente direccionada e é extremamente mais barata do que, por exemplo, um outdoor ou um anúncio na televisão. Pode ter ainda uma vantagem suprema: aquilo a que se pode chamar «autenticidade».
Enquanto agregador de públicos, o influencer vende autenticidade: não é uma empresa, nem uma marca, que leva algo até ao consumidor — é mesmo uma pessoa, que tem uma vida, uma personalidade própria com qualidades e defeitos, problemas reais. No entanto, ao vender essa autenticidade, o influencer fica sem ela e, progressivamente, transforma a sua vida numa marca e as suas ideias, opiniões em atributos diferenciadores da mercadoria. Autenticidade total é individualidade total, pelo que quanto mais autenticidade é vendida, menos é autêntico, menos gente, é o influencer.
Para ter muitos seguidores, o influencer vê-se obrigado a produzir constantemente conteúdos sobre a sua vida privada. O algoritmo não admite pausas: o indivíduo que queira ser reconhecido como influente, trabalha para a rede social a tempo-inteiro, mesmo que não seja remunerado. Mas como não é o influencer que decide o que é influente ou autêntico, mas sim o algoritmo e o demiúrgico mercado, torna-se necessário representar-se a si próprio e às suas ideias através dos ideais estéticos da cultura publicitária e fazer convergir essa auto-representação com uma identidade individual compatível com um guião comercial que inexoravelmente exige futilidade. Um exercício prático: o influencer que só partilhe vídeos sobre o genocídio na Palestina não vai longe na denúncia do massacre: conteúdos políticos são arrumados nas prateleiras mais rasteiras do supermercado, pelo que o candidato a influencer terá poucas visualizações.
«O influencer desempenha, do ponto de vista económico, um papel fundamental na maximização dos lucros do capitalista. Enquanto produtor de conteúdos mercantilizados na economia da atenção, o influencer é um trabalhador não produtivo e super-explorado (...).»
Para que o vídeo sobre o genocídio na Palestina chegue longe, o influencer tem de partilhar selfies, refeições, roupa, sexo ou qualquer coisa autenticamente individual sobre a sua vida individual. As redes sociais destilam a autêntica personalidade do influencer até só restar o denominador mais consumível, digerível e descartável. O influencer sofre, por isso, a erosão da linha que separa a marca com que gera conteúdos e empacota públicos para publicidade e a identidade autêntica do ser humano que está por trás. A atomização, a solidão e os problemas de auto-estima são frequentes e, eles próprios, mercantilizáveis como credencial máxima de conteúdo autêntico.
Dir-me-ão que isto se aplica a alguns influencers, mas não a todos. É verdade, como em tudo, há excepções. Mas a realidade é que pouco importa se o influencer é remunerado ou não, se vende pastilhas para a máquina de lavar ou ideologia marxista. O influencer é o empreendedor da sua própria personalidade e, seja ele quem for, é sempre um empacotador de atenção numa indústria publicitária em que os nichos de mercado são infinitos. Para o capitalismo neoliberal, tudo é mercantilizável: o repulsivo e o belo; o amor e a solidão; a raiva e a teoria. Daí que assistamos à proliferação de influencers especializados no empacotamento de dados e atenções para os nichos mais esdrúxulos: erotismo de esquerda; moda marxista; doença mental revolucionária, etc.
Em todos os casos, o influencer que queira mesmo ser autêntico, tem de fazer de si próprio um monumento vivo ao individualismo enquanto patologia social, pelo que, mesmo quando produz «conteúdos políticos», fá-lo a título individual e deve assumir-se desleal, descomprometido ou desligado de qualquer colectivo: o influencer é, por definição, o seu próprio partido. Não é casual que seja tão difícil encontrar um grande influencer à esquerda que seja totalmente comprometido com um partido revolucionário. Há partidos que, por vezes, acreditam poder tirar partido do trabalho dos influencers, mas na realidade é sempre ao contrário. Nenhum influencer dura muito tempo num partido revolucionário porque o individualismo, que é o ingrediente básico da autenticidade comercial, é incompatível com a militância revolucionária. Isto não se deve aos traços de personalidade do influencer, deve-se ao facto de que o influencer que queira divulgar ideologia marxista só o consegue fazer se reduzir o marxismo a um nicho de mercado de seguidores, um aspecto da sua personalidade autêntica que ajude o Instagram a vender outras coisas.
O influencer desempenha, do ponto de vista económico, um papel fundamental na maximização dos lucros do capitalista. Enquanto produtor de conteúdos mercantilizados na economia da atenção, o influencer é um trabalhador não produtivo e super-explorado: não gera qualquer valor, mas medeia-o, aumentando drasticamente o valor de troca da mercadoria final e facilitando a circulação do capital. É, do ponto de vista marxista, o equivalente a um camionista emocional que, na maioria dos casos, trabalha de borla ou em troca de poder levar para casa um dos produtos que transportou.
Nos EUA já há mais de 10 milhões de trabalhadores que são influencers a tempo-inteiro. Este número fabuloso não equivale à democratização da internet nem a mais pluralismo. Ilustra simplesmente a degenerescência do capitalismo ocidental em formas cada vez mais improdutivas, dependentes e alienadas de valor. O influencer, neste sentido, é a vitória do neoliberalismo sobre a última fronteira do mercado: a personalidade individual. Nenhuma organização revolucionária pode ficar dependente desta forma de participação política, por mais quantitativamente interessante que possa parecer. Os exemplos do que, regra geral, corre mal, são eles próprios quantitativamente interessantes. Na sua forma de estar, intervir e participar na Internet, a esquerda tem de recuperar o orgulho de classe e desprezar o individualismo bacoco, transportando para as redes sociais as suas raízes colectivistas e as velhas formas de participação e educação comunitárias. Messias, influencers, chefes supremos: nada esperemos de nenhum.
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