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Houve veto no «Mais Habitação», mas não pelas suas limitações objectivas

O Presidente da República vetou o programa «Mais Habitação», apesar de não reconhecer as suas opções erradas. Mesmo identificando algumas limitações no programa, o veto visa «recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado».

CréditosJosé Coelho / Lusa

O Presidente da República vetou o pacote «Mais Habitação», mas não pelos motivos que a direita queria, já que considerava haver um ataque ao direito à propriedade. Ao contrário do que estava a ser discutido na espuma dos dias, o veto presidencial não foi realizado por haver alguma inconstitucionalidade, mas sim pelo facto do programa «Mais Habitação» corresponder a um «acordo de regime» e não «recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado».

O veto foi justificado numa carta dirigida ao Presidente da Assembleia da República onde é feito um enquadramento da questão habitacional, da apreciação que estava a ser feita «aos olhos dos portugueses», da polarização gerada no debate político e do «possível irrealismo nos resultados projectados».

Segundo o documento que se encontra no site da presidência da República, existe efectivamente uma «emergência da crise habitacional, que afeta, especialmente, jovens e famílias mais vulneráveis, mas começa a atingir as classes médias» e que tal obrigou o Governo a anunciar um «ambicioso» programa que já integrava medidas de simplificação administrativa «acolhidas noutro diploma» que o Presidente acabou por promulgar.

Todo esse programa, «aos olhos dos portugueses» foi encarado em «cinco ideias muito fortes». A ideia de um «arrendamento forçado de casas de privados, devolutas, aumentando a oferta de habitação»; «a limitação ao alojamento local, permitindo, por essa via, também, aumento da oferta de arrendamento acessível»; «o reforço do papel do Estado na oferta de mais casas, por si e em colaboração com cooperativas, alargando o citado arrendamento acessível»; «a disponibilização de estímulos públicos aos privados para fazerem aumentar a pretendida oferta»; e «medidas transitórias, entre as quais as limitações à subida das rendas, durante o período do arranque e consolidação do Programa».

Se esta era, no entender do Presidente da República, a percepção das famílias, a mesma não foi o que centrou o debate mediático, o que Marcelo Rebelo de Sousa considerou como «debate político», até porque esse foi em torno do lateral e não do necessário, assim como o Governo desejava. 

Para a figura máxima do Estado, ao invés de se discutir a Habitação, foi somente discutido o «arrendamento forçado e o alojamento local», o que «apagou outras propostas e medidas e tornou muito difícil um desejável acordo de regime sobre Habitação» e «deu uma razão – justa ou injusta – para perplexidade e compasso de espera de algum investimento privado» e «radicalizou posições no Parlamento, deixando a maioria absoluta quase isolada».

Apesar de adjectivar o discurso do PS como «proclamatório», «irrealista» e «excessivamente optimista», o Presidente da República diz que tal contrastava uma vontade tímida de «intervenção do Estado», por um lado, e excessiva intervenção «sobre a iniciativa privada», por outro, mesmo com o Governo continuar a ser complacente com a especulação imobiliária no seu programa «Mais Habitação».

As razões objectivas que levam o Presidente da República a recorrer ao veto são enunciadas logo de seguida. Para Marcelo Rebelo de Sousa, «o Estado não vai assumir responsabilidade direta na construção de habitação»; o apoio dado a cooperativas ou o uso de edifícios públicos devolutos, ou prédios privados adquiridos ou contratados implicam uma «burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas»; o arrendamento forçado ficou «limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável»; a complexidade do regime de alojamento local torna «duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos»; e «não se vislumbram novas medidas, de efeito imediato» para fazer face ao aumento dos juros e das rendas.

Tendo estes elementos em conta, o chefe de Estado considera, mesmo não sendo esse o real problema do programa em questão,  que o programa «dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado», até porque o investimento público e social «é contido e lento», quando um dos problemas para a questão da Habitação é necessariamente o tal «investimento» privado que encarar o mercado habitacional com uma bolha especulativa. 

O veto presidencial assenta, acima de tudo, na inexistência de «acordo de regime» a bem do tal «investimento privado» e não na ausência do que seria estrutural num programa chamado «Mais Habitação». Ou seja, o veto  não assenta na ausência do real papel Estado no plano do direito à Habitação conforme o que está inscrito na Constituição, na necessidade de combate à especulação imobiliária, na necessidade de revogação da «lei Cristas» e na necessidade de colocar banca a pagar o aumento dos juros. 

Para já, tendo noção completa das lacunas e limitações do seu programa e sabendo que o mesmo em nada fere os interesses da banca e dos especuladores, sabendo também que novo veto presidencial não é possível até porque não há aparentes inconstitucionalidades, o PS, fazendo-se representar por Henrique Brilhante Dias, numa atitude de «quero, posso e mando», disse que irá «confirmar o diploma nos termos da Constituição, logo no início dos trabalhos parlamentares», ou seja, aprová-lo novamente inalterado. 

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