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Imigrantes em Portugal: combater mitos e preconceitos

Há críticas, feitas aos imigrantes, das quais não existem provas científicas e que, de tanto repetidas, condicionam a nossa forma de ver o mundo e, consequentemente, a capacidade para o transformar.

Créditos / Câmara Municipal do Seixal

No percurso da Humanidade perdemos a conta a episódios de injustiças cometidas contra grupos minoritários pelas mais incríveis razões. A ignorância dos nossos antepassados era alimentada de crenças que os faziam demonizar os outros e praticar castigos perfeitamente hediondos. Pessoas portadoras de deficiência eram acusadas de bruxaria. Verrugas eram consideradas a «marca do diabo» e era garante de pena capital. Galileo Galilei, por ousar dizer que a terra é redonda, ou Servetus, por se recusar a baptizar os seus filhos, foram «só» imolados em praça pública.

No passado, tal como no presente, preconceito e ignorância andam de mãos dadas. Ontem, tal como hoje, os preconceitos são fomentados por grupos com interesses específicos em gerar ódio e incentivar inimizades. Estas ideias pré-concebidas podem ficar tão enraizadas na sociedade que acabam por fazer parte das nossas crenças mais profundas. Viram dogma. No entanto, há que ser claro, numa perspectiva de classe, a sua promoção acontece sempre que for útil para a classe dominante. Karl Marx chamou a atenção para o perigo da xenofobia e do racismo numa referência aos trabalhadores irlandeses:

«O trabalhador inglês odeia a competição do trabalhador irlandês por considerar que este lhe reduz a qualidade de vida. Na verdade o trabalhador irlandês é ele um membro desta nação dominante e consequentemente torna-se mão-de-obra para a aristocracia e capitalistas ingleses (...). Os ingleses sobrevalorizam o preconceito religioso, social e de nacionalidade contra o trabalhador inglês. A sua atitude perante estes é em muito semelhante às dos “brancos pobres” contra os pretos durante o período de escravatura nos Estados Unidos da América. O trabalhador irlandês, que é ainda mais explorado, vê o trabalhador inglês como cúmplice e um instrumento da Inglaterra para explorar a Irlanda. Este antagonismo é artificialmente mantido vivo pela imprensa e outros instrumentos ao serviço da classe dominante. Este “antagonismo” é o segredo para a “impotência da classe trabalhadora inglesa” apesar da sua organização. É um dos segredos pela qual os membros da classe dominante mantém o seu poder. E estes sabem bem disso» (Adaptado, carta a Sigfrid Meyer e August Vogt, 1870)1.

Este artigo aborda dois aspectos distintos que, erradamente, são utilizados na crítica aos imigrantes, para a qual, não existem provas científicas rigorosamente nenhumas, mas que de tanto repetidas condicionam de forma brutal a forma de muitos verem o mundo e, consequentemente, a sua disponibilidade e capacidade para o transformar.

Falsidade 1: «Os imigrantes vêm para cá para ter uma vida boa».

Uma leitura obrigatória desta afirmação assenta na ideia que o imigrante não tem os mesmos direitos que qualquer outro ser humano a ter uma vida digna. Neste campo não é possível vacilar. Quem subscrever, nem que seja marginalmente esta afirmação, escolheu o lado do retrocesso social e não pode em consciência defender uma postura transformadora da sociedade e um mundo melhor. Além disso, demonstra uma profunda ignorância sobre as condições de vida dos imigrantes.

Em 2014, o rendimento total (salários, lucros e transferências sociais) médio de um imigrante com idade para trabalhar (entre 20 e 64) era, em média, inferior em 24% a um trabalhador português. No caso particular de imigrantes de países de língua oficial portuguesa (PLP), a situação é ainda pior com o rendimento total a ser inferior em mais de 35% em relação aos não-imigrantes. Esta realidade tem também paralelo se olharmos especificamente para os rendimentos provenientes do trabalho por conta de outrém. A comparação entre o rendimento anual de não-imigrantes e diferentes grupos de imigrantes é apresentado no gráfico abaixo.


Rendimento anual médio (Euros) proveniente do trabalho por conta de outrém


7000

6000

5000

4000

3000

2000

1000

0

Não-imigrantes

Imigrantes da UE

Imigrantes de PLP

Imigrantes de outros

países

Fonte: Inquérito ao Orçamento das Familias (INE)

Naturalmente, esta diferença poderia estar ligada a outras variáveis, como as qualificações, a idade ou a antiguidade na empresa. No entanto tal não acontece. Cingindo-se esta análise apenas aos que estão em idade para trabalhar, ela permite perceber que, em média, os imigrantes têm praticamente a mesma idade, são mais qualificados e apresentam um valor próximo de antiguidade no trabalho, embora com contratos muito mais precários. Assim, seja a diferença entre o rendimento total ou o rendimento do trabalho por conta de outrem, a única conclusão possível é que os imigrantes são, em regra, mais explorados que a média dos trabalhadores de determinado país. O contrário serão casos pontuais.

Falsidade 2: Os imigrantes vivem à custa do Estado.

Esta segunda falsidade é, em regra, repetida até à exaustão pela extrema-direita e, em geral, pouco contrariada. Também aqui não há qualquer dado que sustente esta afirmação. Pelo contrário, todas as provas indicam o contrário. O gráfico seguinte compara o peso das transferências sociais no total de rendimento auferido por não-imigrantes e imigrantes, por diferente grupo.


Peso relativo das transferências sociais e do trabalho no rendimento


100%

95%

90%

85%

80%

Não-imigrantes

Imigrantes da UE

Imigrantes de PLP

Imigrantes de outros

países

Trabalho

Tranferências socias

Fonte: Inquérito ao Orçamento das Familias (INE)

O gráfico acima demonstra que os imigrantes, particularmente os provenientes da UE ou dos PLP, recebem uma percentagem menor do rendimento proveniente de transferências sociais. Ou seja, as tranferências sociais contam para 7,1% do rendimento dos não-imigrantes enquanto que, no caso dos imigrantes da UE, da PLP e dos restantes países, o peso das transferências é de 5,2%, 2,6% e 5,6%, respectivamente. Assim, a conclusão que deve ser sublinhada é que os imigrantes vivem fundamentalmente do trabalho, mas são pior remunerados e têm menos acesso a transferências e apoios do estado. No gráfico seguinte é apresentado em maior detalhe o valor médio pago per capita a não-imigrantes ou imigrantes por tipo de transferência do Estado.


Valor médio anual per capita distribuído ao não-imigrantes e imigrantes


250

200

150

100

50

0

Velhice e viuvez

Desemprego

Invalidez e

Doença

RSI

Educação

Não-imigrante

Imigrante

Fonte: Inquérito ao Orçamento das Familias (INE)

Mais uma vez não há dúvidas. Não existe, em termos per capita, um único tipo de apoio social de que os imigrantes aufiram mais do que os não-imigrantes. Em Portugal, os imigrantes recebem sempre menos do que os cidadãos não-imigrantes, em todos os tipos de prestações sociais analisadas. Entre aqueles que têm idade para trabalhar, os imigrantes recebem 83% das pensões de reforma e viuvez, 62% do subsídio de desemprego, 18% do subsidio de invalidez ou doença, 22% do Rendimento Social de Inserção e 92% dos apoios associados à educação. Toda esta referência a apoios sociais obriga a sublinhar que os apoios dados à banca ou para pagar o serviço da dívida davam para décadas de apoios de transferências sociais, para imigrantes ou não-imigrantes.

Os dados estatísticos para analisar esta realidade são escassos mas os que existem contrariam totalmente a tese dominante e vezes sem conta propagada. Não há margem para dúvidas de que a origem destas mentiras nasce exclusivamente do mau ambiente que se procura gerar contra as comunidades de imigrantes. Estes, tal como a generalidade dos portugueses, não nos «roubam» empregos mas antes vêem uma parte ainda maior do seu trabalho ser transformado em lucro e, portanto, roubada. Os imigrantes fazem parte da força de trabalho e contribuem para a produção de bens e produtos e para o bem-estar de uma sociedade.

Para trabalhadores e explorados, defender o acesso dos imigrantes a melhores condições de trabalho, salários, direitos e apoios sociais é defender uma sociedade melhor para todos. Combater o preconceito é, e tem de ser cada vez mais, parte do nosso esforço diário perante oportunismos e ameaças concretas de criar divisões entre trabalhadores. Sem qualquer hesitação. Lutar contra as discriminações e por melhores condições de trabalho das minorias é lutar por melhores condições de trabalho para todos.

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