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Indústria farmacêutica submete o Estado à sua lei

O Ministro da Saúde veio a público dizer que a despesa pública do Estado com medicamentos cresce a um ritmo de 10% ao ano. As farmacêuticas impõem a lógica do «quero, posso e mando».

Créditos / Pixabay

Poucos ou quase nenhum Estado tem a capacidade de se ver livre das indústrias farmacêuticas. Os avanços tecnológicos e investigativos no que a este sector diz respeito são na sua esmagadora parte detidos pelas grandes empresas, levando à propriedade de patentes exclusivas e à consequente dependência dos Estados que assumam a Saúde como uma das suas funções sociais. 

O que foi referido pelo Ministro da Saúde não é mentira. De facto, os Estados gastam mesmo muito dinheiro na compra de medicamentos e efectivamente a despesa cresce a um ritmo de 10% ao ano. Manuel Pizarro chama-lhe «um capitalismo estranho», mas, no entanto, é o capitalismo a funcionar na sua forma mais pura. 

Na lógica das «contas certas» o ministro afirma que «temos que conter a despesa pública», o que é até algo curioso num Governo que se prepara para dar borlas fiscais aos grandes grupos económicos. Nesse sentido, o ministro que tem a pasta da saúde quer partir para a negociação com as farmacêuticas sem dizer necessariamente como negociará.

A verdade é que pelo menos a sua exigência corresponde à lógica de como a submissão funciona, uma vez que, se por um lado pretende baixar o preço de alguns medicamentos, por outro, pretende aumentar os preços dos medicamentos com um preço excessivamente baixos. A razão para este último é muito simples. Por serem excessivamente baixos, as farmacêuticas podem parar a sua produção pois tendo um outro medicamento semelhante, mas com um preço mais, esse compensa mais. 

O problema nesta negociação está na dependência. Poucos ou quase nenhum Estado tem a capacidade de negociar olhos no olhos com as farmacêuticas, pois ao final do dia são elas que têm tudo do seu lado. A solução para contrariar isto não é simples. Pode-se por um lado aumentar a produção do Laboratório Nacional do Medicamento, e por outro, fixar instigadores de modo a aumentar a produção científica em prol dos interesses do Estado. O problema é que para um caso e para o outro é necessário níveis de investimento que consigam rivalizar com as multinacionais da área farmacêutica, algo que é bastante difícil. 

Só para se ter uma ideia, a Hovione, farmacêutica portuguesa que até ao ano passado era a única produtora mundial de um excipiente essencial para a produção de um antiviral necessário para a produção de medicamentos autorizados para o tratamento da covid-19, tem mais de 500 patentes registadas. Isto não é por acaso. A Hovione é também a maior empregadora privada de doutorados em Portugal, tendo dois mil trabalhadores, dos quais 300 são investigadores. É o próprio CEO da Hovione, Guy Villax, que diz: "As excelentes universidades portuguesas permitem-nos recrutar grandes técnicos». Ou seja, a escolha, para esses investigadores, passa por viver com uma Bolsa de Investigação Científica e consequentemente na incerteza, ou ter bons salários. 

Feitas as contas, a preocupação do Ministro da Saúde, apesar de justa não passa disso mesmo, uma vez que no Orçamento do Estado não constam medidas para combater, nem que seja timidamente, esta dependência. Passa por acender uma vela e esperar que as negociações com os Golias corram bem. 

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