Os resultados alcançados nos Jogos Olímpicos de Tóquio foram largamente festejados pelos dirigentes do país. Foi, de facto, esta edição dos jogos aquela em que Portugal obteve o maior número de medalhas, e o que é, na verdade, mais relevante, um número significativo de diplomas (15), que faz augurar um bom resultado na próxima edição daqui a três anos... se ocorrerem mudanças positivas naquilo que se passou nesta última Olimpíada.
A satisfação percorreu os órgãos de informação de lés a lés, durante o mês de Agosto, e deu lugar às mais estranhas declarações por parte dos políticos. O país está de parabéns e as decisões tomadas parecem ter sido as correctas, e no desporto (que por uma vez não é identificado unicamente pelo futebol) tudo também parece correr pelo melhor.
Contudo, algumas queixas timidamente expressas por alguns atletas em relação à situação da sua preparação, a que se podem juntar as preocupações de alguns dirigentes das Federações Desportivas, aliás também muito superficialmente noticiadas, foram completamente desqualificadas por estes resultados de agora. Se o número de medalhas aumentou e é o maior de sempre, que é o que de facto interessa a toda essa gente, porquê estarem preocupados com uma situação que, afinal, se considera de ruptura com a mediocridade do passado?
O que aqui interessa é verificar se esta atitude tem real fundamento no presente do desporto nacional, e que, inclusive, a pandemia não parece ter afectado, excepto nas contas dos clubes profissionais de futebol privados das receitas dos espectadores, impedidos de assistir aos jogos devido às regras do confinamento, apesar destes serem os que mais lucram com o mercado das transferências.
Comecemos então por analisar a opinião de que a equipa portuguesa alcançou a melhor classificação de sempre. Como sabemos esta ficou na 56.ª posição na qualificação não oficial dos países participantes tomando em consideração o número de medalhas alcançadas. Esta forma de definir a posição relativa de cada país a partir unicamente do número de medalhas de ouro ganhas, a que se juntam as de prata e de bronze (para desempatar), constitui o modo tradicional de qualificação traduzindo no fundo a predominância do pensamento de que as medalhas conquistadas é que demonstram unicamente o valor desportivo de cada país.
Quem se debruça sobre estas coisas do desporto sabe bem que não é assim, pois ganhar ou perder uma medalha depende de um conjunto complexo de factores. Contudo, se antes de 1952, esta forma de classificar os países, já era consensualmente aceite, a partir deste ano, momento em que a União Soviética passou a participar, impôs-se por completo, traduzindo no desporto as consequências da Guerra Fria.
Naquela altura e durante quase 40 anos as duas potências mundiais dominantes utilizaram esta forma de traduzir a sua superioridade em termos políticos. No presente esta superioridade concretiza-se entre os EUA e a China, continuando a assumir uma importância política marcante.
Esta rápida referência ao significado político da classificação nos Jogos Olímpicos é útil para uma melhor compreensão da alegria dos dirigentes provocada pelo lugar agora alcançado por Portugal.
A análise mais atenta do significado do 56.º lugar faz emergir um importante conjunto de evidências em relação ao desporto nacional de alto rendimento. É bem evidente que a equipa portuguesa teve o melhor resultado de sempre, não só porque conquistou 4 medalhas, mas também porque conseguiu um 4.º lugar, quatro 5.º lugares, três 7.º lugares e três 8.º lugares. Em si mesmo, trata-se de um conjunto de resultados que, para um país caracterizado por uma acentuada mediocridade na sua presença na história do olimpismo, surge como algo de novo, abrindo esperançosas perspectivas para a próxima edição dos Jogos. Deste ponto de vista, estamos de facto, perante a melhor classificação de sempre, um ponto e é tudo.
«Promover um debate informado e respeitador acerca daquilo que, pelos próprios protagonistas, é designado por «bases» do desporto nacional, ou seja da educação física e do desporto escolar, da situação dos clubes de bairro e do associativismo desportivo em termos gerais, e da relação do Estado Central com as autarquias locais? Nem por sombras. Não interessa, e ninguém (referimo-nos aos responsáveis) está interessado em tais coisas»
Desta forma parece que o desporto nacional se encontra lindamente, e não haver lugar para reparos críticos. Esta foi a atitude dos responsáveis, que evidentemente trataram de aproveitar a situação a seu favor, como é de bom uso na nossa política caseira. Aliás, não se encontrou um único comentário que ultrapassasse a simples celebração altamente festiva da façanha. Partir desta e procurar conhecer o que, de facto se passa na actualidade com o desporto nacional, particularmente com o alto rendimento? Nem por sombras. Promover um debate informado e respeitador acerca daquilo que, pelos próprios protagonistas, é designado por «bases» do desporto nacional, ou seja da educação física e do desporto escolar, da situação dos clubes de bairro e do associativismo desportivo em termos gerais, e da relação do Estado Central com as autarquias locais? Nem por sombras. Não interessa, e ninguém (referimo-nos aos responsáveis) está interessado em tais coisas.
Esta é uma situação corrente no país em relação a um extenso rol de problemas, em que o desporto nem sequer tem lugar, considerado como é ser uma actividade social de somenos importância, um simples passatempo recreativo de que somente o cidadão é responsável. E assim se volta a analisar a questão da presença internacional do desporto voltado exclusivamente para si próprio, descontextualizando inteiramente os resultados obtidos, fechando a análise a qualquer referência à sua relação com os outros países, rejeitando qualquer análise contextualizadora à escala internacional. Desta forma, é fácil e simples ficar regozijadamente a gozar os resultados, ignorando tudo aquilo que os condiciona internamente, mas especialmente rejeitando reconhecer qual o seu verdadeiro significado no contexto europeu e mundial. Ora, acontece que o «valor desportivo» de um país só se consegue definir em termos comparativos, em que os Jogos Olímpicos desempenham um papel crucial, pois constituem a «montra» de apresentação da elite desportiva mundial. Sem se tomar devidamente em consideração este lado da questão, ficar-se-á sem compreender devidamente qual o real valor daquilo que se alcançou. É esta atitude que aqui se pretende combater, procurando integrar Portugal no contexto geral do desporto mundial.
Convém verificar que um dos traços mais marcantes que por agora se encontram, refere-se à desvalorização do passado, que, por sinal, correntemente não é devidamente conhecido, sendo constantemente descontextualizado em relação à dinâmica característica de cada época. Encontra-se um bom exemplo na questão de esta ser «a melhor classificação de sempre».
Convém também verificar se isso é realmente assim, em primeiro lugar em termos de presença internacional, e de seguida procurar colocar o resultado agora obtido no seu devido lugar. Ou seja, contextualizando-o para perceber qual o caminho percorrido e aquele que falta percorrer para se conseguir alcançar uma posição condigna de um estado europeu em pleno século 21.
Em 1984, nos Jogos de Los Angeles, Portugal ficou na 23ª posição com três medalhas conquistadas (uma de ouro e duas de bronze). Anos depois, nos Jogos de Atlanta a equipa nacional ficou no 47.º lugar, o que se veio a repetir em 2008 nos Jogos de Pequim.
Os processos de classificação das equipas concorrentes aos Jogos Olímpicos são vários e, normalmente variam de acordo com os interesses dos autores. A classificação por medalhas de oiro têm sido criticada com razão, mas apareceu sempre conveniente ao longo do tempo, em especial para aqueles que, por uma ou outra razão, as ganharam com mais frequência. É por isso que aqui é utilizada, pois é a única que pode estabelecer uma relação sustentada entre todos os participantes nos Jogos ao longo de todas as edições.
Até onde as coisas são como são, ou seja, uma qualificação é uma classificação, o 56.º lugar não pode ser superior aos anteriores referidos. É certo que a obtenção de 15 diplomas de qualificação até ao 8.º lugar constitui um factor de afirmação que deve ser salvaguardado. Mas, é um facto que estes nunca integraram a tal classificação tradicional, pelo que temos de a continuar a utilizar, até porque é isso que continua a acontecer à escala do planeta. Contudo, convém esclarecer, que mesmo tomando em consideração a classificação por pontos, não se verificam alterações substancialmente diferentes daquelas que se obtêm ao aplicar a que tem sido utilizada.
Como já se referiu, em 1984, nos Jogos olímpicos de Los Angeles, Portugal obteve a 23.ª posição, classificação que, na altura, não foi tomado devidamente em consideração, mas que, no presente, emerge com todo o seu valor de uma forma bem clara. Nesse momento Portugal ficou à frente de verdadeiras potências desportivas europeias, como é o caso da Noruega (28.º lugar), a Dinamarca (27.º lugar) e a Suíça (26.º lugar). Desta forma ficava bem demonstrado que a opinião corrente, dominante até aí, de que os portugueses não possuíam as qualidades atávicas indispensáveis para serem atletas de alta qualidade, era completamente falsa.
«Tudo isto teve como objectivo convencer o país de que tudo está bem nesta área social, não sendo preciso realizar qualquer esforço adicional para alterar a situação (de facto toda esta campanha teve, além deste objectivo, o de servir de contraponto à situação de confinamento imposta pela epidemia). Quando, afinal, não só os problemas mantêm a mesma gravidade, como não lhes prestaram qualquer atenção significativa durante toda a Olimpíada, como o demonstra o incrível orçamento destinado à preparação da equipa portuguesa, que é um dos mais baixos de toda a Europa»
Situação idêntica verificou-se em 2008 nos Jogos de Pequim, em que a «Equipa das Quinas» ficou à frente de 6 países europeus com relevância desportiva, alguns deles com uma extraordinária posição no “ranking” europeu e mundial por medalhas, como eram os casos da Grécia, da Áustria e da Suécia, respectivamente com 121, 326 e 661 medalhas, conquistadas ao longo das várias edições dos Jogos. É claro que perante este número impressionante de medalhas conquistadas, os resultados obtidos assumem um novo significado, e considerar que agora se obteve o melhor resultado de sempre… vale o que vale... para os interesses actualmente dominantes.
Contudo, também a conquista das quatro medalhas ganhas nesta edição dos Jogos, não deve deixar de merecer algumas considerações, na medida em que se verificou uma situação inédita e algo perturbadora, que necessita de ser esclarecida, evitando qualquer tipo de controvérsia meramente especulativa. Trata-se da presença vitoriosa do atleta Pichardo que, ao vencer a prova de triplo salto, permitiu a obtenção do 56.º lugar na classificação final. O atleta, antes de se naturalizar português por razões que não são desportivas e só dizem respeito ao próprio, já possuía um palmarés verdadeiramente notável em termos internacionais, o que demonstra que o seu extraordinário valor não resultou de qualquer esforço do sistema desportivo português. Portanto, naquilo que aqui interessa e que consiste em determinar o real valor desportivo nacional manifestado nestes Jogos Olímpicos, esta medalha, embora pertencendo a Portugal pois este procedimento tornou-se prática corrente em muitos outros países, deve, porém, ser entendida de modo cuidadoso. Infelizmente esse cuidado não se verificou na atitude de muitos dirigentes.
Na realidade a situação é clara: se por ventura se conseguisse analisar com puro bom senso e de forma a relativizar a presença do atleta colocando-a no seu lugar próprio, sem a rejeitar de qualquer modo, ou sequer de a minimizar, mas não lhe atribuindo uma função verdadeiramente redentora, ver-se-ia a classificação agora obtida pela equipa nacional a uma outra luz mais próxima da realidade, de facto Portugal ficaria em 72.º lugar na classificação final dos Jogos. Ou seja, não só se alcançaria uma das piores classificações de sempre, como poucos seriam os países medalhados europeus que ocupariam um lugar atrás da equipa portuguesa, tal como aconteceu na anterior edição dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, e somente um pouco melhor do que o humilhante 78.º lugar então alcançado.
Convém colocar esta questão no seu devido lugar: a «questão Pichardo» não teria, como não tem, qualquer relevância especial se os dirigentes e, na sua esteira, os média, não tivessem utilizado esta situação de uma forma profundamente demagógica. De facto, todos eles fizeram crer que o desporto português tinha finalmente saído da condição de mediocridade característica de sempre, demonstrada nos sucessivos resultados obtidos nos Jogos Olímpicos ao longo do tempo (com excepção dos de 1984 em Tóquio, e dos de 2008 em Pequim). Chegam a ser verdadeiramente caricaturais, as afirmações de que «o desporto português progrediu», «deu-se uma rotura com o atraso desportivo», ou que «somos a primeira potência no triplo salto». Tudo isto teve como objectivo convencer o país de que tudo está bem nesta área social, não sendo preciso realizar qualquer esforço adicional para alterar a situação (de facto toda esta campanha teve, além deste objectivo, o de servir de contraponto à situação de confinamento imposta pela epidemia). Quando, afinal, não só os problemas mantêm a mesma gravidade, como não lhes prestaram qualquer atenção significativa durante toda a Olimpíada, como o demonstra o incrível orçamento destinado à preparação da equipa portuguesa, que é um dos mais baixos de toda a Europa.
«Facilmente se compreende que se está a falar de um outro mundo a que Portugal resiste tenazmente, rejeitando responder às novas necessidades da formação desportiva para o alto rendimento. Deste modo, é natural que se continue a impedir a análise aprofundada das necessidades do desenvolvimento do desporto sob todas as suas formas, como resposta à afirmação prestigiante do país, não como uma grande potência desportiva, mas procurando escapar do lote dos lugares sistematicamente mais atrasados em termos europeus»
No entanto, o que se apresenta como verdadeiramente importante, será tomar consciência de que mesmo tomando em consideração as quatro medalhas que nos colocaram na 56.ª posição, esta não é nada confortável, pois não só não se pode considerar como a melhor de sempre, como é, em si própria, uma má classificação para uma equipa europeia. Com a finalidade de tornar clara esta situação, elaborou-se o quadro que se apresenta na segunda parte deste artigo, que procura esclarecer a posição relativa das equipas que constituem o grupo com o qual a equipa portuguesa pode aspirar competir num futuro mais risonho para o desporto português.
Deste quadro foram eliminadas as equipas dos países com populações mais diminutas, como é o caso da Islândia (341 mil habitantes), do Luxemburgo (625 mil habitantes), de Andorra (77,3 mil habitantes), e de outros com população rondando estes valores. Do grupo dos 20 países seleccionados, verifica-se que, nesta última edição dos Jogos, somente a Finlândia (5,5 milhões de habitantes), é que tem pior classificação do que a portuguesa. Estudado o quadro com a necessária atenção, confirma-se que a 56.ª posição não só não é a melhor de sempre, pois em 2008 ficaram pior classificadas do que Portugal a Suécia, a Grécia, a Áustria, a Irlanda, a Sérvia, a Moldávia e a Arménia, como representa, de facto, um sério retrocesso em relação à situação europeia, pois todas elas se apresentam agora à sua frente.
Resta a esperança no futuro dos 15 diplomados. Em relação a estes fica o travo amargo de pensar que a classificação teria sido bem melhor (e poderá sê-lo, daqui a três anos), se tivessem sido criadas outras condições de preparação diferentes daquelas que tiveram, na Olimpíada que agora terminou.
Acrescentar-se-á um último comentário antes de passar ao estudo do quadro: o desporto mundial evoluiu intensamente ao longo dos últimos 30 anos. Nalguns aspectos, positivamente, noutros nem tanto. Mas é um facto que o valor das qualificações nos Jogos Olímpicos também assumiu um significado diferente: no presente, a preparação de um campeão não assume características semelhantes às do passado.
Sem emitir qualquer opinião valorativa por agora, mas constatando unicamente factos, verifica-se que essa preparação tem de começar de uma forma muito precoce (pelos seis anos, dizem uns, mas outros defendem que pelos três anos!), desenvolvendo-se de acordo com a norma das 10 mil horas (cerca de 3 a 4 horas diárias, cinco ou seis dias por semana, durante 10 anos).
Por outro lado, esta preparação, que assume o carácter de um sistema de vida devidamente planeado, exige a organização de uma estrutura própria, integrando o sistema educativo, o processo técnico de formação desportiva altamente especializado, o acompanhamento médico sistemático, a adaptação das relações familiares neste novo contexto e a criação de condições especiais de vida escolar em termos de defesa do futuro do atleta. Por outro lado ainda, a selecção das crianças mais dotadas que devem integrar esta estrutura, deve assumir uma nova forma completamente diferente do processo puramente empírico dos «olheiros» e do apuramento dos melhores através dos resultados vitoriosos de sucessivas provas eliminatórias, para ficar assente num processo científico de investigação, de uma forma que rejeita os processos típicos de um passado que sempre deu os resultados que se conhecem.
Facilmente se compreende que se está a falar de um outro mundo a que Portugal resiste tenazmente, rejeitando responder às novas necessidades da formação desportiva para o alto rendimento. Deste modo, é natural que se continue a impedir a análise aprofundada das necessidades do desenvolvimento do desporto sob todas as suas formas, como resposta à afirmação prestigiante do país, não como uma grande potência desportiva, mas procurando escapar do lote dos lugares sistematicamente mais atrasados em termos europeus. Também não se espera que este processo de afirmação surja da noite para o dia, pois deve assumir um carácter evolutivo devidamente organizado. O que não se pode aceitar de forma alguma, é esta sistemática fuga à análise das causas do atraso e das formas de lhe fazer frente, submersos por uma auto satisfação rejubilante que, de facto, constitui uma cortina espessa que impede que se veja com plena lucidez a situação real em que se encontra o desporto nacional.
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